Wednesday, December 20, 2006

EMPREGOS - QUASE 5 MILHÕES COM CARTEIRA ASSINADA

Edição nº: 2424- Boletim informativo do Diretório Nacional do PT 19/12/2006


Governo Lula já criou quase 5 milhões de empegos formais


O Brasil gerou 32.579 empregos formais em novembro, número bem superior ao verificado no mesmo mês do ano passado (13.831 postos), de acordo com os dados do Caged divulgados nesta terça-feira (18) pelo ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho. Nos últimos 11 meses, foram criados 1.546.179 postos de trabalho - aumento de 5,93% na comparação com igual período do ano passado. Desde o início do primeiro governo Lula (janeiro de 2003), já foram gerados 4.968.869 postos com carteira assinada.

PARLAMENTARES DESAVERGONHADOS

Parlamentares desavergonhados

Leonardo Boff *

Adital - Há momentos em que a única reação digna diante de barbaridades éticas é a indignação. Muitos estamos indignados com a decisão dos líderes do Congresso tomada no dia 14 de dezembro, em reajustar praticamente em 100% seus próprios salários. De R$ 12.847,00 elevaram a R$ 24.500,00 que é o teto do Judiciário. Devido ao efeito cascata nos estados e nos municípios o gasto anual, surrupiado dos cofres públicos, será de 1,66 bilhões de reais. Os nomes dos que se opuseram por respeito à ética merecem ser citados: do PSOL a senadora Heloisa Helena (Senado), Chico Alencar (Câmara) e do PT Henrique Fontana. Todos os demais ou se calaram consentindo ou exultaram. Houve despudorados como o deputado Inocêncio de Oliveira (PFL-PE) que proclamou em péssimo latim "habemus aumento". Ciro Nogueira (PP-PI) foi simplesmente desavergonhado: "fui a favor sim; não tenho vergonha de forma nenhuma".
O que nos estarrece não é apenas o fato aviltante de votar em causa própria, mas é a realidade que este fato sinaliza: a total falta de ética dos "representantes" do povo. Já Aristóteles nos ensinara que ter vergonha é um dos indicadores mais inequívocos de que ainda não perdemos de todo o senso ético; o enrubescimento mostra que nos damos conta dos atos maus que praticamos. Os congressisas nem tiveram vergonha nem se enrubesceram diante do seu despudor. Deram mostra de total falta de ética.
Mas o que é pior é que eles confirmam o que a historiografia política brasileira sempre tem repetido, especialmente o saudoso José Honório Rodrigues: eles não amam o povo, tem vergonha das bases populares empobrecidas, pois as vêem compostas de jecas-tatu, joão-ninguéns, zé-povinho lascado. Só vão a estes em tempos de eleição para ludibriá-los e arrancarem-lhes o voto sob muitas e falsas promessas. Uma vez instalados no Parlamento fazem os acertos de amigos-da-onça, de costas ao povo e contra ele. Decidiram o vergonhoso aumento exatamente no momento em que os movimentos sociais e os sindicatos estão discutindo miseráveis taxas de aumento de seus salários.
Quem não se indigna e sente vergonha de ter representantes deste jaez? Não resisto a tentação de citar as palavras do profeta Amós, o vaqueiro, que, corajoso, entrou corte adentro denunciando as sem-vergonhices dos poderosos. Denuncia em nome de Deus: "odeio e desprezo vossas festas e não gosto de vossas reuniões; vós transformais o direito em veneno e o fruto da justiça em absinto"(capítulo 2 e 6).
Senadores e deputados perderam o sentido da realidade. O mundo virtual de Brasília corrompeu suas mentes, desgarradas da penosa luta do povo por sua sobrevivência.
O Parlamento não é apenas instância delegada do poder popular, nem gerenciamento técnico das questões do bem comum. Ele é principalmente instância ética. Representa valores da cidadania, da transparência no cuidado da coisa pública. Nós cidadãos temos o direito de esperar que nossos representantes vivam esses valores e não os neguem por suas práticas "sem vergonha". Graças a Deus, que existem ainda parlamentares do mais alto gabarito ético que conferem dignidade à sua função e que não nos deixam desesperar.

* Teólogo. Membro da Comissão da Carta da Terra

IMPRENSA- A PARCIALIDADE NA COBERTURA DE ELEIÇÕES DE 2006

IMPRENSA
Repórter da TV Globo denuncia parcialidade na cobertura das eleições de 2006

Rodrigo Vianna, após questionar a cobertura da emissora das eleições, foi afastado do noticiário político. Nesta terça-feira (19), foi informado de que a Globo, após 12 anos, pretendia não renovar seu contrato. Em carta enviada aos colegas, obtida pela Carta Maior, ele acusa a parcialidade da empresa.
Bia Barbosa e Gilberto Maringoni – Carta Maior

SÃO PAULO - O repórter especial da Rede Globo de Televisão em São Paulo, Rodrigo Vianna, foi informado nesta terça-feira (19) que a empresa não pretende renovar seu contrato de trabalho, que expira em 31 de janeiro próximo. Profissional experiente, Vianna trabalha na rede desde 1995 e produziu mais de duas dezenas de matérias para o Globo Repórter, além de cobrir seis processos eleitorais. Vianna também mediou debates eleitorais para a prefeitura de Belém (2004) e para o governo do Mato Grosso (2006).

Segundo colegas, Vianna já estava decidido a também não renovar seu contrato em função do que ocorreu desde o início do processo eleitoral. Ao lado de outros jornalistas da emissora, ele foi um dos que questionou a parcialidade da cobertura realizada pela Globo. Nos últimos meses, foi afastado da cobertura política e destacado para atuar nos jornais locais. Procurado pela reportagem da Carta Maior, Vianna informou que não pode se manifestar por exigências do seu contrato, ainda em vigor. A reportagem também tentou falar com o chefe de jornalismo em São Paulo, Luiz Cláudio Latgé, que não retornou as ligações ou respondeu ao e-mail enviado até o fechamento da matéria.

Imediatamente após a conversa com a chefia no início da tarde desta terça, Rodrigo Vianna teve seu correio eletrônico interno e seu crachá bloqueados. Antes, no entanto, conseguiu enviar aos colegas uma mensagem em que explica as razões de seu afastamento e externa sua insatisfação com a cobertura da última disputa presidencial.

“O que fizemos na véspera da eleição foi incrível”, diz ele, ao comentar o desequilíbrio da cobertura. “Ninguém na redação queria poupar os petistas (...) O que pedíamos era isonomia. Durante duas semanas, às vésperas do primeiro turno, a Globo de São Paulo designou dois repórteres para acompanhar o caso dossiê: um em São Paulo, outro em Cuiabá. Mas, nada de Piracicaba, nada de Barjas [Negri, ex-ministro da Saúde]!”

Vianna destaca ainda “aquele episódio lamentável do abaixo-assinado, depois das matérias da Carta Capital”. Segundo ele, “foi um abaixo-assinado em defesa da Globo, apresentado por chefes!”

Leia abaixo a íntegra da mensagem, obtida com exclusividade pela Carta Maior.


Lealdade
Rodrigo Vianna

Quando cheguei à TV Globo, em 1995, eu tinha mais cabelo, mais esperança, e também mais ilusões. Perdi boa parte do primeiro e das últimas. A esperança diminuiu, mas sobrevive. Esperança de fazer jornalismo que sirva pra transformar - ainda que de forma modesta e pontual. Infelizmente, está difícil continuar cumprindo esse compromisso aqui na Globo. Por isso, estou indo embora.

Quando entrei na TV Globo, os amigos, os antigos colegas de Faculdade, diziam: "você não vai agüentar nem um ano naquela TV que manipula eleições, fatos, cérebros". Agüentei doze anos. E vou dizer: costumava contar a meus amigos que na Globo fazíamos - sim - bom jornalismo. Havia, ao menos, um esforço nessa direção.

Na última década, em debates nas universidades, ou nas mesas de bar, a cada vez que me perguntavam sobre manipulação e controle político na Globo, eu costumava dizer: "olha, isso é coisa do passado; esse tempo ficou pra trás".

Isso não era só um discurso. Acompanhei de perto a chegada de Evandro Carlos de Andrade ao comando da TV, e a tentativa dele de profissionalizar nosso trabalho. Jornalismo comunitário, cobertura política - da qual participei de 98 a 2006. Matérias didáticas sobre o voto, sobre a democracia. Cobertura factual das eleições, debates. Pode parecer bobagem, mas tive orgulho de participar desse momento de virada no Jornalismo da Globo.

Parecia uma virada. Infelizmente, a cobertura das eleições de 2006 mostrou que eu havia me iludido. O que vivemos aqui entre setembro e outubro de 2006 não foi ficção. Aconteceu.
Pode ser que algum chefe queira fazer abaixo-assinado para provar que não aconteceu. Mas, é ruim, hem!

Intervenção minuciosa em nossos textos, trocas de palavras a mando de chefes, entrevistas de candidatos (gravadas na rua) escolhidas a dedo, à distância, por um personagem quase mítico que paira sobre a Redação: "o fulano (e vocês sabem de quem estou falando) quer esse trecho; o fulano quer que mude essa palavra no texto".

Tudo isso aconteceu. E nem foi o pior.

Na reta final do primeiro turno, os "aloprados do PT" aprontaram; e aloprados na chefia do jornalismo global botaram por terra anos de esforço para construir um novo tipo de trabalho aqui.
Ao lado de um grupo de colegas, entrei na sala de nosso chefe em São Paulo, no dia 18 de setembro, para reclamar da cobertura e pedir equilíbrio nas matérias: "por que não vamos repercutir a matéria da "Istoé", mostrando que a gênese dos sanguessugas ocorreu sob os tucanos? Por que não vamos a Piracicaba, contar quem é Abel Pereira? "

Por que isso, por que aquilo... Nenhuma resposta convincente. E uma cobertura desastrosa. Será que acharam que ninguém ia perceber?

Quando, no JN, chamavam Gedimar e Valdebran de "petistas" e, ao mesmo tempo, falavam de Abel Pereira como empresário ligado a um ex-ministro do "governo anterior", acharam que ninguém ia achar estranho?

Faltando seis dias para o primeiro turno, o "petista" Humberto Costa foi indiciado pela PF. No caso dos vampiros. O fato foi parar em manchete no JN, e isso era normal. O anormal é que, no mesmo dia, esconderam o nome de Platão, ex-assessor do ministério na época de Serra/Barjas Negri. Os chefes sabiam da existência de Platão, pediram a produtores pra checar tudo sobre ele, mas preferiram não dar. Que jornalismo é esse, que poupa e defende Platão, mas detesta Freud! Deve haver uma explicação psicanalítica para jornalismo tão seletivo!

Ah, sim, Freud. Elio Gaspari chegou a pedir desculpas em nome dos jornalistas ao tal Freud Godoy. O cara pode ter muitos pecados. Mas, o que fizemos na véspera da eleição foi incrível: matéria mostrando as "suspeitas", e apontando o dedo para a sala onde ele trabalhava, bem próximo à sala do presidente... A mensagem era clara. Mas, quando a PF concluiu que não havia nada contra ele, o principal telejornal da Globo silenciou antes da eleição.

Não vi matérias mostrando as conexões de Platão com Serra, com os tucanos.

Também não vi (antes do primeiro turno) reportagens mostrando quem era Abel Pereira, quem era Barjas Negri, e quais eram as conexões deles com PSDB. Mas vi várias matérias ressaltando os personagens petistas do escândalo. E, vejam: ninguém na Redação queria poupar os petistas (eu cobri durante meses o caso Santo André; eram matérias desfavoráveis a Lula e ao PT, nunca achei que não devêssemos fazer; seria o fim da picada...).

O que pedíamos era isonomia. Durante duas semanas, às vésperas do primeiro turno, a Globo de São Paulo designou dois repórteres para acompanhar o caso dossiê: um em São Paulo, outro em Cuiabá. Mas, nada de Piracicaba, nada de Barjas.!

Um colega nosso chegou a produzir, de forma precária, por telefone (vejam, bem, por telefone! Uma TV como a Globo fazer reportagem por telefone), reportagem com perfil do Abel. Foi editada, gerada para o Rio. Nunca foi ao ar!

Os telespectadores da Globo nunca viram Serra e os tucanos entregando ambulâncias cercados pelos deputados sanguessugas. Era o que estava na tal fita do "dossiê". Outras TVs mostraram o vídeo, a internet mostrou. A Globo, não. Provava alguma coisa contra Serra? Não. Ele não era obrigado a saber das falcatruas de deputados do baixo clero. Mas, por que demos o gabinete de Freud pertinho de Lula, e não demos Serra com sanguessugas?

E o caso gravíssimo das perguntas para o Serra? Ouvi, de pelo menos 3 pessoas diretamente envolvidas com o SP-TV Segunda Edição, que as perguntas para o Serra, na entrevista ao vivo no jornal, às vésperas do primeiro turno, foram rigorosamente selecionadas. Aquele diretor (aquele, vocês sabem quem) teria mandado cortar todas as perguntas "desagradáveis". A equipe do jornal ficou atônita. Entrevistas com os outros candidatos tinham sido duras, feitas com liberdade. Com o Serra, teria havido, deliberadamente, a intenção de amaciar.

E isso era um segredo de polichinelo. Muita gente ouviu essa história pelos corredores...

E as fotos da grana dos aloprados? Tínhamos que publicar? Claro. Mas, porque não demos a história completa? Os colegas que estavam na PF naquele dia (15 de setembro), tinham a gravação, mostrando as circunstâncias em que o delegado vazara as fotos. Justiça seja feita: sei que eles (repórter e produtor) queriam dar a matéria completa - as fotos, e as circunstâncias do vazamento. Podiam até proteger a fonte, mas escancarando o que são os bastidores de uma campanha no Brasil. Isso seria fazer jornalismo, expor as entranhas do poder.

Mais uma vez, fomos seletivos: as fotos mostradas com estardalhaço. A fita do delegado, essa sumiu!

Aquele diretor, aquele que controla cada palavra dos textos de política, disse que só tomou conhecimento do conteúdo da fita no dia seguinte. Quer que a gente acredite?
Por que nunca mostraram o conteúdo da fita do delegado no JN?

O JN levou um furo, foi isso?

Um colega nosso, aqui da Globo ouviu a fita e botou no site pessoal dele... Mas, a Globo não pôs no ar... O portal "G-1" botou na íntegra a fita do delegado, dias depois de a "CartaCapital" ter dado o caso. Era noticia? Para o portal das Organizações Globo, era.

Por que o JN não deu no dia 29 de setembro? Levou um furo?
Não. Furada foi a cobertura da eleição. Infelizmente.

E, pra terminar, aquele episódio lamentável do abaixo-assinado, depois das matérias da "CartaCapital". Respeito os colegas que assinaram. Alguns assinaram por medo, outros por convicção. Mas, o fato é que foi um abaixo-assinado em defesa da Globo, apresentado por chefes!
Pensem bem. Imaginem a seguinte hipótese: a revista "Quatro Rodas" dá matéria falando mal da suspensão de um carro da Volkswagen, acusando a empresa de deliberadamente não tomar conhecimento dos problemas. Aí, como resposta, os diretores da Volks têm a brilhante idéia de pedir aos metalúrgicos pra assinar um manifesto em defesa da empresa! O que vocês acham? Os metalúrgicos mandariam a direção da fábrica catar coquinho em Berlim!

Aqui, na Globo, muitos preferiram assinar. Por isso, talvez, tenhamos um metalúrgico na Presidência da República, enquanto os jornalistas ficaram falando sozinhos nessa eleição...
De resto, está difícil continuar fazendo jornalismo numa emissora que obriga repórteres a chamarem negros de "pretos e pardos". Vocês já viram isso no ar? Sinto vergonha...
A justificativa: IBGE (e, portanto, o Estado brasileiro) usa essa nomenclatura. Problema do IBGE. Eu me recuso a entrar nessa. Delegados de policia (representantes do Estado) costumavam (até bem pouco tempo) tratar companheiras (mesmo em relações estáveis) como "concubinas" ou "amásias". Nunca usamos esses termos!

Árabes que chegaram ao Brasil no início do século passado eram chamados de "turcos" pelas autoridades (o passaporte era do Império Turco Otomano, por isso a nomenclatura). Por causa disso, jornalistas deviam chamar libaneses de turcos?

Daqui a pouco, a Globo vai pedir para que chamemos a Parada Gay de "Parada dos Pederastas". Francamente, não tenho mais estômago.

Mas, também, o que esperar de uma Redação que é dirigida por alguém que defende a cobertura feita pela Globo na época das Diretas?

Respeito a imensa maioria dos colegas que ficam aqui. Tenho certeza que vão continuar se esforçando pra fazer bom Jornalismo. Não será fácil a tarefa de vocês.

Olhem no ar. Ouçam os comentaristas. As poucas vozes dissonantes sumiram. Franklin Martins foi afastado. Do Bom dia Brasil ao JG, temos um desfile de gente que está do mesmo lado.
Mas sabem o que me deixou preocupado mesmo? O texto do João Roberto Marinho depois das eleições.

Ele comemorou a reação (dando a entender que foi absolutamente espontânea; será que disseram isso pra ele? Será que não contaram a ele do mal-estar na Redação de São Paulo?) de jornalistas em defesa da cobertura da Globo:

"(...)diante de calúnias e infâmias, reagem, não com dúvidas ou incertezas, mas com repúdio e indignação. Chamo isso de lealdade e confiança".

Entendi. Ele comemora que não haja dúvidas e incertezas... Faz sentido. Incerteza atrapalha fechamento de jornal. Incerteza e dúvida são palavras terríveis. Devem ser banidas. Como qualquer um que diga que há racismo - sim - no Brasil.

E vejam o vocabulário: "lealdade e confiança". Organizações ainda hoje bem populares na Itália costumam usar esse jargão da "lealdade".

Caro João, você talvez nem saiba direito quem eu sou.
Mas, gostaria de dizer a você que lealdade devemos ter com princípios, e com a sociedade. A Globo, infelizmente, não foi "leal" com o público. Nem com os jornalistas.Vai pagar o preço por isso. É saudável que pague. Em nome da democracia!

João, da família Marinho, disse mais no brilhante comunicado interno:

"Pude ter certeza absoluta de que os colaboradores da Rede Globo sabem que podem e devem discordar das decisões editoriais no trabalho cotidiano que levam à feitura de nossos telejornais, porque o bom jornalismo é sempre resultado de muitas cabeças pensando".

Caro João, em que planeta você vive? Várias cabeças? Nunca, nem na ditadura (dizem-me os companheiros mais antigos) tivemos na Globo um jornalismo tão centralizado, a tal ponto que os repórteres trabalham mais como bonecos de ventríloquos, especialmente na cobertura política!

Cumpro agora um dever de lealdade: informo-lhe que, passadas as eleições, quem discordou da linha editorial da casa foi posto na "geladeira". Foi lamentável, caro João. Você devia saber como anda o ânimo da Redação - especialmente em São Paulo.

Boa parte dos seus "colaboradores" (você, João, aprendeu direitinho o vocabulário ideológico dos consultores e tecnocratas - "colaboradores", essa é boa... Eu não sou colaborador, coisa nenhuma! Sou jornalista!) está triste e ressabiada com o que se passou.

Mas, isso tudo tem pouca importância.

Grave mesmo é a tela da Globo - no Jornalismo, especialmente - não refletir a diversidade social e política brasileira. Nos anos 90, houve um ensaio, um movimento em direção à pluralidade. Já abortado. Será que a opção é consciente?

Isso me lembra a Igreja Católica, que sob Ratzinger preferiu expurgar o braço progressista. Fez uma opção deliberada: preferiram ficar menores, porém mais coesos ideologicamente. Foi essa a opção de Ratzinger. Será essa a opção dos Marinho?
Depois, não sabem porque os protestantes crescem...
Eu, que não sou católico nem protestante, fico apenas preocupado por ver uma concessão pública ser usada dessa maneira!

Mas, essa é também uma carta de despedida, sentimental.
Por isso, peço licença pra falar de lembranças pessoais.

Foram quase doze anos de Globo.

Quando entrei na TV, em 95, lá na antiga sede da praça Marechal, havia a Toninha - nossa mendiga de estimação, debaixo do viaduto. Os berros que ela dava em frente à entrada da TV traziam uma dimensão humana ao ambiente, lembravam-nos da fragilidade de todos nós, de como nossa razão pode ser frágil.

Havia o João Paulada - o faz-tudo da Redação.
Havia a moça do cafezinho (feito no coador, e entregue em garrafas térmicas), a tia dos doces...
Era um ambiente mais caseiro, menos pomposo. Hoje, na hora de dizer tchau, sinto saudade de tudo aquilo.
Havia bares sujos, pessoas simples circulando em volta de todos nós - nas ruas, no Metrô, na padaria.

Todos, do apresentador ao contínuo, tinham que entrar a pé na Redação. Estacionamentos eram externos (não havia "vallet park", nem catraca eletrônica). A caminhada pelas calçadas do centro da cidade obrigava-nos a um salutar contato com a desigualdade brasileira.

Hoje, quando olho pra nossa Redação aqui na Berrini, tenho a impressão que estou numa agência de publicidade. Ambiente asséptico, higienizado. Confortável, é verdade. Mas triste, quase desumano.

Mas, há as pessoas. Essas valem a pena.

Pra quem conseguiu chegar até o fim dessa longa carta, preciso dizer duas coisas...

1) Sinto-me aliviado por ficar longe de determinados personagens, pretensiosos e arrogantes, que exigem "lealdade"; parecem "poderosos chefões" falando com seus seguidores... Se depender de mim, como aconteceu na eleição, vão ficar falando sozinhos.

2) Mas, de meus colegas, da imensa maioria, vou sentir saudades.
Saudades das equipes na rua - UPJs que foram professores; cinegrafistas que foram companheiros; esses sim (todos) leais ao Jornalismo.
Saudades dos editores - que tiveram paciência com esse repórter aflito e procuraram ser leais às minúcias factuais.
Saudades dos produtores e dos chefes de reportagem - acho que fui leal com as pautas de vocês e (bem menos) com os horários!
Saudades de cada companheiro do apoio e da técnica - sempre leais.
Saudades especialmente, das grandes matérias no Globo Repórter - com aquela equipe de mestres (no Rio e em São Paulo) que aos poucos vai se desmontando, sem lealdade nem respeito com quem fez história (mas há bravos resistentes ainda).

Bem, pelo tom um tanto ácido dessa carta pode não parecer. Mas levo muita coisa boa daqui.

Perdi cabelos e ilusões. Mas, não a esperança.

Um beijo a todos.
Rodrigo Vianna.

MARX, LÊNIN, GRAMSCI E A IMPRENSA

Marx, Lênin, Gramsci e a imprensa





ALTAMIRO BORGES





Diante do poder alcançado pela mídia hegemônica e das ilusões ainda existentes sobre seu papel, revisitar as idéias de intelectuais marxistas sobre o tema é da maior importância e causam surpresa por sua enorme atualidade. Marx, Lênin e Gramsci, entre outros pensadores revolucionários, sempre destacaram o papel dos meios de comunicação. Exatamente por entenderem a importância da luta de idéias, do fator subjetivo na transformação da sociedade, fizeram questão de desmascarar o que chamavam, sem meias palavras, de “imprensa burguesa” e de realçar a necessidade da construção de veículos alternativos dos trabalhadores.



Estes dois elementos, a denúncia do caráter de classe da imprensa capitalista e a defesa dos instrumentos próprios dos explorados, são as marcas principais destes intelectuais marxistas. Marx, Lênin e Gramsci dedicaram enorme energia ao trabalho jornalístico, escrevendo centenas de artigos e ajudando a construir vários jornais democráticos e proletários. Foram jornalistas de mão-cheia, produzindo textos que entraram para a história. Sempre estiveram sintonizados com o seu tempo, pulsando a evolução da luta de classes; nunca se descuidaram da forma, da linguagem, para melhor difundir os seus conteúdos revolucionários.



Defesa da liberdade de expressão



Vítimas da violenta perseguição das classes dominantes, os revolucionários nunca toleraram a censura dos opressores e foram os maiores defensores da verdadeira liberdade de expressão. A própria ampliação da democracia foi decorrência das lutas dos trabalhadores, já que nunca interessou à reacionária burguesia. Mas os revolucionários nunca confundiram esta exigência democrática com a proclamada “liberdade de imprensa”, tão alardeada pela burguesia que controla os meios de produção e usa todos os recursos, legais e ilegais, ardilosos e cruéis, para castrar a própria democracia e o avanço das lutas emancipadoras.



Numa fase ainda embrionária do movimento operário-socialista, Karl Marx logo se envolveu na atividade jornalística. Após concluir seu doutorado em filosofia, em 1841, ele pretendia seguir a carreira acadêmica e ingressar na Universidade de Bonn, mas a brutal repressão do governo prussiano inviabilizou tal projeto e o jovem filósofo alemão manteve seu sustento através do jornalismo. Em 1842, ingressou na equipe do jornal Gazeta Renana e virou o seu redator-chefe. Sob sua direção, este periódico democrático triplicou o número de assinantes e ganhou prestígio, mas durou poucos meses e foi fechado pela ditadura prussiana.



Sem ilusões na imprensa burguesa



Na seqüência, entre 1848/49, passou a escrever no jornal Nova Gazeta Renana, que se transformou numa trincheira de resistência ao regime autoritário. Em menos de dois anos, Marx escreveu mais de 500 textos e tornou-se um articulista de sucesso. O combate ao código de censura do governo prussiano resultou na proibição do jornal. Marx ainda escreveu para o Die Press e o New York Tribune sobre política, economia e história. “Era um jornalismo que revelava a minuciosa leitura de Marx, seu alto grau de informação não apenas sobre os fatos e conflitos, como também sobre os atores individuais e a própria imprensa”, relata José Onofre, na apresentação do livro recém-lançado “Karl Marx e a liberdade de imprensa”.



Em sua defesa da liberdade de expressão, ele nunca vacilou na denúncia da ditadura burguesa. Para ele, o jornal deveria ser uma arma de combate à opressão e à exploração e não um veículo neutro. “A função da imprensa é ser o cão-de-guarda, o denunciador incansável dos opressores, o olho onipresente e a boca onipresente do espírito do povo que guarda com ciúme sua liberdade”. Em outro texto, afirma: “O dever da imprensa é tomar a palavra em favor dos oprimidos a sua volta. O primeiro dever da imprensa é minar todas as bases do sistema político existente”. Por estas idéias libertárias, ele foi processado e perseguido.



Poder do capital sobre a imprensa



Outro que nunca se iludiu foi Vladimir Lênin. Atuando num período da ascensão revolucionária, ele foi ainda mais duro no combate aos jornais burgueses. Num texto intitulado “a liberdade de imprensa do capitalismo”, ele desnuda esta falácia. “A ‘liberdade de imprensa’ é também uma das principais palavras de ordem da ‘democracia pura’. Os operários sabem e os socialistas de todos os países reconheceram-no milhares de vezes que esta liberdade é um engano enquanto as melhores impressoras e os estoques de papel forem açambarcados pelos capitalistas, e enquanto subsistir o poder do capital sobre a imprensa”.



“Com vista a conquistar a igualdade efetiva e a verdadeira democracia para os trabalhadores, é preciso começar por privar o capital da possibilidade de alugar escritores, de comprar editoriais e de subornar jornais, mas para isso é necessário destruir o jugo do capital... Os capitalistas chamam sempre ‘liberdade’ à liberdade para os ricos de manterem seus lucros e liberdade para os operários de morrerem à fome. Os capitalistas denominam de liberdade de imprensa a liberdade de suborno da imprensa pelos ricos, a liberdade de usar a riqueza para forjar e falsear a chamada opinião pública”. Nada mais atual!



Numa outra fase histórica, em que o setor da comunicação ainda não era um poderoso ramo da economia, Lênin chegou a se contrapor à participação dos comunistas na imprensa burguesa. “Poder-se-á admitir que colaborem nos jornais burgueses? Não. A semelhante colaboração se opõe tanto as razões teóricas como a linha política e a prática da social-democracia... Dir-nos-ão que não há regra sem exceção. O que é indiscutível. Não se pode condenar o camarada que, vivendo no exílio, escreve num jornal qualquer. É por vezes difícil criticar um social-democrata que, para ganhar a vida, colabora numa seção secundária de um jornal burguês”. Mas, para ele, tais casos deveriam ser encarados como exceção e com princípios.



“Boicote, boicote, boicote”



Para encerrar este bloco, que evidencia que os marxistas nunca nutriram ilusões sobre o caráter de classe da imprensa burguesa e nem se embasbacaram com o seu poder de sedução, vale reproduzir uma longa citação de Antonio Gramsci, o revolucionário italiano de padeceu onze anos nos cárceres. No texto “Os jornais e os operários”, escrito em 1916, ele faz uma conclamação aos trabalhadores que bem poderia servir para uma campanha contra a revista Veja e outros veículos da mídia brasileira na atualidade:



Para ele, a assinatura de jornal burguês “é uma escolha cheia de insídias e de perigos que deveria ser feita com consciência, com critério e depois de amadurecida reflexão. Antes de mais, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por idéias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma idéia: servir à classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. E, de fato, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação”.



“Todos os dias, pois, sucede a este mesmo operário a possibilidade de poder constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a política burguesa em prejuízo da política e da classe operária. Rebenta uma greve! Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há uma manifestação! Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre tumultuosos e malfeitores. E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. Apesar disso, a aquiescência culposa do operário em relação ao jornal burguês é sem limites”.



“É preciso reagir contra ela e despertar o operário para a exata avaliação da realidade. É preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa operária. Se os operários se persuadirem desta elementar verdade, aprenderiam a boicotar a imprensa burguesa, em bloco e com a mesma disciplina com que a burguesia boicota os jornais operários, isto é, a imprensa socialista. Não contribuam com dinheiro para a imprensa burguesa que vos é adversária: eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento, caracterizado pela campanha de assinatura de todos os jornais burgueses: Boicotem, boicotem, boicotem!”.



Construtores da imprensa revolucionária



Exatamente por não nutrirem ilusões na imprensa burguesa, Marx, Lênin e Gramsci sempre investiram na construção de instrumentos próprios das forças contrárias à lógica do capital. Segundo o biógrafo David Riazanov, “a Nova Gazeta Renana tratava de todas as questões importantes, de sorte que o jornal pode ser considerado um modelo de periódico revolucionário. Nenhum outro periódico russo nem europeu chegou à altura da Nova Gazeta... Seus artigos não perderam nada de sua atualidade, de seu ardor revolucionário, de sua agudeza na análise dos acontecimentos. Ao lê-los, sobretudo os de Marx, acreditamos assistir à história da revolução alemã e da revolução francesa, tão vivo é o estilo, como profundo é o sentido”.



Já Lênin, que viveu numa fase de efervescência revolucionária, dedicou boa parte das suas energias para construção de jornais socialistas – dos mais diferentes tipos, sempre sintonizados com a evolução da luta de classes. Iskra, Vperiod, Pravda, Proletari, Rabotchaia Pravda, Nievskaia Svesdá, entre outros jornais organizados e dirigidos por ele, servirão para agregar as forças de esquerda, fazer agitação nas fábricas, aprofundar os debates ideológicos e construir o partido. Na sua mais célebre definição, Lênin sintetizou:



“O jornal não é apenas um propagandista coletivo e um agitador coletivo. Ele é, também, um organizador coletivo. Neste último sentido, ele pode ser comparado com os andaimes que são levantados ao redor de um edifício em construção, que assinala os contornos, facilitam as relações entre os diferentes pedreiros, ajudam-lhes a distribuírem tarefas e a observar os resultados gerais alcançados pelo trabalho organizado”. A reacionária burguesia russa logo entendeu o perigo representado por estes jornais, tanto que os reprimiu ferozmente. No caso do Pravda, de um total de 270 edições, 110 foram objeto de ações judiciais e os seus redatores foram condenados a um total de 472 anos de prisão. Mas isto não abrandou o seu vigor!



Atualidade das noções marxistas



No caso de Gramsci, o longo período de cárcere dificultou a sua atividade jornalística e castrou seu desejo de organizar a imprensa operária. Antes da prisão, ele editou vários jornais de fábrica e empenhou-se na difusão do Ordine Nuovo. Na sua rica elaboração sobre o papel dos intelectuais e a luta pela hegemonia, ele chega a afirmar que, em momentos de crise, o jornal pode funcionar como partido político, ajudando a desnudar a ideologia dominante e a construir a ação contra-hegemônica do proletariado. Para ele, o momento da desconstrução do velho é, ao mesmo tempo, o da construção do novo.



As contribuições de Gramsci servem para desmistificar o papel da mídia hoje, mantendo impressionante atualidade. Para ele, a imprensa burguesa é um “aparelho privado de hegemonia”, capaz de disputar os rumos da sociedade por meio de uma verdadeira guerra de posições em todas as “trincheiras ideológicas”. Através da imprensa privada e mercantil, que objetiva o lucro e que faz da notícia uma mera mercadoria, a burguesia tenta se aparentar como representante da esfera pública. Além disso, em momentos de crise da ideologia dominante e de fratura dos partidos burgueses, a imprensa se apresenta como “o partido do capital”, que organiza e amalgama os interesses das várias frações de classe da burguesia.





* Exposição apresentada durante o 12º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação (CNC), em 02 de dezembro, no Rio de Janeiro.





Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª ed

Thursday, December 14, 2006

ENTREVISTA DE MARCIO POCHMANN NO BLOG DO ZÉ DIRCEU

Márcio Pochmann 11/12/2006 19:49
Brasil precisa criar empregos de salários mais elevados
O economista Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Nesta entrevista, ele comenta porque a maioria das vagas criadas nos últimos anos é de baixos salários e discute o esfarelamento da classe média.

[ José Dirceu ] Seus trabalhos mostram que a maioria das vagas criadas, nos últimos, anos são de baixos salários. Ao mesmo tempo, a pobreza diminuiu 19,8% no primeiro mandato do governo Lula. As regiões mais pobres estão crescendo mais do que a média do país. Como se explicam essas duas lógicas?

[ Marcio Pochmann] É notória a redução da proporção de pobres no Brasil, especialmente se utilizar como medida um indicador limitado de pobreza. Tradicionalmente no país, utiliza-se, como metodologia de apuração da pobreza, uma linha monetária estabelecida a partir de uma cesta básica de consumo. Nesse caso, são, fundamentalmente, os Estados Unidos e o Banco Mundial que fazem dessa medida uma apuração da pobreza absoluta. Mas há, também, a experiência européia de utilizar, como medida, a apuração da pobreza relativa, ou seja, considerando não apenas o custo mínimo de uma cesta de sobrevivência, mas o padrão de riqueza produzido no país. Assim, considera-se, como medida oficial de pobreza, a desigualdade que decorre do fato de haver pobres relativamente ao padrão de riqueza praticado em cada sociedade. Nesse sentido, no Brasil, considerando-se quem ganha até meio salário mínimo per capita familiar (pobreza absoluta), percebe-se que os pobres estão concentrados nas regiões Norte e Nordeste, e, por conta de uma série de iniciativas públicas, houve redução importante - embora em menor ritmo que na década de 1970, quando a economia nacional crescia 9% em média por ano – da taxa de pobreza.

[ José Dirceu ] Esse indicador é limitado?

[ Marcio Pochmann] Não. Mas precisamos considerar também o indicador mais robusto de pobreza que é o relativo, associado ao padrão de riqueza do Brasil. Se aplicado o critério relativo de pobreza, que deriva da proporção das pessoas com rendimento abaixo de 50% da renda mediana do páis, seria o Centro-Sul brasileiro com maior proporção de pobres, uma vez o padrão de riqueza no Sudeste é ainda muito superior ao do Nordeste. Em síntese, a taxa de pobreza no critério relativo não apresentou redução.

De todo modo, independentemente do critério adotado para a aferição do nível de pobreza, o fato concreto é que a situação de relativa melhora na camada de menor renda decorre, inquestionavelmente, do conjunto de políticas que vem sendo estabelecido desde a Constituição Federal de 1988. Seja por medidas de garantia de renda aos trabalhadores, como o seguro desemprego e salário mínimo, com recuperação importante desde 1995, seja por medidas de transferência de renda, como a previdência social, que equilibrou os valores de aposentadoria e pensão de trabalhadores rurais e urbanos, a assistência social, com a introdução do Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), da LOAS e de vários programas de renda que culminam, inteligentemente, com o Bolsa Família. Tudo isso garantiu e e vem protegendo a renda dos 40% mais pobres.

[ José Dirceu ] Isso é muito pouco, não ?

[ Marcio Pochmann] É positivo, mas poderia ser muito mais. Observa-se que a queda na desigualdade da renda do trabalho no Brasil (que representa cerca de 36% do PIB enquanto, em 1980, era 50%) ocorre também devido à perda do poder de compra das rendas da classe média alta. Note bem: a PNAD (Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílios), que é uma excelente investigação nacional, consegue medir, basicamente, como perfil superior da renda do trabalho, o que se poderia definir como rendimento de classe média alta ocupada, uma vez que o rendimento médio do decil mais alto foi de R$ 3.600,00, em 2005. Se não tomar cuidado com isso, os ricos no Brasil seriam os trablhadores bancários, petroleiros, funcionários públicos, professores unversitários, entre outros. É claro que o rendimento dos ricos não faz parte da pesquisa. Na realidade os ricos se escondem.

Sociedade polarizada entre
muitos ricos e muitos pobres

Ademais, cabe acrescentar que o ridículo crescimento da renda nacional, inferior aos 3%, ao ano, nos últimos 25 anos, aliado ao modelo econômico, que se especializa na produção e exportação de bens de baixo valor agregado e pouco conteúdo tecnológico, não há como gerar empregos de alta remuneração. O resultado disso é a construção de uma sociedade muito polarizada entre os extremamente ricos e os extremamente pobres, já que os postos intermediários vêm se reduzindo de uma maneira bárbara. Não é possível gerar, com esse modelo econômico, empregos de classe média. Isto é portador de um padrão de desenvolvimento menos injusto? Eu não não acredito nisso.

Por outro lado, o vigor do regime democrático no país permitiu constuir uma proteção de políticas sociais, que protege os mais pobres. Assim, se o Brasil voltasse a recuperar o crescimento econômico de forma sustentada, com 5 ou 6% ao ano, protegendo o segmento mais baixo, poderia haver algum salto de qualidade. Mas isso pressupõe o crescimento econômico de forma acelerada e uma revisão do modelo econômico, porque o Brasil está perdendo uma enorme oportunidade do ponto de vista da sua melhor inserção na economia mundial. Nada contra produzir e exportar soja, minério de ferro, frango, mas isso é insuficiente frente às necessidades internas, bem como as oportunidades que o país tem, em termos do enriquecimento de suas cadeias produtivas e inovação tecnológica em novos setores estratégicos ao desenvolvimento nacional.

Inegavelmente o Brasil tem oportunidade aí. Mas precisa de uma política industrial voltada a indução do enriquecimento e inovação das cadeias produtivas para, com isso, ampliar o leque das oportunidades de trabalho, inclusive com nível de rendimento superior e menor jornada de trabalho.

[ José Dirceu ] Você acredita que para crescer mais e melhor, a questão dos juros é determinante? Em tese, reduzindo os juros diminuiria o serviço da dívida interna e haveria condições de elevar o investimento público, que gira entre 0,5 e 0,75% do PIB, para 2 a 3% do PIB.

[ Marcio Pochmann] Sem dúvida, a questão dos juros é um dos gargalos para desatar o nó da semi-estagnação que aprisiona a economia nacional por mais de 25 anos. Mas não é o único elemento disso. A política monetária é estratégica no estabelecimento de um padrão de desenvolvimento, mas insuficiente. É preciso combinar um novo padrão de política públicas, capaz de articular e conceder matricialidade às ações no âmbito industrial, serviços e agropecuário, bem como valorizar a política comercial e a alteração da estrutura tributária; enfim, um conjunto amplo coordenado de muitas medidas.
Por conta disso, parece limitado concentrar tudo na questão dos juros. Certamente os juros reais altos para adminitrar a crise brasileira resultam no silêncio dos cemitérios. Sim, no cemitério não há barulho, mas parece que não há vida.

No Brasil, também parece se gerenciar a crise do padrão de desenvolvimento do capitalismo brasileiro com a semi-estagnação econômica, que produz o silêncio na produção e o medo dos trabalhadores de perder o emprego. Os únicos que fazem barulho são os ganhadores do ciclo da financeirização da riqueza, que têm o direito da riqueza patrocinado pelo Estado, agindo como uma espécie carro-fúnebre a levar os mortos ao cemitério.

Em síntese, há uma aliança política estranha que permite, de forma atribulada, gerenciar a crise do desenvolvimentismo brasileiro, com base no apoio dos muito ricos como o dos extremamente pobres, beneficiados pela rede de proteção social.

[ José Dirceu ] Isso não tem sustentação a longo prazo. De qualquer forma, todas as políticas que podem mudar a qualidade do desenvolvimento brasileiro, do próprio processo industrial no país, da inserção do Brasil no comércio internacional e no fluxo de investimentos, foram retomadas no governo Lula. O papel dos bancos públicos e dos bancos de fomento. A limitação está, exatamente, na falta de recursos públicos para investimento, tanto a política industrial como a de inovação da ciência e tecnologia pecam por isso.
Também o destrave da infra-estrutura do país, principalmente, rodovias e portos, já que, nas ferrovias, a iniciativa privada vem investindo.

[ Marcio Pochmann] Mas parece que a malha ferroviária, por exemplo, volta-se para tirar produtos do Brasil para o exterior. Os ingleses vieram fazer ferrovia aqui no século XIX, justamente para escoar matéria-prima para fora. Isso é padrão do século 19, quando o Brasil era a maior fazenda produtora de café do mundo, assentada no trabalho escravo.

[ José Dirceu ] Mas o mercado interno do país também ganha dinamismo, se você tiver outras políticas. Você pode combinar as duas coisas, crescimento sustentável de exportações, mesmo que seja exportação de semi-manufaturados, produtos agrícolas, minerais e matérias primas. Com o desenvolvimento do mercado interno, você pode consolidar o processo industrial que não seja só exportador. Isso depende das forças dinâmicas que estão na sociedade, e as forças mais dinâmicas são as classes populares do mundo do trabalho, dos serviços e do setor produtivo. Esse debate está escondido, houve uma vedação do debate econômico.

Educação tem que ser combinada
com crescimento do emprego

Em relação à educação gostaria de te perguntar o seguinte. Durante muito tempo, se acreditou que bastaria dar oportunidade de educação para se combater a miséria. A mobilização social fortíssima que vimos na França, que envolve também a questão da migração, mostra que a educação não é suficiente para superar a exclusão. Aqui no Brasil, nós estamos vivendo isso também, em menor medida?

[ Marcio Pochmann] Ao participar de uma conferência sobre educação técnica e profissionalizante no Brasil percebi como parte dos educadores, por exemplo, pensam a educação de forma isolada, muitas vezes desarticulada das alianças necessárias com a sociedade e com o mundo da produção e do trabalho. Como tradicionalmente ocorre em outras áeras, pensa-se setorialmente, como um fim em si mesmo. Observe-se que, no caso da educação, a crise tenderá a ficar mais intensa, na medida em há avanços na escolaridade. Pois, sem expansão da produção e reformulação do modelo econômico, a discriminação torna-se muito maior, simultaneamente ao esvaziamento dos postos de trabalho e de formas mais consistentes de inclusão nesse sentindo. Lamentavelmente no Brasil, pobres e negros quanto mais estudam, mais riscos enfrentam de ficar desempregados, justamente porque os postos de maior escolaridade acabam fazendo parte de uma espécie de rede social, que viabiliza o pouco emprego para pessoas de mais renda.

[ José Dirceu ] Uma elite que se auto-reproduz e se protege de intrusos.
[ Marcio Pochmann] Um monopólio de uma elite branca brasileira. A educação continua sendo isso num certo sentido... Agora, se assiste a uma crise maior de reprodução da classe média, porque o desemprego cresceu muito entre os níveis de maior escolaridade. A estimativa que tenho é que algo entre 140 mil ou 160 mil pessoas estão saindo do Brasil todos os anos e, em geral, são pessoas de maior escolaridade. Alguma coisa como 2,5 milhões de brasileiros estão fora, uma parte no Japão, outra na Europa e Estados Unidos.
Mas à moda chinesa, que está em alta, precisa-se considerar a crise não somente como problema, mas como possiblidade de mudar o caminho. É necessário repensar esse período excepcional que estamos vivendo. É a primeira vez que o Brasil participa de um ciclo de revolução tecnológica com algum grau de proximidade no processo de transformação da base científica e tecnológica. Nas revoluções tecnológicas anteriores, como entre 1750 e 1810, quando foi descoberto o tear mecânico, a ferrovia e o motor a vapor, o Brasil estava completamente fora do processo, pois ainda era colônia de Portugal. Na segunda revolução, entre o fim do século XIX e começo do XX, com os descobrimentos do motor a combustão, do petróleo, automóvel, entre outros, também se deu num quadro em que éramos praticamente prisioneiros do trabalho escravo e ainda na transição do Império para uma República. Tudo isso impôs um retardamento não desprezível. O Brasil, por exemplo, começou a montar a sua indústria automobilística a partir da segunda metade dos anos 50 - setenta anos depois do automóvel ter sido inventado. Agora, inegavelmente, o Brasil apesar dos percalços, tem uma participação seja na biotecnologia, na telemática, nós temos um espaço. Se olharmos nesse início do século, nós temos uma oportunidade inédita de novo, porque os ganhos da inovação tecnológica não estão totalmente monopolizados. Não sei se, do ponto de vista político, nós teremos capacidade de aproveitar essa possibilidade técnica.

A segunda coisa importante, em termos de singularidade do período que vivemos, é a passagem da sociedade urbano-industrial para a sociedade pós-industrial, de serviços, que vem associada a uma melhoria no enfrentamento de doenças, que faz com que a expectativa de vida aumente brutalmente. Esse contexto de revolução tecnológica, que permite ganhos de produtividade inéditos e intensos com aumento da expectativa média de vida, nos coloca numa situação e numa oportunidade técnica, em primeiro lugar, da jornada de trabalho não ser maior do que quatro horas por dia e três dias por semana. Assim, como não há razão técnica para alguém ingressar no mercado de trabalho antes dos 25 anos de idade. Isso pode parecer idílico, como talvez também fosse se alguém em 1850, numa fábrica têxtil inglesa ou francesa, dissesse ao contingente dos trabalhadores: “não há razão técnica para vocês trabalharem 16 horas por dia, nem mesmo não há razão técnica para ter essa quantidade de crianças trabalhando a partir dos 5 ou 6 anos de idade, porque agora o capitalismo industrial oferece ganhos de produtividade perfeitamente compatíveis com o trabalho de 8 horas por dia, 5 dias da semana e de não mais começar a trabalhar antes dos 15 anos de idade”. Foram as razões políticas que levaram a se ter um outro patamar de civilidade no trabalho e de ingresso no mercado de trabalho a partir dos avanços técnico produzidos pelo modo de produção capitalista. Mas isso demorou um pouco, até se acumularem forças sociais e políticas para, através da universalização do voto e das lutas trabalhistas, alçar um mudança significativa.

Nos dias de hoje, os ganhos de produtividade, sobretudo, do ponto de vista do trabalho imaterial estão num patamar bem acima do verificado nas duas últimas três décadas. Frente a isso, é plenamente possível se fazer um outro arranjo social, com o objetivo de remanejar a jornada de trabalho e de postergar bem o a idade de entrada no mercado de trabalho. Aliás, no Brasil, os filhos dos ricos ingressam no mercado de trabalho somente a partir dos 25 anos de idade, enquanto os filhos dos pobres estão condenados, por não terem outra alternativa de inclusão social, a ingressarem muito cedo no trabalho.

Em síntese, há uma possibilidade técnica de alterar profundamento o padrão de trabalho e sua relação com a vida humana. Mas para tanto, são necessárias novas condições políticas que possibilitem a formação de uma grande convergência em torno da alteração da sociabilidade laboral. Por termos uma enorme fragilidade na organização social e debilidade na estrutura partidária, é um desafio não desprezível a conformação de convergência nacional que atue em torno das possibilidades do Brasil.

A universidade se constitui
em monopólio como tal

[ José Dirceu ] Além de militante social e de ter exercido cargos públicos, você é, também, um homem da academia. E a universidade? O problema técnico da aliança empresarial para o desenvolvimento científico e tecnológico do país, para uma revolução educacional, passa pela universidade. Quando começamos a debater a lei de inovação, eu senti, na universidade, uma resistência a qualquer política de financiamento privado da universidade através de fundos de investimento para o desenvolvimento tecnológico, ou a mudança da pesquisa e do papel do pesquisador. A solução seria o governo dar três vezes mais recursos para a universidade. Você acha que a universidade está à altura desses desafios que você está colocando para o país?

[ Marcio Pochmann] Considerando o bloco de países do terceiro mundo, percebe-se que o Brasil é um dos poucos países que tem ainda uma classe média universitária significativa. O Max Weber fala que o capitalismo produz monopólios e reproduz desigualdades.

Nesse sentido, a universidade constitui um monopólio como tal. Para ser envolvida, é preciso a sua mobilização, e não se percebe a constituição de uma agenda capaz do seu envolvimento pleno. Que projeto grandioso que temos hoje para envolver a comunidade universitária? Combater a pobreza? Parte do conjunto da classe média nacional depende justamente da existência da pobreza para ter um elemento de diferenciação. Imagine se fosse um país menos desigual, com um salário mínimo de R$ 1.600,00 (com base na Constituição de 1988 e estima o Dieese), a classe média poderia estar mais restrita ainda do que está hoje em termos do seu padrão de gastos conspícuos, com refeições sofisticadas e um verdadeiro exército de serviçais nas atividades familiares (domésticas, seguranças, caseiros, baby sister, personal training, motoristas, professores particulares, entre outros)

De outro lado, a classe média encontra-se impedida de participar do processo em curso de globalização do padrão de consumo e desterritorialização da riqueza, cada vez mais centrado no avanço dos ricos. Pela primeira vez, os ricos podem legalmente pegar o dinheiro e colocar no exterior, atuando, inclusive, contra os interesses do conjunto do Brasil.

[ José Dirceu ] Já são US$ 150 bilhões lá fora declarados, 13 mil pessoas jurídicas e físicas detêm 70% da dívida interna ... Mesmo assim, isso não justifica a posição da universidade. Os professores teriam condições de lançar uma agenda para si próprios e para o país?.

[ Marcio Pochmann] No meu modo de ver, a agenda até já existe, que é o documento chamado Esperança e Mudança, que foi protagonizado pelos reformistas do movimento pela redemocratização nacional. Está tudo lá. Basta ter força política para colocar em prática.

Têm as reformas econômica e política que não forma feitas. A única coisa que avançou mais ou menos foi a reforma social que, penso, insustentável tendo em vista o circuito em que estamos hoje. O que se vê é uma pressão significativa sobre a classe média, com mais impostos e redução no atendimento de bens e serviços públicos.

[ José Dirceu ] Um fato preocupante que você tem apontado é o esfarelamento da classe média. Entre 2000 e 2004, 86% dos empregos ofertados com carteira assinada ocorreram na faixa de um a dois salários mínimos. O jovem da classe média, hoje em dia, tem muito menos perspectivas de reproduzir o padrão de vida dos pais. Por que isso está ocorrendo?

[ Marcio Pochmann] O crescimento da produção e o modelo econômico não possibilitam a geração de empregos suficientes para a sustentação da classe média. Os postos de trabalho que são gerados são de pouca quantidade frente ao universo de pessoas que chegam ao mercado de trabalho com maior escolaridade.

[ José Dirceu ] Mas me parece uma contradição, se ela está pressionada por condições de vida piores, a tendência, principalmente entre a classe média intelectualizada, seria reagir para criar uma pauta onde ela possa recuperar a sua qualidade de vida.

O individualismo complica
saídas para a classe média

[ Marcio Pochmann] É preciso entender a sociedade brasileira e o padrão de individualismo que nós temos. Como a classe média reage frente a isso? Ela se organiza e forma convergência de lutas? Não me parece isso.

Veja o caso da Espanha no atentado à bomba, na véspera das eleições, quando foram feitas importantes manifestações, com a classe média na rua. Aqui, no caso da violência, por exemplo, se alguém for assassinado por bala perdida, a classe média, se sair à rua vai ser de roupa branca, pedindo paz, como se isso fosse possível sem mudar a própria sociedade. Por isso, frente à violência, nós colocamos muros, cerca elétrica, sendo que cada um se volta pra si próprio. Na já acirrada competição, ganha maior evidência o individualismo. Ao invés de se criar uma alternativa para construir uma agenda positiva, ocorre o inverso.

[ José Dirceu ] Voltando ao esfarelamento da classe média. Esse parece ser um problema de âmbito maior, que atinge os países desenvolvidos, em decorrência da tecnologia digital combinada com o avanço da China e da Índia na oferta de produtos e serviços, apoiada em salários baixos.

[ Marcio Pochmann] A classe média é produto da sociedade urbano-industrial. O assalariamento na grande empresa é que gerou a possibilidade de expansão da classe média, que dá um salto a partir da década de 1950, sobretudo, com o avanço do Plano de Metas e do milagre econômico dos militares.

Hoje, os parâmetros para expansão da classe média têm muito mais a ver com a divisão internacional do trabalho. Por um lado, há um trabalho muito mais de concepção e elaboração, mais criativo e mais bem remunerado, como no caso do analista simbólico, que cresce significativamente com os investimentos em novas tecnologias e enriquecimento das cadeias produtivas. Por outro, há o trabalho de execução, mais simplificado – como a produção do calçado em casa, em qualquer país.

Hoje, cada nação se insere na economia global fazendo suas escolhas: é o trabalho de execução ou o de concepção? Quanto maior espaço para o trabalho de concepção, maior a oportunidade para reprodução da classe média. Os Estados Unidos estão perdendo praticamente toda a parte relativa aos produtos de execução – como as atividades de telemarketing que se transferem para vários países, até para o Brasil, mas concentram parte importante dos trabalhos que têm maior valor agregado, maior remuneração.
Nesse sentido, há uma fantástica transformação na estratificação social nacional e mundial, cujos espaços de reprodução da classe média não são mais os mesmos. Por isso, é fundamental o caminho que cada país escolhe.
No Brasil há um quadro crescente de profunda polarização social. Vai ser cada vez mais difícil administrar um país com muito pobre e muito rico, faltando classe média. Como se juntam os pontos de contatos e convergências? É um desafio enorme.

[ José Dirceu ] Concordo com você, que ainda estamos longe do mérito da questão. O debate econômico do desenvolvimento no Brasil ainda é muito pobre. Ficamos rodando em torno do superávit de 4,25, com meta de inflação baixíssima e com juros altos.

Num cenário de globalização dos baixos salários, de pressão da concorrência chinesa e dos baixos salários, é sustentável sustentar o nosso modelo de 13º salário, férias, fundos de garantia para a pequeno e micro empresa, para as grandes?

Geração de empregos de baixa qualidade
põe em xeque conquistas trabalhistas

[ Marcio Pochmann] Parece-me que a CLT vai se tornando insustentável a medida em que prevalece o atual modelo econômico de geração de emprego de baixa qualidade, pois o nosso padrão de competição tende a se concentrar, basicamente, no já reduzido custo da mão-de-obra. Esse modelo coloca em cheque a continuidade da CLT, não que ele vá destruí-la, necessariamente. Mas, na medida que que o país começa a ser mais dependente do mercado externo, com nos dias atuais, a CLT vem sendo cada vez mais questionada.
Por isso, interessa considerar a estrutura produtiva que nós temos. Em que medida a pequena e micro empresa têm ou não capacidade de pagar salários equivalentes a uma grande ou média empresa? Como se sabe, a questão mais importante, hoje, não é a salarial. No setores dinâmicos do país, o custo do trabalho no produto final é algo abaixo de 107 %. O que mais vem pesando são os custos com tributação, infra-estrutura, entre outros. Em síntese, o que está em jogo é a inexistência de uma ampla rede de intervenção voltada ao andar mais baixo da economia nacional, formada pelos pequenos micro e pequenos negócios. Agora, com a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, abre-se um espaço importantíssimo para compras públicas vinculadas ao andar de baixo da economia nacional.

Então, há condições de contornar os custos trabalhista sem, necessariamente, alterar o padrão de remuneração. Gostaria de destacar que parte importante do que se chama informalidade não é decorrente da ilegalidade, de gente que não é contratada formalmente. Em resumo, ela é formada por autônomos, pessoas que trabalham por conta própria, gente que não tem acesso à CLT e, possivelmente, nunca vai ter. Falta, por isso, a constituição de um estatuto do trabalhador não assalariado, com o objetivo de melhorar o seu padrão de vida e trabalho, bem como garantindo a isonomia na competição.

[ José Dirceu ] A partir de sua experiência na prefeitura de São Paulo, na gestão Marta Suplicy, com políticas sociais para a periferia da maior cidade do país, como vê a questão dos jovens?

A juventude pobre
é um dos maiores desafios

[ Marcio Pochmann] Nós temos no Brasil mais de 5 milhões de jovens de 16 a 24 anos de idade que, lamentavelmente não trabalham, não estudam e nem procuram trabalho. Onde estão esses jovens? Acredito que seja uma geração quase perdida, um enorme desafio de ser incorporada à sociedade e ao mercado de trabalho, uma vez que ela foi se constituindo sem a identidade e sociabilidade no trabalho, sem a trajetória profissional. Como recuperar isso? O que conseguimos em São Paulo, de certa maneira, foi uma aproximação muito bem articulada, do ponto de vista do setor público, aos jovens vinculados a famílias mais ou menos organizadas. Já em relação às famílias desorganizadas, formadas por famílias monoparentais -- um adulto e uma criança – foi mais difícil, embora com resultados também muito interessantes em termos de políticas públicas.

Não podemos esquecer que o Brasil é um país com a quinta maior juventude no mundo. São mais de 35 milhões de jovens, sendo que destes, 17 milhões estudam e o outros 17 milhões não estudam. Dos que estudam, 56% estão fora de série. É fundamental uma política pública integrada e articulada no plano territorial. Reconheço que o governo Lula conseguiu colocar a juventude na agenda do governo, o que não havia antes. Havia um diagnóstico inicial de que não poderiam ser políticas fragmentadas, que era preciso um grande programa de convergência nacional, que envolvesse pelo menos 4 milhões de jovens ao ano. Mas o resultado não foi bem assim. Houve avanços, mas também uma certa reprodução do passado, com a reprodução de uma fragmentação enorme, cada ministério com o seu programa, que até podem ser interessantes, como a escola de fábrica, o primeiro emprego, a Casa Brasil, os Pontos de Cultura, entre outros. Mas faltou articulação, uma visão totalizante. O jovem precisa disso tudo, de educação, emprego, cultura, saúde

UM VELHO COM PROBLEMAS

Blog Renato Simões



‘UM VELHO COM PROBLEMAS’



Assim se definiu ideologicamente um grande companheiro que hoje recebeu, em Brasília, o Prêmio Nacional de Direitos Humanos do governo federal, na categoria Promoção dos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, o advogado e militante socialista Aton Fon Filho.

Dele, diz o folheto da Secretaria Especial de Direitos Humanos: “advogado do MST, diretor-executivo da entidade de direitos humanos Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, é militante das causas sociais desde os anos 70. Lutou contra a ditadura militar, e por isso permaneceu dez anos encarcerado. Desde 1985 exerce sua profissão em defesa dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, tendo sido convidado por diversas organizações internacionais para ministrar palestras sobre o assunto em vários países. Aton Filho tem dedicado sua vida na defesa das causas dos movimentos sociais, colaborando com os movimentos sociais rurais na implantação de projetos de assentamentos rurais que garantam uma vida digna para os sem-terra”.

No ano que vem, Aton vai celebrar seus 60 anos de vida. Uma vida digna de um lutador social que jamais vacilou em defender os interesses e direitos das classes populares e dos movimentos sociais organizados. Provoquei-o ao cumprimentá-lo pelo Prêmio, afinal 60 anos está sendo sinalizado por aí como a idade limite para que as pessoas adquiram juízo e saiam da esquerda para o centro.

‘Sou um velho com problemas’ foi a resposta com o senso de humor de sempre, de quem continua socialista e defensor da transformação social deste país a partir da luta dos pobres organizados em seus movimentos e organizações políticas.

Na pessoa do Aton, quero homenagear todos os companheiros e as companheiras que receberam o Prêmio Nacional de Direitos Humanos das mãos do presidente Lula na tarde de hoje. Quantas lutas simbolizadas nas pessoas físicas e jurídicas que receberam o Prêmio...

Categoria Santa Quitéria do Maranhão (Registro Civil de Nascimento) – Luiz Jorge Silva Moreno e Campanha ‘Ele é meu Pai – Paternidade: Reconheça esse Direito’.

Categoria Dorothy Stang (Defensores de Direitos Humanos) – Maria Joel Dias da Costa e entidade Terra de Direitos.

Categoria Enfrentamento à Violência – Pedro Strozemberg e entidade Casas da Mulher no Tocantins.

Categoria Enfrentamento à Discriminação – Adilson Ventura e entidade Educafro – Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes.

Categoria Promoção dos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – Aton Fon Filho e Warã Instituto Indígena Brasileiro.

Categoria Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente – Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida (in memorian) e Instituto Papai.

Estudantes do ensino médio – Raimundo Augusto Ramos da Silva, Ludmila Elizabeth de Oliveira Santos e Silas Grecco Savickas.

Estudantes universitários(as) – Carolina Alves Rezende, Caio Vitor Ribeiro Barbosa e Marina de Souza Lopes.

CARTA ABERTA AO COMPANHEIRO LULA

Carta aberta ao companheiro Lula
1) “Aos 60, quem é de esquerda tem problemas, diz Lula”
2) “ A evolução da espécie humana” caminha para o centro, afirma petista a empresários”
3) Para presidente, mudança acontece de acordo com a “responsabilidade” e a “quantidade de cabelos brancos” que a pessoa tem.

O companheiro Lula tem reclamado muito dos “amigos” ultimamente – dá pra ver que quando ele os escolheu não foi muito cuidadoso.
“Eu agora sou amigo do Delfim Netto (...)”.
Parece que a idade não apenas afetou o juízo de valor do amigo Lula como também afetou sua memória política.
Será Lula que você esqueceu que o Sr. Delfim Netto foi um dos inimigos mais odiosos da classe trabalhadora brasileira? Esqueceu que sendo Ministro da Ditadura Militar este senhor foi responsável pelos mais altos níveis de exploração e de arrocho salarial contra a classe trabalhadora ? Que o Sr. Delfim Netto foi braço direito de um regime que matou, torturou e baniu milhares de pessoas de seu solo pátrio?
Você esqueceu? Esqueceu dos 34,1% roubados de nossa categoria. Pelos quais fomos a greve?
Esqueceu das intervenções em nosso sindicato por tropas de choque e pela polícia política? Esqueceu do nosso enquadramento e de dezenas de companheiros na LSN ? Dos torturados da Rua Tutóia, nos quartéis do exercito, da marinha e da aeronáutica?
Do assassinato de Manuel Fiel Filho, do Vladimir Herzog, de Santos Dias e centenas de outros ? Dos assassinatos no campo, da invasão das universidades?

Quando você diz que evolução da espécie humana caminha para o centro e provoca risos do empresariado não é porque eles acharam graça, eles riram porque você acredita que eles mudaram. Eles riram porque seu pensamento é Ingênuo.
Mas, o mais importante seria você notar se não foi você que se movimentou demasiadamente ao centro pondo culpa nos seus cabelos brancos.
O fato das pessoas terem ou não responsabilidade não tem nada haver com essa história.
A esquerda não é irresponsável quando luta pela reforma agrária, por soberania nacional, por melhor distribuição de renda, por ampla democracia para o povo trabalhador – foi para isso que te respaldamos e te elegemos contra a vontade da classe patronal e o capital financeiro deste pais.
Você transforma de forma incorreta uma questão política importante para o mundo do trabalho, numa piada biológica.
Problema quem tem neste caso é você caro amigo.
Não existe ponto de equilíbrio entre direita e esquerda. Na sociedade em que vivemos não existe espaços para dúvidas entre esquerda e direita, O centro político é o pântano onde nadam os que perderam o rumo histórico.
A elite econômica tão beneficiada pelos nossos 4 anos de governo te odiou e te odeia (vide mídia) pelo o que o governo fez no Norte e Nordeste deste pais, por levar saneamento, luz, escola para o povo, pelo biodisel, por não enviar tropas contra a Bolívia no caso da Petrobrás e por você acender a chama da esperança no coração desse povo massacrado.
Caro amigo Lula – Não é a idade biológica que leva as pessoas ao centro político e sim o fato de se perder de vista a utopia de outro mundo justo e solidário, onde o modo de produção capitalista dará lugar a associação livre de trabalhadores.

Digo a você de forma amiga e fraterna – trabalhemos para construir um mundo novo que irá varrer os Delfins, os Antônio Herminios, a classe do banqueiro Lazaro Brandão (Bradesco) dos Sarneis e Kassabs e implantar a jovem idéia da sociedade socialista.
Termino esta carta lembrando Salvador Allende que disse:“ SER SOCIALISTA, É SER HOMEM DO SÉCULO XX, PAI DO HOMEM DO SÉCULO XXI ”


Um grande abraço deste teu sempre amigo e companheiro
WAGNER LINO
Nascido em 19 de Março de 1947

Tuesday, December 12, 2006

OS SUJEITOS OCULTOS DA POLÍTICA BRASILEIRA

Os sujeitos ocultos da política brasileira

(Valter Pomar)




Os partidos de esquerda vinculam explicitamente seu programa aos interesses (reais ou supostos) de uma classe social: o proletariado, a classe operária, os trabalhadores. Já os partidos de direita e de centro raramente explicitam estes vínculos.



Mas quais os contornos da classe trabalhadora? E quais seus interesses? Não há consenso sobre estas duas questões, nem na produção acadêmica sobre classes sociais, nem tampouco no debate da esquerda socialista.



A ausência de definição sobre os contornos da classe trabalhadora, amplia a indefinição sobre os chamados setores ou classes médias. O debate a respeito ganhou alguma intensidade em meados dos anos 1980, quando o Partido dos Trabalhadores fez um esforço para ampliar sua votação e sua presença exatamente naqueles setores sociais.



Este debate foi reinterpretado posteriormente como uma versão local do dilema apontado por Przeworski (1989), segundo o qual os partidos social-democratas teriam que optar entre manter sua base social original, sendo condenados à minoria; ou fazer alianças para além da sua base social e vencer eleições. A reinterpretação e também o raciocínio de origem possuem diversas falhas.



Em primeiro lugar, não se deve confundir alianças com outras classes sociais, com alianças com setores de sua própria classe social. Parte do que é denominado de setores médios ou até de classes médias, constitui de fato um setor da classe dos trabalhadores assalariados.



A expressão “setores médios” busca dar conta de um setor social de características híbridas: trabalhadores assalariados de altos salários; trabalhadores assalariados com posições de chefia em processos produtivos; trabalhadores assalariados com um grau de qualificação muito elevado; trabalhadores assalariados que ocupam posições especiais, não necessariamente de chefia, no processo produtivo; profissões assalariadas que há uma ou duas gerações eram não-assalariadas; trabalhadores pequeno-proprietários urbanos; pequenos empresários, que apesar de explorar trabalho assalariado, precisam obrigatoriamente trabalhar; pessoas afastadas da produção, que vivem de algum tipo de renda fixa, com um padrão de vida similar aos casos já citados.



Embora integrem diferentes classes sociais, os chamados “setores médios” têm um comum, por um lado, um determinado padrão de consumo; e, por outro lado, a constante ameaça de se verem rebaixados socialmente (pela concorrência, pelos impostos, pelo aumento de custos etc). Isto ajuda a explicar seu comportamento político extremamente oscilante, tanto da massa dos setores médios, quanto daqueles indivíduos que assumem a condição de seus porta-vozes políticos e culturais.



Em segundo lugar, a aliança com outras classes sociais não necessariamente é contraditória com os objetivos programáticos da classe trabalhadora. O exemplo clássico disto é a Revolução Russa, com a aliança operário-camponesa. Aliás, Lênin sempre sustentou o caráter profundamente popular da revolução russa e criticou aqueles que buscavam isolar a classe operária do contato com as outras classes sociais.



Sobre este tema, lembro o que disse Marek Waldenberg acerca da postura adotada pela social-democracia alemã, entre o final do século XIX e o início do século XX:



“Sem dúvida, o problema das alianças com as classes camponesas –e, em particular, a busca do apoio dos camponeses médios- podia levar a um desenvolvimento das tendências reformistas, na tentativa de adaptar a política e inclusive a ideologia aos interesses de consistentes grupos de camadas médias. Os efeitos positivos, derivados da extensão da influência da social-democracia, seriam provavelmente anulados por conseqüências negativas; a uma tal colocação do problema das alianças, deve-se atribuir o fato de que, em princípio, os marxistas –com exceção dos social-democratas russos- deixavam de lado, em sua política, a questão da aliança entre operários e camponeses. Disso derivava, inequivocamente, um período de auto-isolamento que Kautsky julgava inevitável. Entre o fim do século XIX e o início do XX, o maior teórico da social-democracia alemã (...) julgou oportuno o isolamento do movimento operário, tendo em vista a formação da consciência política das massas proletárias, uma avaliação que se reforçava ainda mais porque Kautsky se opunha ao processo de ‘enraizamento’ nas estruturas já existentes(...)” (Waldenberg apud Hobsbawn, 1985, pp 235-236)



Em terceiro lugar, a ampliação das alianças e do discurso não implica necessariamente em vitória eleitoral. Como se viu no segundo turno das eleições de 1989, parte expressiva das classes trabalhadoras, inclusive dos chamados setores médios, votou em Fernando Collor de Mello, apesar da campanha de Lula ter conseguido ampliar suas alianças políticas e sociais.



Em resumo: não se pode tomar isoladamente a variável “alianças” e daí deduzir toda uma política. Esta variável deve ser analisada em combinação com o programa que se defende, com os conflitos de classe presentes em cada momento histórico, com o “lugar” que determinado partido ocupa na luta de classes em curso no país e, em última análise, quem hegemoniza a aliança.



Interpretar a ampliação do discurso petista em 1985, como uma avant premiere do que ocorreria nos anos 1990 ou em 2002, é anacronismo: imputar aos atos realizados em meados de uma década, propósitos e principalmente conseqüências de uma década posterior.



Nas condições vigentes em 1985, a ampliação fez parte do processo que faria o PT tornar-se o partido líder de um campo de forças políticas e sociais que, em 1989, disputaria com o candidato do neoliberalismo, apresentando de maneira mais ou menos consistente uma alternativa democrático-popular e socialista.



Uma certa releitura da história partidária, feita após a derrota de 1989, atribuiu outro caráter ao debate sobre as “classes médias”. No início dos anos 1990, se utilizou dos êxitos do PT em 1985-1988 e da derrota em 1989 como argumentos adicionais em favor de uma ampliação. Mas a ampliação pretendida nos anos 1990 tinha um caráter distinto daquela efetivada em 1985-1989. Era uma ampliação cum rebaixamento programático, a tal ponto que o PSDB foi considerado, pelo Diretório Nacional do PT reunido no início de 1990, como integrante do campo democrático e popular.



O debate sobre os setores médios também está presente quando se discute quais as causas sociais das mudanças ocorridas no programa e na estratégia do Partido dos Trabalhadores.



Deste ângulo, nos parece adequado dizer que além de uma classe média, existe no Brasil um comportamento de classe média, que tem características políticas extremamente semelhantes ao espírito pequeno burguês referido por Marx.





Mauro Iasi sustenta existir uma “aproximação evidente entre o caráter da pequena-burguesia”, tal como descrito por Marx e “a direção geral das mudanças ocorridas na inflexão moderada que vimos na trajetória do PT”. Mas:



“(...)apresenta-se um problema sério neste argumento. A origem de classe daqueles que formam o PT não se encontra na classe trabalhadora (...)? A maioria dos militantes e quadros dirigentes do PT não é oriunda das classes trabalhadoras? A base social deste partido não se enraiza na classe trabalhadora? (...)

Há duas possibilidades explicativas para este aparente paradoxo. A primeira, é que houve, na prática, uma mudança de classes, de modo que essas pessoas eram trabalhadoras, mas não são mais. (...) A segunda, que consideramos mais adequada à complexidade do fenômeno, é que é possível uma classe, sem deixar de ser trabalhadora, ser hegemonizada por uma orientação pequeno-burguesa. Muito provavelmente estamos diante das duas coisas, ou seja, parte das lideranças e amplos estratos dos escalões partidários podem ter mudado de classe, ao mesmo tempo em que, como isto não é possível para o conjunto da classe, os que seguem sendo trabalhadores estão sendo dirigidos por um projeto pequeno-burguês democrático. (...)

Em termos gramscianos, o partido passou de uma hegemonia proletária para uma hegemonia pequeno-burguesa. (...) A base social do influxo moderado do PT, e que torna possível a prevalência de um horizonte pequeno-burguês no projeto deste partido, está na burocracia partidária e sindical formada nesse processo.” (Iasi, 2004, p.459):



Iasi acerta no atacado, ao identificar uma mudança na composição social do Partido e vincular esta mudança, com as alterações na linha do Partido. Mas erra no varejo, por quatro motivos.



Primeiro: identifica como “pequeno burguesia” tanto pequenos proprietários quanto uma fração da própria classe trabalhadora assalariada. O correto seria distinguir três setores: a burguesia pequena (proprietários de capital, que empregam trabalho assalariado e também trabalham, dado o pequeno porte de seu capital); trabalhadores pequenos proprietários (que não empregam trabalho assalariado e trabalham, geralmente apoiados por membros da família); trabalhadores assalariados, cujas características foram expostas anteriormente nesta tese.



A rigor, estes três setores sociais (distintos entre si) manifestam traços de caráter típicos da “pequena burguesia” tal como descritos por Marx.



Segundo: a força deste setor dentro do Partido está vinculado à sua base social, dentro e fora do Partido. Não se trata, portanto, de um processo limitado à burocracia sindical e partidária, nem ao enriquecimento de alguns dirigentes (embora isso também tenha ocorrido).



Ao longo dos anos 1990, houve um afluxo de filiações ao PT oriundas dos setores sociais anteriormente descritos. Esta é a base social do processo, que foi reforçada pelo fato destes setores serem majoritários na composição dos encontros nacionais do Partido. O que a burocracia sindical e partidária faz é manter a base social tradicional do Partido fiel às novas orientações.



Terceiro: esta fração de caráter pequeno burguês não está presente apenas entre os setores moderados, abriga-se também entre os chamados radicais, dentro e fora do PT. Não é por outro motivo, aliás, que enquanto os moderados do PT eram atraídos pelo neo-desenvolvimentismo, a radical Consulta Popular organizou seu pensamento em torno da Nação brasileira.



Quarto e mais importante: Iasi desconsidera que o processo descrito por ele está imerso numa disputa mais ampla, entre a burguesia e a classe trabalhadora.



Na verdade, só o impacto da hegemonia burguesa sobre o PT é capaz de explicar o fato de uma fração da classe trabalhadora, que pensa e age como pequeno-burguesa, ter se transformado de fato em direção do Partido.



Ao não perceber este pano de fundo, preenchendo toda sua vista com a pequena burguesia e o proletariado, Iasi perde a chance de ver os limites do processo. Talvez porque tais limites ainda ofereçam uma chance de vida para o PT. Ou talvez porque esteja, ele próprio, obnubilado pelo charmoso brilho da pequena burguesia.



A moderação do petismo, dentro do próprio PT, foi até um determinado limite: a aliança dos trabalhadores com os setores produtivos do Capital, contra a especulação financeira. Mas, uma vez no governo, a metamorfose completou-se e a aliança foi até o setor financeiro. Ao fazer isto, o governo Lula deu prosseguimento à lógica do governo anterior, que após “encantar” os setores médios com a magia do real forte, arrebentou seus bolsos e sua vida:



“Parece que o governo Lula decidiu mesmo que não precisa do apoio da classe média. Primeiro, ao fazer a Reforma da Previdência do setor público, o governo (...) também cortou fundo nas expectativas de aposentadoria dos funcionários públicos, boa parte deles cidadãos de classe média. (...) [os brasileiros de classe média] precisam manter os filhos em escolas particulares e pagar planos de saúde também particulares. Na hora de declarar o imposto de renda, parte dessas despesas é deduzida. Aí o governo afirma que se trata de desvio de gastos sociais para os ricos. Coitada da classe média. As taxas de desemprego (...) atingiram em cheio os portadores de diplomas universitários e mesmo de pós-graduação. (...) Mais uma paulada na classe média(...)

O governo Lula (...) não vai corrigir a tabela do Imposto de Renda da pessoa física (...) e vai prorrogar a alíquota de 27,5% de desconto de imposto de renda.

O governo Lula parece se esquecer que a classe média foi o diferencial para sua eleição. Cansada da arrogância tucana, das decepções do governo Fernando Henrique, por quem foi muito mal tratada, a classe média brasileira abriu mão de seus temores e preconceitos e apoiou com entusiasmo uma mudança de governo”. (Lucia Hippolito, 2005, 3/12/2003, p.82)



Nada mais previsível, portanto, que na intelectualidade, vanguarda dos setores médios e portadora de um caráter pequeno burguês, para utilizar os termos de Iasi, haja uma brutal rejeição ao governo Lula.



Portanto, dentre as causas objetivas do refluxo da intelectualidade simpática ao governo, está o desgaste do administração federal junto aos chamados “setores médios”, uma das bases sociais que apoiaram, dentro e fora do PT, as posições de centro-esquerda.



Fica claro, assim, um dos motivos da metamorfose incompleta do PT, ou melhor, dos motivos pelos quais ela tem que se completar fora do Partido: a base social da moderação programática do Partido é exatamente uma das vítimas do programa moderado de governo.



Não é a primeira vez que a pequena burguesia (ou setores que pensam e agem como tal) se decepciona com um governo. E não admira que, frente a isto, parte dela busque socorro nos braços da direita tradicional. Alguns intelectuais ex-petistas, junto ao PMDB. Parte das massas deste setor social, votando “não” no referendo que decidiu sobre a comercialização de armas; e respondendo, às pesquisas de opinião, estar mais preocupada com a violência do que com o desemprego.



O comportamento da burguesia



Mas não foram apenas os setores médios que experimentaram uma frustração: parcelas da burguesia também esperavam outra coisa do governo Lula. Para entendermos como isso se passou, vejamos como evoluiu o comportamento da burguesia brasileira, desde o início dos anos 1980:



“Durante o ciclo aberto com a ‘revolução de 30’, o capitalismo brasileiro experimentou um desenvolvimento rápido, industrializador e urbanizante. (...) Quando esse ´modelo´ entrou em crise, a burguesia não reagiu unificadamente. Essa situação –uma crise e uma classe dominante dividida sobre como enfrentá-la— abriu uma ‘brecha’ no esquema de dominação burguesa. Através daquela brecha, penetraram as forças populares (...) O auge daquela ofensiva das forças populares foi e eleição presidencial de 1989, quando o candidato das Frente Brasil Popular disputou o segundo turno; o país polarizou-se entre o bloco conservador e o bloco democrático-popular. A burguesia dispersou-se entre diversas opções eleitorais (...) A ameaça de uma derrota, em 1989, impôs a unidade burguesa, primeiro em torno de Collor e, depois, em torno do chamado neoliberalismo. Não foi uma unidade por opção: foi uma unidade no susto.” (Socialismo ou barbárie, 2004, pp 30-34)



Como sabemos, Collor foi afastado antes do término do seu mandato.



“Mas o temor e o risco de que o PT vencesse as eleições de 1994 permitiram que a unidade burguesa em torno do neoliberalismo sobrevivesse ao tropeço inicial de Collor, ao plebiscito sobre o sistema de governo e ao fracasso da revisão constitucional.” (idem)



A candidatura de Fernando Henrique Cardoso, ao contrário da de Collor, foi construída como alternativa eleitoral orgânica de uma burguesia já majoritariamente hegemonizada pelo neoliberalismo. Um sinal disso é a vitória de FHC no primeiro turno, quando no início do ano era o PT que imaginava possível uma vitória de Lula no primeiro turno.



Como sabemos, o Plano Real foi ao mesmo tempo a plataforma eleitoral e o núcleo programático do governo FHC. O Plano teve efeitos variados, sobre os diferentes setores da sociedade (inclusive sobre os diferentes setores da burguesia). Efeitos que foram se intensificando e se acumulando com o passar do tempo, em parte por fatores locais, em parte por mudanças importantes no quadro internacional.



Como resultado disso, setores populares (trabalhadores assalariados e trabalhadores pequeno-proprietários), bem como setores da própria burguesia começam a se movimentar em direção a outras alternativas eleitorais. Em 1998, Ciro Gomes é a alternativa preferida destes setores, como chegou a ser em determinado momento da eleição de 2002. Mas a partir de meados de 2002, a candidatura Lula será o pincipal destino desses dissidentes do Real.



O peso que este deslocamento assumiu, seja na realidade, seja nas formulações e percepções do Partido e de setores mais amplos da classe trabalhadora, é uma das razões que devem ser levadas em conta para entender os dilemas e limites, não apenas do governo Lula, mas também do Partido dos Trabalhadores, na conjuntura atual.



Falo em percepções, porque considero existir, em algumas análises, uma ênfase exagerada no papel que as alianças com “setores da burguesia” teriam tido na eleição de Lula. Insiste nesta ênfase até mesmo um crítico como Petras (2004), que exagera a importância política e eleitoral da presença de José Alencar como candidato à vice-presidente da República.



Os que pensam assim confundem deslocamento maciço da burguesia com deslocamento de setores sociais insatisfeitos com a hegemonia burguesa vigente à época, inclusive setores da burguesia, cujo peso eleitoral específico é, de toda forma, muito pequeno.



A idéia de que Lula foi eleito presidente da República em 2002, porque a burguesia deixou ou apoiou, se encaixa num padrão mais amplo de desmoralização da classe trabalhadora. Como já foi citado anteriormente:



“(...)criar um ambiente discursivo que desinflou dramaticamente o moral político popular e a vontade de lutar por mudanças (...)” (Silver, 2005, p. 32)



É impossível não relacionar esta operação de desmoralização, com o balanço das razões da vitória em 2002 e com a imensa dificuldade que o PT e o governo Lula demonstram, entre 2003 e 2005, para atuar sobre a conjuntura no sentido de alterar a correlação de forças.



A idéia de que a margem de manobra é mínima resulta numa redução progressiva da margem de manobra realmente existente. Por exemplo: os setores da burguesia que apoiaram Lula tinham a expectativa de alguma mudança macroeconômica, no sentido de reduzir a financeirização da economia (expectativa semelhante a que tinham os apoiadores in pectore de José Serra).



Ao não reduzir a financeirização da economia, o primeiro governo Lula decepcionou inclusive os setores da burguesia que o apoiaram, o que num círculo vicioso minimizou as possibilidades de reduzir a influência do capital financeiro.

DIREITOS HUMANOS

10/12/2006 - Agência Carta Maior

Você, defensor de direitos humanos
http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=3427#


Rogério Tomaz Jr.*

A cada 10 de dezembro é celebrado o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos [1], proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU) nesta data, em 1948. É o Dia Internacional dos Direitos Humanos, momento oportuno para refletirmos sobre os princípios e valores que norteiam as idéias sobre esse tema.

Lembremos, de início, que é consagrada em nosso país a premissa de que a educação universal e de qualidade é uma das saídas para o Brasil deixar de ser o eterno “país do futuro” e alcançar um presente proporcional às suas riquezas.

De modo semelhante, é opinião geral que a atenção à saúde deve ser um serviço de acesso universal e oferecido em sua integralidade, incluindo todos os seus níveis: promoção, prevenção e cura.

Também não é difícil admitir que a alimentação, em quantidade e qualidade adequadas, de forma regular, é uma condição imprescindível para qualquer pessoa viver dignamente, não apenas como indivíduo com necessidades fisiológicas para sobreviver, mas como sujeito social ativo. Uma criança desnutrida ou mal alimentada, por exemplo, não poderá desenvolver satisfatoriamente suas aptidões cognitivas, físico-motoras e sócio-culturais. Certamente terá dificuldades de aprendizagem, indisposição para praticar esportes, entre outras deficiências que surgirão ao longo de seu crescimento.

Para que qualquer nação possa garantir a segurança alimentar e nutricional de sua população, com soberania e sustentabilidade ambiental e social, ela precisa dispor de uma agricultura capaz de responder às demandas alimentícias de seus habitantes. Para que a agricultura cumpra sua função e os seus produtos cheguem à nossa mesa, é preciso trabalhar na terra. Isso pode parecer óbvio, mas a realidade é bem mais complexa. Não é à toa que o Brasil é o país de maior concentração agrária do mundo[2]. Estamos no terceiro milênio e ainda não concretizamos uma demanda social que emergiu com bastante força há pelo menos dois séculos e já foi plenamente alcançada em todos os países desenvolvidos. Falar em reforma agrária, nos termos reais em que ela deve ocorrer, é tocar em feridas profundas da estrutura social brasileira.

Além disso, ninguém põe em dúvida que a água é um bem essencial à vida e, portanto, deve estar acessível, sem barreiras, ao conjunto da população. Aliás, a água em condições adequadas também é fundamental para uma alimentação saudável, desde a sua condição de insumo na agricultura até o seu uso no preparo dos alimentos, sem esquecer que o seu consumo direto é mais vital ainda do que o dos próprios alimentos.

É bastante compreensível, numa outra dimensão deste debate, que as crianças sejam consideradas um grupo social mais vulnerável às várias formas de violência existentes na sociedade: físicas, psicológicas e simbólicas. Portanto, necessitam de observação e proteção mais atenta e eficiente.

Ademais, assim como as crianças, é razoável aceitar que outras parcelas da população merecem, no mínimo, uma atenção especial, em virtude de inúmeras circunstâncias que as colocam em situação desfavorável em relação a outros segmentos. Tais circunstâncias, que se complementam e não existem isoladas, podem ser biológicas (pessoas idosas, gestantes), sociais (mulheres, também vítimas de uma grande variedade de tipos de violência e discriminação), históricas (negros e negras, que sofrem com um racismo antes explícito, hoje mascarado e sutil) e culturais (índios, estrangeiros, adeptos de religiões afro-brasileiras e outros grupos discriminados, ignorados e desrespeitados em suas diferenças e particularidades).

Em uma sociedade democrática, qualquer pessoa há de convir, não são aceitáveis atos de censura à liberdade de expressão, sob hipótese alguma, embora isso não signifique que as pessoas não tenham qualquer responsabilidade pelo que falam – ou é aceitável a “liberdade de expressão” de grupos que pregam valores neonazistas, racistas e afins?

Também é inaceitável que a Justiça seja acessível de modo pleno apenas a quem possui recursos políticos e financeiros, situação que resulta na confirmação do velho ditado popular “cadeia é coisa para pobre”. O Judiciário, assim como os demais entes do Estado, deve ter suas portas e instrumentos acessíveis a todos os indivíduos da sociedade, de forma equânime e sem qualquer tipo de discriminação.

Se você concorda com as idéias expostas ou, no mínimo, as considera coerentes, então você é um inequívoco defensor – ou defensora – dos direitos humanos.

Educação, saúde, alimentação e água, ao contrário do que dizem liberais, neoliberais e toda a sorte de capitalistas radicais, não são meros serviços. São, sim, direitos humanos reconhecidos tanto nas declarações, convenções, acordos e tratados internacionais quanto na Constituição Federal e em outras normas legais do nosso país.

O direito à propriedade – que, apesar de constar na Declaração de 1948, hoje é utilizado, na prática, meramente como um direito ordinário (da ordem jurídica vigente) e não direito humano – deixou de ser uma “entidade sagrada” para se tornar um requisito que perde totalmente a legitimidade se o imóvel, rural ou urbano, não cumpre a função social da propriedade, prevista na Constituição. Trocando em miúdos, todo e qualquer latifúndio improdutivo deve ser destinado à reforma agrária. Não há outra alternativa para garantir o acesso à terra a milhões de trabalhadores e trabalhadoras rurais que desejam permanecer no campo e dele tirar o seu sustento.

As crianças, ao lado de outros segmentos, em razão de sua posição desfavorável na sociedade, possuem um conjunto de direitos especiais que complementam os seus direitos enquanto seres humanos. Não é por acaso que possuem estatutos próprios e diferenciados, que visam tornar mais eficiente a reparação de violações de direitos que sofrem ou que historicamente foram e vêm sendo combatidas e superadas. Em outras palavras, devem ser tratadas de forma diferenciada, para que se tornem mais iguais em seus direitos em relação ao restante da população.

A liberdade de expressão – não unicamente de indivíduos ou de empresas jornalísticas, mas também de grupos sociais – é um dos pilares fundamentais do direito humano à comunicação, ao lado do direito à informação, da privacidade na comunicação, entre outros.

E o acesso à Justiça, como dito, não pode ser um privilégio de classe ou mesmo uma mera formalidade do Estado democrático. Trata-se de um direito humano, sem o qual indivíduos e grupos sociais não podem viver na sociedade em condições aceitáveis. A propósito, o direito de resistência à opressão e à tirania, do que deriva a opção se colocar em desobediência civil, em oposição a legislações e ações injustas do Estado, também é reconhecido universalmente desde 1948 [3].

Todos estes e outros direitos humanos, não reconhecidos enquanto tal pela população, estão abonados em códigos legislativos internacionais e nacionais[4]. E são indivisíveis e interdependentes entre si, o que significa que só podem ser plenamente realizados em seu conjunto, e não apenas de forma isolada.

Dois pesos e duas medidas no respeito aos contratos

Assim como os acordos comerciais e financeiros firmados entre os países, bilateralmente, regionalmente ou no âmbito Organização Mundial do Comércio (OMC), Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras instituições, incluindo contratos entre empresas estatais de países diferentes, os tratados de direitos humanos possuem caráter vinculante e obrigatório para as nações que os ratificam.

No entanto, raramente se vê – sobretudo em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais – através dos porta-vozes das classes hegemônicas, incluindo a maior parte dos grandes meios de comunicação, a cobrança para o respeito e o cumprimento dos tratados de direitos humanos. Destarte, não se cobra devidamente do poder público as suas obrigações, por exemplo, com relação aos direitos humanos à moradia, à terra, à comunicação, à participação na vida política do país, entre outros. Ao contrário, a maior participação política da sociedade civil, através de conferências setoriais, conselhos de controle público e social, é vista como algo nocivo à visão elitista e estreita que o discurso hegemônico prega sobre democracia.

Para ficar num único episódio ilustrativo, quando o chefe de um país questiona o regime de pagamento da dívida externa, como ocorreu com a Argentina, imediatamente é acusado de “caloteiro” por não respeitar os contratos internacionais. Já quando é fechada, com requintes de truculência, uma emissora de rádio popular reconhecidamente relevante para uma comunidade, não se menciona a obrigação do Estado de respeitar e proteger os direitos humanos – incluindo o direito à comunicação – desta comunidade. Acabamos de presenciar o pandemônio causado pelos atrasos nos aeroportos do país, prejudicando a vida de quem está na parte superior da pirâmide social e afetando, inclusive, altos escalões do governo. No entanto, não causou comoção nacional nem chamou a atenção da mídia as dezenas de mortes no interior do Maranhão causadas pela síndrome do beribéri [5], doença facilmente tratável e que ocorre unicamente em situações extremas. Mero acaso ou opção política?

No Brasil vigora com raízes profundas uma cultura autoritária, paternalista e clientelista, que trata direitos como mercadorias e pessoas como números. A maior parte da população, sobretudo os seus segmentos marginalizados e empobrecidos, não sabe quais são os seus direitos e, muito menos, como e de quem cobrá-los. Esta situação não é fruto do acaso, mas é o resultado de séculos de hegemonia de interesses e valores que necessitam da opressão e da exploração para permanecerem sólidos. Defender direitos humanos, perante a lógica dominante do capital, que transforma tudo e todos em mercadoria e se tornou, ela própria, uma forma de controle social, é se contrapor a um sistema desumano que “diz o que não é para fazer o que não diz”, como gostam de pontuar Eduardo Galeano e outros.

E a pergunta que fica: todos estes direitos mencionados, junto com os não mencionados, podem ser realizados no atual modelo capitalista de organização da sociedade?


*Rogério Tomaz Jr. é jornalista da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (ABRANDH) e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Colaborou Dillian Goulart, Nutricionista do Ministério da Saúde.

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[1] Ver: http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm

[2] Ver “Relatório sobre os crimes do latifúndio”: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2003/09/263634.shtml

[3] Ver Preâmbulo da Declaração Universal.

[4] Ver o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC):

http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/textos/desc.html

[5] Ver a reportagem “Relatório afirma que mortes por beribéri no MA são "ponta do iceberg", da Folha Online de 11/11/2006. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u128095.shtml