Saturday, March 24, 2007

TEMPOS MODERNOS: A INTERVENÇÃO À MODA DO SERRA

Tempos Modernos:
a intervenção à moda do Serra

Maria Laura T. Mayrink-Sabinson


Sou antiga mesmo. Ainda do tempo em que o hoje governador Serra era um
simples docente do Instituto de Economia da Unicamp, recém-chegado de
exílio no Chile. Sou do tempo em que Serra, diante de assembléias da
Adunicamp (naquela época concorridíssimas), mostrava por a mais bê, num
quadro negro cheio de números e contas, que o então governador Paulo
Maluf (ele mesmo, o da intervenção de novembro de 1981) tinha dinheiro,
sim, para nos dar o aumento de salário que pleiteávamos. Sou do tempo
em que o mesmo Serra lutava, com os colegas docentes, contra a
intervenção malufista nas universidades públicas paulistas. Para quem
não viveu esse momento, é bom saber que Maluf destituiu diretores de
unidades e nomeou interventores em seu lugar. Antes ele havia
substituído os representantes do governo no Conselho Diretor (ainda não
havia o Conselho Universitário-Consu) por paus-mandados seus.
Sou do tempo em que Pinotti virou reitor da Unicamp, apesar de ser o
11º em lista montada a partir de consulta feita à comunidade. Na época,
apesar de grávida, passei a tarde da sexta-feira pré-Carnaval no pátio
diante da Reitoria. Junto a algumas dezenas de docentes e funcionários,
tentávamos sensibilizar o conselho a respeitar o desejo da comunidade
de ter Paulo Freire como reitor. Não funcionou. Em jogo de cartas
marcadas não se mexe. O governador Maluf escolheu o seu favorito alçado
a primeiro da lista pelo Conselho Diretor.
O governador eleito que o sucedeu, Franco Montoro, teve a assessoria de
Serra para provar por bê mais a que o dinheiro que antes dava o aumento
já não dava mais... O que mostra que, dependendo do lado pelo qual se
olha, vê-se o que se quer ver... e que os mesmos números servem a
quaisquer propósitos.
Sou do tempo em que nas manifestações por aumento salarial, em São
Paulo, se corria dos cavalos do Quércia, sucessor de Montoro no governo
estadual... Sou do tempo do SOS Unicamp, que acabou por derrotar a
intransigência quercista de repassar às universidades o gatilho
salarial imprescindível diante da inflação galopante e de manter as
universidades à mingua. O amplo movimento de intelectuais conquistou a
sociedade para a causa da Universidade Pública, gratuita, laica, de
qualidade, e em que a pesquisa, o ensino e a extensão eram um tripé
indissociável.
Foi a época da conquista da “autonomia”. Qual “autonomia”? As opiniões
são variadas... Naqueles tempos a Fapesp financiava pesquisas e não
empresas. Aliás, sou de uma época em que a Fapesp só financiava
pesquisadores do próprio Estado de São Paulo. Ainda não financiava a
fabricação de máquinas de passar roupa de tanta utilidade para os
pobres deste país a um módico custo de 3.500 reais...
Pois é, o mundo dá suas voltas, personagens antes opostas se unem, e
agora Serra, governador eleito, nomeia Pinotti como Secretário do
Ensino Superior de uma secretaria que antes era de Turismo. (Se acham
que é brincadeira, vejam o artigo 1º do decreto 51.460). As
universidades estaduais passam a ser entidades vinculadas a esta antiga
Secretaria de Turismo agora renomeada (artigo 4º do decreto 51.460 e
também o parágrafo único do artigo 3º do decreto 51.461). O Cruesp
passa a integrar a mesma secretaria (item V do decreto 51.460 e artigos
3º e Seção I do capítulo VIII do decreto 51.461). O secretário de
Ensino Superior é presidente do Cruesp, mas logo não é mais, já que
outro decreto volta a colocar um reitor neste posto.
Quanto à Fapesp, que antes, como as universidades públicas paulistas
era ligada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento
Econômico (renomeada pelo Decreto 51.460, artigo 1º, como Secretaria de
Desenvolvimento), continua agora ligada ao Desenvolvimento, como uma
das entidades a ela vinculadas, em companhia do Centro Estadual de
Educação Tecnológica Paula Souza (Ceeteps), do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), e Instituto de Pesquisas
Energéticas e Nucleares (Ipen), vejam o item XII do artigo 7º do
decreto 51.460.
Como ficarão as pesquisas nas universidades que são agora entidades da
Secretaria de Ensino Superior? O Ensino Superior não terá mais
pesquisas porque nada tem que ver com desenvolvimento? (Artigo 2º do
decreto 51.461, principalmente o item III.) Em resumo: Ensino é
Turismo; Ciência é Desenvolvimento. O tripé ensino, pesquisa, extensão
foi passear no bosque... Seu lobo já veio e fez uma intervenção muito
mais hábil, sutil e nociva do que aquela agora “ingênua” intervenção
malufista da década de 80!
E o que está aqui é só uma pontinha já detectada do iceberg serrista.
No emaranhado de decretos, publicados no dia 1º de janeiro de 2007 em
edição especial do Diário Oficial do Estado de São Paulo, que demorou
para aparecer, muitas outras surpresas se escondem. Nesse meio tempo o
ex-professor do Instituto de Economia da Unicamp já segurou verbas da
universidade (muito pouco, disse Pinotti). Proibiu concursos e
contratações. Que mais? Sou antiga mesmo! Do tempo em que as
intervenções na universidade eram feitas por “gente de fora”. Não
gestadas por ex e atuais docentes, diretores, reitores... Quantos e
quais docentes das três universidades públicas paulistas auxiliaram na
feitura destes decretos ou auxiliarão na sua execução? Alguns nomes são
conhecidos...

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