Tuesday, February 27, 2007

"FIDEL ESTÁ VIVO"

''Fidel está vivo''. Os 50 anos de uma entrevista legendária


Uma histórica entrevista, publicada há exatamente 50 anos, surpreendeu ao mostrar a guerrilha sobrevivente em Cuba, liderada pelo comandante-em-chefe Fidel Castro na Serra Maestra. ''Visita ao rebelde cubano em seu refúgio'' foi como o diário americano The New York Times, em sua edição de 24 de fevereiro de 1957, intitulou a primeira parte dessa reportagem, que atraiu a atenção mundial.




Fidel em Serra Maestra: vivo e ativo
A entrevista - um dos maiores furos da história do jornalismo - revelou que Fidel estava vivo e, mais do que isso, preparava a revolução, que ocorreria dois anos depois. Para celebrar o cinqüentenário desse feito, o Vermelho revela trechos de Marabuzal, de José Antonio Fulgueiras. O livro, em edição, recupera a história da reportagem.



Neste sábado (24/02), confira os bastidores do encontro entre Fidel e o repórter Hebert Matthews, do The New Yor Times. Um segundo trecho do livro será reproduzido no domingo (25), também no Vermelho. Revelará detalhes e impactos da entrevista.



A entrevista legendária




Por José Antonio Fulgueiras



Fidel ordenou a Faustino Pérez, expedicionário do iate Granma, que descesse das montanhas à planície e que, entre as primeiras missões a cumprir, tentasse enviar um jornalista, mas os diretores das principais publicações se recusaram por medo das represálias. Contudo, nos primeiros dias de fevereiro, conseguiram que o destacado repórter Hebert Matthews, chegasse a Cuba...



O caminho apareceu diante de Felipe Guerra Matos como uma corda lamacenta e enegrecida pela noite rural em Manzanillo. Felipe conhecia o caminho como a palma da mão e sabia muito bem onde estavam os cruzamentos da estrada como um reflexo condicionado pelas muitíssimas subidas e descidas. Seu jipe Willy assemelhava-se a um mulo de cascos firmes, domesticado para vencer os obstáculos que os aguaceiros dos últimos dias esculpiram no caminho rústico e estreito.



A seu lado, mais ou menos acomodado no banco dianteiro, viajava o jornalista norte-americano Herbert Matthews, que segundo parece, tentava decifrar através do pára-brisa o caminho que o levaria a um lugar desconhecido na Serra Maestra.



''Creio que não vai chover nesta noite'', disse o motorista em voz alta, inclinando a cabeça para um lado. Depois reparou que o norte-americano sabia pouco ou nada de espanhol. René Rodríguez, Javier Pazos, Quique Escalona e Nardi Iglesias, que também viajavam no banco traseiro também nada responderam.



Então, com o pouco conhecimento que tinha do idioma inglês, tentou enfiar na mente alguma frase para ganhar a amizade do repórter do The New York Times, famoso por seu trabalho como repórter em diversos países do mundo, participando como testemunha de alguns dos acontecimentos mais importantes do século.



O homem, na casa dos 60 anos, foi correspondente de guerra na Abissínia, na década de 30, e na Espanha, durante a Guerra Civil, que acabou com a República. Publicou vários livros e ganhou diversos prêmios, entre os quais, o John Moors Cabot, conferido pela Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia.



Matthews era editor do The New York Times, e se destacava na redação de editoriais e reportagens especiais sobre a América Latina. Com mais de 1,80m, magro, ligeiramente encorvado, olhos claros e olhar penetrante, Herbert Matthews, desde sua posição liberal, era considerado um dos jornalistas mais prestigiados e importantes nos Estados Unidos.



Mister, how do you feel here?, Guerrita queria perguntar, mas essa pergunta pareceu-lhe vulgar para uma pessoa tão experiente na arte das perguntas e respostas.



Saindo de Yara, uma patrulha da estrada os detém. Um guarda, com cara amarrada, aproximou-se deles e Guerrita, sem descer do veículo, respondeu-lhe antes que o homem lhe perguntasse:



- O senhor é um norte-americano rico que está interessado em comprar os campos de arroz de Gómez, disse, enfatizando a palavra rico e o sobrenome do burguês, muito conhecido na zona.



A frase era quase uma redundância para o patrulheiro, pois segundo os jornais e os filmes da época, todos os norte-americanos eram ricos. No entanto, o guarda, satisfeito com as facilidades que sua farda amarela lhe proporcionava para beber uma cerveja sem pagar em qualquer bar de Manzanillo e seus arredores, sabia que incomodar uma pessoa abastada era fatal para suas aspirações de ser promovido para sargento. Então, como diria o poeta Amado Nervo, fez um gesto de cortesia e fechando os olhos os deixou passar.



Para Guerra Matos, depois do ardil efetivo, o mais importante era dirigir o melhor possível por aquele caminho inundado por causa das chuvas recentes e chegar ao destino.



Are you cold?, perguntou-lhe o norte-americano quando o viu fazer um gesto de quem sente um momentâneo calafrio. Mas o homem continuou absorto na escuridão e no pensamento. De vez em vez, quando absorvia o cachimbo que não afastava da boca; depois expirava a fumaça pouco a pouco.



Para chegarem a Matthews, os companheiros do Movimento 26 de Julho tiveram que transitar inteligentemente um caminho perigoso. A idéia foi de Fidel Castro, que com 82 homens tinha desembarcado, dois meses antes (2 de dezembro de 1956) pela praia Las Coloradas, na costa norte da província de Oriente.



Após serem surpreendidos pelo exército batistiano em Alegria de Pío, os jovens rebeldes se dispersaram por diferentes lugares da zona. Alguns foram presos ou assassinados às ordens do presidente Fulgencio Batista; outros puderam burlar o cerco e somente sete conseguiram reencontrar-se em Cinco Palmas, onde Fidel, com uns poucos fuzis tornou célebre em 1956 a frase mais otimista do século 20: ''Agora sim ganhamos a guerra''!



Contudo, a imprensa cubana publicou a notícia de que Fidel foi morto e a guerrilha eliminada. E depois, censura total contra tudo o que e parecesse rebeldia.



Quando subia a montanha, Guerrita lembrou aquele fato:



''Entre os dias 9 e 11 de fevereiro de 1957, perdemos o contato com a Serra, até o dia em que o companheiro Radamés Reyes, telegrafista do quartel e aliado do Movimento 26 de Julho, chegou à loja de Rafael Sierra. Trazia a infeliz notícia de que Fidel e o grupo tinham sido liquidados numa emboscada em Los Altos de Espinosa.



''Rafael Sierra me informou e imediatamente transmiti a Celia aquela horrenda notícia. Com muito otimismo, ela disse: 'Não acredito, pois a imprensa já o teria publicado. Temos que confirmá-lo, mas tenho certeza que ele estava vivo'.''



Fidel está vivo



''No dia seguinte, Miguelito, um filho de Epifanio, chegou e me contou o que tinha acontecido. Eles conseguiram fugir com Luis Crespo. E ele estava certo de que Fidel e outra parte do grupo também conseguiram burlar o cerco inimigo. Disse-me que Crespo, expedicionário do iate Granma, queria nos contatar.



''Celia ordenou-me que fosse buscá-lo. Crespo afirmou que Fidel estava vivo, pois viu que o comandante e o resto do grupo também fugiram''.



''Eu propus a Crespo que o melhor era que ele abandonasse a Serra e respondeu taxativamente: 'Enquanto houver um fuzil aqui, a luta continuará'. Senti grande admiração pela atitude daquele homem semi-analfabeto, que em meio do desespero, mostrava os valores e a qualidade humana dos expedicionários do Granma.



''No dia seguinte, Miguelito retornou de novo a Manzanillo com a confirmação de que Fidel estava vivo e mandou um mensageiro, que esperava por nós na quinta de Epifanio para recolhê-lo, porque recebeu a ordem de se entrevistar com Celia. Fui buscá-lo e quando regressávamos, deparei na entrada de Manzanillo com um soldado da guarda rural que me pediu carona. Parei o carro e o levei. Entrei na cidade protegido por um guarda inimigo e festejando a vida de Fidel''.



Mas a ditadura de Batista se aferrava à notícia de que Fidel e seus homens tinham sido liquidados. Foi por isso que Fidel pediu um repórter, para que publicasse a notícia, mas os chefes da imprensa nacional tinham medo das represálias e por isso foi necessário buscar um jornalista de um jornal influente.



Ruby Hart Phillips, correspondente do The New York Times em Havana, mandou Matthews vir urgentemente para Cuba, pois tinha uma boa notícia para ele. Na segunda-feira, 4 de fevereiro, a senhora Phillips foi convocada para o escritório de Felipe Pazos, no prédio Bacardí, na rua Monserrate. Ali se encontravam também seu filho Javier Faustino Pérez e René Rodríguez, que explicaram à repórter o interesse de Fidel em receber um jornalista no coração da Serra Maestra.



Logicamente, Phillips se ofereceu de imediato, mas foi convencida de que não devia ser ela, pois as condições da viagem eram muito difíceis para uma mulher, e além disso, ela era a correspondente permanente no país e depois podia ser alvo de uma forte represália do regime de Batista.



No telefonema de Phillips e Matthews não se deram muitos detalhes, mas um jornalista experiente como ele sabia que se tratava de algo muito importante.



Cinco dias depois, Matthews, acompanhado de sua esposa Nancie, chegou à terra cubana. Em 15 de fevereiro, às 22h, hospedou-se no hotel Sevilla, com sua mulher, e se encaminhou para o oriente do país, com Faustino Pérez, que desde o primeiro momento trabalhou incansavelmente para executar a ordem que Fidel lhe tinha dado.



Faustino acompanhou o destacado jornalista até Manzanillo. Guerrita viu pela primeira vez o jornalista nessa cidade, em casa de Pedro Eduardo Saumell, e pensou que era um homem muito idoso para viajar pelo caminho difícil que o levaria à Serra. E por seu cachimbo e boné, segundo ele, parecia-se mais com um detetive privado ao estilo de Sherlock Holmes do que com um repórter com vigor e juventude para escalar, por exemplo, a Colina de la Derecha de Caracas, que se ergue majestosa, vestida com a verde folhagem da Serra.



Matthews e Nancie estavam cansados pela longa viagem, quase sem dormir, por toda a Rodovia Central. Somente detiveram-se em Camagüey para tomar o café da manhã. Depois continuaram rumo a Bayamo e entraram no trecho mais difícil, custodiado por várias patrulhas do exército. Seus visíveis traços de turistas estrangeiros lhe permitiram entrar em Manzanillo sem muitos contratempos, acompanhados por Faustino Pérez, Javier Pazos e Lilia Mesa.



À medida que a encosta e a água estagnada exigiam maior velocidade do motor do jipe, Guerrita olhava de esguelha o norte-americano, que tinha deixado sua esposa na casa do anfitrião, Saumell, em Manzanillo. Ele estava concentrado na direção do jipe, nas velocidades e no freio, evitando os saltos e as freadas abruptas. Contudo, de vez em vez, quando o jipe dava um grande salto como um cavalo ferido pelo ginete. Sempre que isso acontecia, Guerrita olhava para o rosto do norte-americano, tentando ver algum gesto de contrariedade, mas o homem aceitava sem alarde os saltos do jipe por causa do caminho alagado.



Esta era a terceira viagem no mesmo dia à quinta de Epifanio Díaz, camponês, de amizade sincera e um dos primeiros colaboradores de Fidel e da guerrilha depois do desembarque.



Faustino o levou a Manzanillo e Almeida foi o primeiro a recebê-lo na Serra



A casa do velho Epifanio erguia-se solidária em Los Chorros, a sul do Purial de Jibacoa, na vertente norte da Serra Maestra. Na quinta não havia grandes elevações que possibilitassem o refúgio da guerrilha, embora pelo lugar em que se encontrava, facilitasse o acesso de qualquer veículo ou pessoa que não conhecia o caminho.



Fidel, que conhecia a lealdade e colaboração de Epifanio e de seus dois filhos, Enrique e Miguel, decidiu esperar nesse lugar o jornalista norte-americano e ao mesmo tempo realizar a primeira reunião com os principais dirigentes da planície oriental.



Filho de camponeses, e camponês ele também, Guerrita podia determinar as horas apenas olhando os astros. Por tal motivo, quando viu a lua no centro do céu, soube que, no domingo, 17 de fevereiro de 1957, quase estava terminando.



Foi então que deteve o veículo e disse que havia que continuar a pé. Matthews desceu do jipe e caminhou com os outro em meio da escuridão e do cício do grilo insone. Guerra Matos, conhecedor do caminho, ia à frente e o jornalista se guiava por seus passos, sem soltar o cachimbo nem as ânsias de chegar.



De repente apareceu diante deles o riacho Tío Lucas, que corria entre as árvores da Serra. Para chegar ao acampamento, era preciso atravessar o riacho de águas frias e as correntezas. René o explicou ao repórter do The New York Times e este respondeu com um gesto animador.



Matthews entrou brioso, mas em meio do riacho perdeu o equilíbrio e caiu na água. ''Danou-se o norte-americano''! gritou Guerrita. Mas, apesar do surpreendente esbarrão, o jornalista levantou a pequena carteira que levava nas mãos, sem soltar o cachimbo da boca. Guerrita ofereceu-lhe a mão em sinal de ajuda e o norte-americano se incorporou com certos brios juvenis.



O riacho da Serra, que comprazia a Martí mais que o mar, se comporta como um cachorro faminto que lambe constantemente as pedras do fundo até deixá-las polidas. Matthews, ao que parece, não levou em conta o curso fluvial, e esbarrou como um clássico jogador de beisebol à procura da base.



Contudo, não perdeu a postura nem a inteireza, e com gesto elegante, exortou a prosseguir a viagem rumo ao acampamento, que, sem ele saber, apenas faltava uns poucos minutos.



O primeiro a recebê-lo foi o expedicionário Juan Almeida Bosque, que lhe explicou que Fidel se encontrava nesse momento no Estado-Maior e que chegaria ao amanhecer. Matthews simpatizou, desde o primeiro momento, com este homem que apoiava suas palavras na tradução de Pazos e lhe informou que a tropa dispunha de vários acampamentos.



A conversa demorou vários minutos, incorporando-se depois Ciro Frías e outros guerrilheiros. Almeida pediu a Matthews que descansasse um pouco. O norte-americano concordou e tirou do bolso uma caixa de fósforos, que sobreviveu do mergulho da madrugada e acendeu o cachimbo imutável.



Celia Sánchez lembrava:



Naquela noite, fomos caminhar para ver se encontrávamos uma pequena casa que víamos de dia. Íamos Fidel, Armando, Frank, Vilma e eu; e Luis Crespo que sempre estava perdido, e foi como guia. Não encontramos a casa; caminhamos tanto pela noite, que depois não soubemos voltar ao acampamento; deitamo-nos em pleno campo. Nessa madrugada chegou Matthews. Quando Universo chegou com a notícia, ordenamos-lhe que dissesse que Fidel estava em outro acampamento, que o esperasse ali. Almeida, Che e Raúl ficaram com o visitante.



No alvorecer, chegou ao acampamento o grupo liderado por Fidel. Vilma Espín, prestigiosa combatente da clandestinidade em Santiago de Cuba, que foi levada horas antes por Guerrita para o acampamento, e Javier Pazos, foram os tradutores, apesar de Fidel ter bom domínio do idioma inglês.



Raúl se adiantou ao grupo e cumprimentou o jornalista, anunciando a chegada de Fidel. Em seu diário de campanha, o então capitão Raúl Castro narrou o fato da maneira seguinte:



Chegamos ali e dei um abraço no ''Flaco'' (O Magro) - René Rodríguez -, que cumpriu realmente o que prometeu. Cumprimentei o jornalista e lembrando meu inglês elementar, lhe disse: How are you? Não entendi o que me respondeu e imediatamente chegou F (Fidel), que depois de cumprimentá-lo, sentou-se com ele na cabana e começou a entrevista, que, com certeza, será uma bomba (...) Enquanto corria a entrevista, o oficial Almeida triplicou a vigilância, tomando todas as medidas de segurança ao nosso alcance naquele lugar. Infelizmente esta é uma zona completamente a céu aberto e foi um atrevimento afastarmo-nos tanto de nossos queridos arvoredos. Se nos surpreendiam por causa de uma delação, o Movimento 26 de Julho sofreria um colapso, pois poderíamos perder alguns de nossos valentes homens.


Guerra Matos, por seu lado, o descreveu assim:



''Vi Fidel chegar e cumprimentar o jornalista, e senti uma imensa satisfação, mas não a externei. Tinha contribuído com um grãozinho de areia para este encontro tão esperado por nosso máximo líder, que tinha uma grande importância, pois tornaria público ao mundo que Fidel estava vivo e a guerrilha pronta para o combate. Em todo o percurso, fiz todo o possível para que o norte-americano se sentisse o mais cômodo e seguro possível, pois se ele se arrependesse no último instante, isso marcaria minha vida para sempre.



''Quando escorregou no riacho, fiquei desapontado e não consegui fazer coisa alguma para impedi-lo. Mas o jornalista tinha muita determinação como nós para chegarmos ao acampamento e nenhum bombardeio nos deteria. Percebi o entusiasmo de Fidel quando se dirigia a Matthews e esse regozijo o transmiti a meu coração.



Fidel cumprimentou Matthews com cortesia e singeleza. Com muita naturalidade, sentou-se em frente do repórter do The New York Times e começou a entrevista.

90 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA

Partidos preparam comemoração dos 90 anos da Revolução Russa
Reunião do Grupo de Trabalho (GT) do Encontro de Partidos Comunistas e Operários, realizada neste sábado (24/02), em Atenas, na Grécia, decidiu realizar o próximo encontro às vésperas das comemorações do 90º aniversario da Grande Revolução Socialista de Outubro. O novo evento será realizado na cidade de Minsk (Bielorrussia) em 4 e 5 de novembro. Já nos dias Nos dias 6 e 7, as delegações se deslocarão até Moscou, onde terão lugar os festejos do aniversário da Revolução Russa.


O GT examinou diversas propostas de temário e, depois de uma proveitosa rodada de debates, fixou como tema central do encontro "O nonagésimo aniversário da Revolução de Outubro - a relevância e a validade dos seus ideais. Os comunistas na luta contra o imperialismo, pelo socialismo". O secretário de Relações Internacionais do PCdoB, José Reinaldo Carvalho, participou da reunião do GT e escolha da pauta.

Em sua opinião, "o tema permitirá que os partidos comunistas façam uma reflexão profunda sobre o significado histórico da Grande Revolução Socialista de Outubro, recolham as lições deixadas pela primeira experiência de construção do socialismo e atualizem sua compreensão sobre os caminhos estratégicos e táticos da nova luta pelo socialismo na sociedade contemporânea".

O dirigente do PCdoB afirmou que esse debate "tem importante significação para a esquerda em todo o mundo e particularmente na América Latina, onde a discussão sobre o socialismo entrou na ordem do dia como um tema atual da luta política". Para José Reinaldo, também no Brasil o tema é palpitante e motivo de luta política e ideológica. "Não raramente aparecem vozes na esquerda brasileira substituir a critica por ataques desqualificadores."

"Tendo optado por um caminho social-democrata, estigmatizam todo o processo de construção do socialismo como uma experiência totalmente negativa, socialmente regressiva e politicamente autoritária", acrescentou o dirigente. "No debate sobre esses temas, os comunistas brasileiros poderão firmar ainda mais sua identidade, recolhendo o que há de positivo na experiência histórica e fazendo uma crítica científica, como base para a atualização do projeto socialista."

Participaram da reunião do grupo de trabalho, além do Partido Comunista da Grécia, organizador, partidos comunistas dos seguintes países: África do Sul, Argentina, Bélgica, Bolívia, Brasil, Bulgária, Cuba, Chipre, Geórgia, Itália, Líbano, México, Portugal, Republica Tcheca, Sérvia, Sri Lanka e Sudão.

ORÇAMENTO FEDERAL - UMA ANÁLISE

DEBATE ABERTO

Especulações em torno do orçamento federal

Neste segundo artigo da série sobre a “lógica do PAC”, nosso colunista discute o contingenciamento anunciado pelo governo. Mesmo sem uma ‘Carta aos Brasileiros’ e sem um acordo com o FMI, a obtenção de um ‘superávit primário’ segue como objetivo principal, subordinando a essa meta todos os gastos públicos.

Bernardo Kucinski

O Brasil pode até crescer 5% este ano. Mas, se depender da execução do orçamento federal, não vai chegar nem perto dessa meta. Há uma contradição antagônica entre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o bloqueio de R$ 16,4 bilhões do orçamento federal, pelo decreto de contingenciamento baixado na semana passada pelo governo.

Conforme o PAC, o governo Lula definiu crescimento acelerado como objetivo principal do seu segundo mandato; pelo decreto de contingenciamento, ao contrário, o governo mantém como objetivo principal a obtenção de um “superávit primário”, subordinando a essa meta todos os gastos do governo. Pelo PAC, o segundo mandato seria totalmente diferente do primeiro. Pelo contingenciamento, segue tudo do mesmo jeito.

Serão retidas tanto verbas de custeio, como se chamam as despesas correntes da máquina do Estado, quanto de investimento, num total equivalente a 0,73% do PIB. Só de investimentos em infra-estrutura, supostamente o centro das ações do PAC, serão retidos R$ 6,2 bilhões. O governo diz que preservou os projetos do PAC. Preservou esses, mas cortou outros também de infra-estrutura. Qual a vantagem? Qual a lógica? É a lógica da preservação do “superávit primário”.

E o que é “superávit primário”? Já se foi o tempo em que a expressão superávit primário era usada para designar a diferença entre receitas e despesas do governo, depois de eliminadas as distorções provocadas nas contas públicas pela inflação elevada. Era uma tentativa de ver o que realmente acontecia com as contas públicas, por trás dos números fortemente inflacionados. Os banqueiros apropriaram-se da expressão e hoje usam-na ao contrário, para ofuscar as contas públicas. A expressão virou um embuste teórico usado para colocar toda a economia do setor público a serviço do pagamento de juros, e ao mesmo tempo cercear a liberdade de investimento das empresas estatais.

Na conta do “superávit primário”, somam-se alhos com bugalhos: na coluna dos gastos entram tanto investimentos de empresas comerciais autônomas e com recursos próprios, como a Petrobrás, quanto gastos de governo. Entram gastos correntes, como pagamento de funcionalismo, com investimentos essenciais, em saneamento e estradas. Ao mesmo tempo, excluem-se da lista de despesas os pagamentos de juros, o menos útil de todos os gastos.

A contradição entre as metas de “superávit primário” e crescimento econômico ficou evidenciada na dura negociação com o FMI pela permissão para investir R$ 11,3 bilhões de um chamado Projeto Piloto de Investimento (PIP), excluindo-os das contas do superávit primário. O pretexto era o de que se tratava de investimentos “produtivos”.

No conceito do FMI, investimentos “produtivos” são os que dão retorno monetário direto: por exemplo, numa rodovia que vai ser privatizada e, portanto, render dividendos ao setor privado. Se a mesma estrada não vai ser privatizada, não é um investimento produtivo. Como se vê, o uso torcido de conceitos permeia toda a linguagem do FMI. Saneamento em favela, por esse conceito, também não é investimento produtivo, porque não se podem cobrar tarifas remuneradoras de favelados. Pouco importa a economia futura em gastos de saúde propiciada pelo saneamento, ou a redução de acidentes em rodovias, que custam à sociedade brasileira cerca de R$ 22 bilhões por ano, segundo cálculos do Ipea.

Ao adotar “superávit primário” como meta, o governo mantém o uso do principal instrumento de política econômica da era neoliberal e que tem como objetivos principais induzir à privatização e limitar a capacidade de o Estado promover o desenvolvimento. De que adiantou cancelar o acordo com o FMI, se o governo mantém a lógica principal desse acordo? Então, o cancelamento do acordo também foi um embuste?

Não só o acordo com o FMI que impõe essa regra já foi cancelado, também o acordo não escrito com os banqueiros que permitiu um primeiro mandato mais tranqüilo não precisa necessariamente valer para um segundo mandato, vencido em outras circunstâncias. Não houve, na segunda vitória, a necessidade de uma segunda “Carta aos Brasileiros”, como a primeira, em que foi jurada obediência ao embuste do superávit primário e à autonomia do Banco Central.

Mais intrigante ainda é a subordinação ao ditame de “superávit primário”, se até Delfim Netto, que não pode ser acusado de esquerdista, ofereceu ao governo uma alternativa discursiva melhor: a de trabalhar com uma meta de “déficit nominal zero”. Por essa sistemática, trabalha-se realmente com todas as receitas e despesas do governo, sem excluir gastos com juros. É um conceito clássico, ideologicamente compatível com o neoliberalismo, porque também define um estado que se auto-sustenta, mas sem privilegiar o setor rentista da sociedade.

Além das contradições teóricas, o contingenciamento perpetua a maioria daqueles entraves burocráticos ao crescimento a que o próprio presidente se referiu. E por quê? Por dois motivos principais: primeiro, porque em algumas unidades, a retenção chega a 50% do orçamento previsto. Do R$ 1,5 bilhão dotado ao Ministério da Agricultura, foram bloqueados pelo decreto do contingenciamento nada menos que R$ 655 milhões. Isso, num setor econômico vital, gerador de muita riqueza, em que a ação do Estado está notoriamente defasada, e no qual se exigem amplos programas sanitários, como se viu pelos surtos de aftosa. Considerando-se os riscos de chegar ao Brasil também a gripe aviária, esse contingenciamento chega a ser absurdo. No Ministério da Saúde, o decreto bloqueou R$ 5,8 bilhões, 14,3% do seu orçamento. Ora, retenções dessa ordem destroem o próprio conceito de planejamento. Se ficassem em 3% a 5%, induziriam ao uso mais eficiente dos recursos, sem destruir o planejamento.

Com cortes brutais, tudo o que foi minuciosamente discutido e negociado dentro do governo e entre governo e Congresso, para chegar ao orçamento de 2007, vira letra morta. Em vez de executar seus programas, os ministros tentam salvar pedaços de programas. Tanto o planejamento é destruído, que na maioria dos ministérios, em especial nos que mais deveriam investir, como os de Transportes e Integração Nacional, há uma correria nas últimas semanas do ano pára gastar verbas que ficaram retidas o ano inteiro. No ano passado, faltando um mês para terminar o ano, 102 dos 341 programas do orçamento ainda não tinham gastado nem 30% de suas dotações, por causa do contingenciamento. O contingenciamento é o principal fator da baixíssima eficácia na execução do orçamento federal e da não aplicação dos enormes recursos acumulados nos fundos especiais, como o Fust e os fundos de estimulo à pesquisa e desenvolvimento.

A retenção das verbas se dá em todas as três etapas da programação dos projetos, inclusive o empenho, que é o momento em que a verba é efetivamente separada para pagamento dos provedores dos serviços. Daí as penosas negociações que consumiram tanta energia no primeiro mandato e atrasaram ou paralisaram tantos projetos importantes.

Mesmo sob a ótica do suposto ajuste fiscal, o contingenciamento é o mais burro de todos os métodos, primeiro, porque tenta o ajuste pelo fluxo de caixa, como se as pequenas flutuações da receita ao longo do ano tivessem efeito inflacionário, o que não é verdade, já que não há tempo suficiente para isso. Segundo, porque corta verbas linearmente, sem se importar com a relevância, retorno ou eficiência de cada programa.

O governo alega que boa parte do contingenciamento, cerda de R$ 10 bilhões, é de projetos introduzidos no orçamento pelas bancadas parlamentares e comissões do Congresso, e que não bloqueou os projetos oriundos de emendas individuais dos parlamentares, o que é outra incongruência. Supõe-se que um projeto aprovado por toda a bancada ou por uma comissão tem mais legitimidade do que um projeto individual.

Com o contingenciamento, todo poder burocrático fica nas mãos do núcleo duro do monetarismo que não quer o crescimento. São eles que liberam ou não as verbas, a conta-gotas. Muitas vezes, como aconteceu no primeiro mandato, ignorando até mesmo ordens expressas do presidente.

Esse núcleo duro monetarista argumenta que o bloqueio de verbas é apenas preventivo: tem o objetivo de garantir as metas de superávit primário, na eventualidade de haver queda das receitas em relação ao previsto na Lei Orçamentária. Nesse caso, a própria Lei de Responsabilidade Fiscal manda que se faça o contingenciamento. Mas, em todos os anos do primeiro mandato, as receitas superaram as previsões orçamentárias. E, este ano, na mesma semana em que saiu o decreto, já havia números mostrando receitas maiores do que as previstas no orçamento. O argumento, portanto, é falso. Além de burro e contrário ao crescimento econômico, o contingenciamento, nessas circunstâncias, é uma violência constitucional. É também um desrespeito ao Congresso, que votou a Lei Orçamentária à toa, já que nada do que está ali vai ser obedecido.




Bernardo Kucinski, jornalista e professor da Universidade de São Paulo, é editor-associado da Carta Maior. É autor, entre outros, de “A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro” (1996) e “As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998” (2000).

A MAIORIDADE PENAL E O CARRASCO POPULAR

* Por João Baptista







O caso da morte de João Hélio, criança, de 6 anos, que ficou presa ao cinto de segurança e foi arrastada por sete quilômetros por assaltantes em atitude de fuga no Rio de Janeiro, trouxe ao país uma discussão um tanto complexa, que é a questão da redução da maioridade penal (de 18 para 16 anos de idade).

É óbvio que a sociedade brasileira e, em especial, os cariocas, vivem horrorizados com a violência, até mesmo pela dimensão a que evoluiu. Mas a violência é assunto genérico e, portanto, não deve ser encarado e debatido com o senso comum. Deve ser estudado, pensado de forma inteligente e não eivado de ódio e do senso de justiça norte-americano do olho-por-olho.

O debate trouxe reações diversas e até manifestações de parte da sociedade – classe média – em torno da discussão e é de causar espanto pelo grau de conservadorismo que a mesma agrega. A grande mídia brasileira (cite-se, como protagonista, a Rede Globo de Telecomunicações) tem tentado conduzir o debate e logrado êxito (o que é pior), levando o tema para o Congresso Nacional, o que torna mais preocupante ainda a abertura de um leque que poderá evoluir para Pena de Morte, mesmo que não passe, a priore, de uma mera discussão.

Que o Estado precisa tomar medidas urgentes para reduzir a criminalidade, isso é óbvio, contudo, é preciso analisar de forma acurada a causa da mesma e não encará-la – a causa - como se somente se encerrasse nas ações criminosas de uma juventude transviada. A criminalidade, na verdade, é uma doença social, derivada do individualismo exacerbado, do darwinismo social e, para tanto - para combatê-la - é preciso construir um remédio social eficiente que, não necessariamente, deva ser a redução da maioridade penal que, a meu ver, é um crime contra os direitos humanos.

Não obstante o fato de que a redução da maioridade penal implica, assim que se evidenciar crimes cometidos por crianças de sete, oito, nove anos de idade, em reduções gradativas e sucessivas, se a burguesia conseguir reduzir a maioridade penal, conseguirá, em nome da “paz” social, também invadir as favelas do Rio e matar gente inocente (como já o faz e fará com mais afinco), conseguirá, ao certo, matar favelados em todo o Brasil – o pobre é “quase” predestinado a, de fato, ser marginalizado (já o é por essência) ou mesmo tornar-se um marginal, o que, para um jovem de classe média alta é apenas um acidente de percurso – ocupar os presídios e chacinar jovens pobres que cometeram crimes diversos, legitimar os grupos de extermínio. A solução, para a burguesia brasileira – desprovida de valores humanos consistentes - é exterminar, pulverizar, destruir o “mal necessário”, como se a mesma não fosse a principal responsável pelo processo de marginalização dos muitos miseráveis em nosso país.

Ao invés de reduzir a maioridade penal é preciso, a bem da verdade, reformar/reformular o sistema prisional –que implica, desde a estruturação física e pedagógica dos presídios à formação policial - reabilitando ou reconduzindo pessoas marginalizadas ao convívio social; oferecer a Educação Pública, Gratuita, de Qualidade e para todos, impedindo o ingresso de jovens ao submundo do crime; combater obsessivamente a fome e a miséria nos bolsões de pobreza, nas favelas, etc; combater as disparidades sociais, construindo um novo sistema, novas regras e um outro modelo social possível.

Porém, a corrupção no aparelho estatal e a burocracia impedem a concretização de políticas afirmativas nesse sentido; as torturas policiais nos presídios, o tratamento desumano dado aos presos, a impunidade (como, por exemplo, a absolvição do coronel Ubiratan, responsável pelo massacre do Carandiru), a falta de estrutura, etc. A inserção de menores de 16 anos de idade no sistema prisional atual apenas dificulta ainda mais o processo de reeducação desses brasileiros.

Acredito que algumas indagações precisam existir na análise que orientará o debate sobre a redução da maioridade penal, quais são: “O que é a violência?”, “O que causa a violência”, “quem é o vilão?”, “quem é vítima?”. Ora, A fome não é a violência contra os excluídos? A desigualdade social não é a violência geradora inconteste das mazelas do mundo atual? Obviamente que sim.

Logo que se conclui que a desigualdade social é a principal violência geradora das doenças sociais (da criminalidade, por exemplo) é plenamente perceptível a dicotomia nas concepções que debatem o tema e está claramente dividida entre o pensamento burguês conservador e o progressista que são, na lógica marxista, a contraposição do pensamento burguês versus proletário. As questões ideológicas são o cerne do debate e a resposta positiva ou negativa ao que propõe a direita brasileira dependerá da opção da concepção de mundo que adotaremos.

O carrasco popular domina a discussão nas várias camadas da população, que são muito influenciadas pela mídia, todavia, é preciso questionar se somos deuses ou se homens, se adotaremos a moral cínica ou se buscaremos resolver a problemática tomados por sentimentos humanos e não distanciados da racionalidade.





* João Baptista é ex-presidente da UMES – União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Imperatriz (2003/2005), Conselheiro Estadual de Segurança Alimentar (CONSEA/MA), membro do coletivo municipal de juventude do Partido dos Trabalhadores (JPT).

PRISÃO POLITICA DE PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

Pela libertação de Marcelo Buzzeto, doutorando
da PUC e preso político brasileiro
Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida*

Seria ridículo se não fosse trágico. Neste país onde, sob quaisquer
critérios jurídicos respeitáveis, campeia a impunidade,existem presos políticos. Um deles é nosso colega de magistério. Excelente professor
na Fundação Santo André, fez mestrado na PUC-SP e procura, às duras penas
(sem trocadilho),desenvolver,também nesta universidade, sua pesquisa de
doutorado sobre a questão nacional na América Latina,centrando o foco no
casovenezuelano.
Marcelo Buzzeto não aplica na banca, não participa de obras super ou subfaturadas, jamais se intrometeu em crimes do colarinho branco.Pessoa extremamente amável e versada em diversas práticas urbanóides, a começar pelo skate, adora o filho, João Marcelo, e a companheira Claudinha, que também fez mestrado aqui. Devorador de livros, possui respeitável biblioteca
sobre os temas que pesquisa. Pelos padrões usualmente alardeados,eis uma das
últimas pessoas que se poderia imaginar repartindo a masmorra com outros
dezoito seres humanos,estes condenados da terra,dormindo no chão ( um colchonete para aliviar) e com a família passando dificuldades materiais.
Sabemos que,em geral,o que os dominantes alardeiam mais oculta do que revela
a tessitura do real. Acresce que, para complicar ainda mais as coisas, o moço meteu na cabeça que um outro mundo é possível aqui mesmo,desde que os interessados lutem para construí-lo.
Esta certezaé,aliás, uma das principais motivações que levam Marcelo a estudar o mundo.
Maiores detalhes sobre esta prisão aparentemente esdrúxula podem ser encontrados em outro espaço do PUCviva e no tocante depoimento de Frei Betto,
que visitou Marcelo no cárcere. O desafio é claro e afeta a todos nós: esta prisão atinge os que lutam contra a barbárie e, especialmente, aqueles que se arriscam a procurar caminhos para, civilizadamente, colocar em prática o que pensam. Fere a democracia e, mais especificamente, o que a vida universitária tem de melhor.
Ato pela libertação de Marcelo Buzzeto e dos demais presos políticos
brasileiros será realizado nesta quinta-feira, 1 de março, às 19:30, no auditório 333 do Prédio Novo da PUC-SP.
Sua presença é fundamental .

* Professor do Departamento de Política e do Programa
de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da
PUC-SP e coordenador
do Neils ( Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas
Sociais )

Wednesday, February 14, 2007

PREOCUPAÇÃO ANACRÔNICA

Preocupação anacrônica

Valter Pomar

Num artigo intitulado "Um marxismo anacrônico", Louise Caroline, Vinicius Wu e Alberto Kopittke me acusam de ter somado forças com o "setor mais reacionário do antigo campo majoritário em sua apressada tentativa de desqualificar o documento e, por conseqüência, a própria tese da Refundação defendida por seus signatários".



A acusação é curiosamente reveladora.



Primeiro: se há um setor "mais reacionário" do campo majoritário, então haveria um setor "menos reacionário"? Segundo: se os signatários defendem a tese da “refundação”, por qual motivo esta tese desapareceu da versão final da "Mensagem"? Terceiro: se a "Mensagem ao Partido" pretendia construir um "novo espaço de diálogo partidário", por qual motivo os dois companheiros e a companheira interpretaram minhas opiniões como "desqualificação"?



No texto "Os 7 pontos capitais" eu disse que a “Mensagem ao Partido” apresenta “de maneira bastante otimista as perspectivas do Brasil e do PT. Reafirma teses que fazem parte do patrimônio intelectual do Partido, não apenas dos signatários. E incorpora positivamente questões (como o controle de entrada e saída de capitais), que até o PED de 2005 tinham muitos detratores e poucos defensores".



Disse, também, que a versão final da “Mensagem” manteve "uma abordagem insuficiente, inadequada e/ou incorreta de uma série de questões". Dizer isto desqualifica o texto? No diálogo que os companheiros pregam só vale concordar?



Lembro ainda que tomei o cuidado de dizer que "não pretendemos fazer cobranças excessivamente rigorosas de um manifesto. Claro, também, que um texto assinado por setores tão diversos tende a buscar sínteses e acomodar divergências. Entretanto, como estamos num processo de Congresso, é imperioso debater as idéias ali contidas, inclusive na expectativa de que seus signatários incorporem as críticas e observações; ou que nos demonstrem melhor o acerto de suas posições".



Wu, Caroline e Kopittke não incorporaram nenhuma das críticas e observações que fiz. É seu direito. Ademais, optaram por abordar apenas um, dos sete pontos críticos que aponto na minha crítica à "Mensagem": o republicanismo.



Deixaram de lado, portanto, as seguintes questões citadas no texto “Os 7 pontos capitais”: o balanço do primeiro mandato de Lula; a análise da tradição socialista internacional; o lugar do PT na tradição socialista brasileira e internacional; renda, riqueza e poder; populismo e imperialismo; e a organização partidária.



Não me surpreendo com a opção por tratar apenas do "republicanismo". Afinal, a própria "Mensagem" deixa claro que a “incorporação radical de valores republicanos na formulação do socialismo petista é um fundamento programático essencial na nossa proposta de reconstrução partidária”.



Segundo Wu, Caroline e Kopittke, meus argumentos são teóricamente "frágeis" e sustentados por uma leitura "anacrônica" e "defasada" da teoria marxista. Acho que no fundamental eles têm razão.



Como tantos outros dirigentes do PT, tenho enormes debilidades teóricas. E como ultimamente tenho lido muito pouco, meu conhecimento do marxismo é cada vez mais defasado, o que faz com que minhas referências teóricas sejam, na maioria dos casos, as que construí há 25 anos.



Exatamente por isto, não entendo por que Wu, Caroline e Kopittke precisaram apelar para o velho recurso de caricaturizar meu pensamento, para depois espancar com mais facilidade a caricatura.



Por exemplo: os três afirmam que eu chego "mesmo a rejeitar a idéia de que a defesa de valores socialistas deva ocupar um lugar central em uma estratégia de poder da esquerda contemporânea".



Gostaria que os três apontassem onde é que eu cometo esta barbaridade! Se isto fosse verdade, por qual motivo eu critico –noutra passagem do texto- o “abandono do ideário socialista”???



O que eu disse e repito é que "o termo "valores" tem sido usado por algumas correntes com o propósito de sublimar a necessidade de transformações reais, objetivas, materiais. Na formulação destas correntes, vão desaparecendo termos como "socialização dos meios de produção". No seu lugar, aparece a vontade política de introduzir "valores" socialistas no capitalismo realmente existente".



Isto por acaso é mentira? Existem ou não estas correntes? Fazem ou não aquilo que eu aponto nas frases acima?



Ao contrário do que afirmam os três, eu não concebo o socialismo "como um mero modelo econômico alternativo ao capitalismo". E não acho que "socialismo é socialização dos meios de produção e ponto final".



Novamente, peço que os três mostrem algum texto meu, onde defenda este tipo de besteira. Duvido que achem. Mesmo assim, não atribuo aos companheiros má fé, “anacronismo” ou “fragilidade teórica”. Do meu ponto de vista, as críticas equivocadas que os três me dirigem têm uma causa mais simples e anterior às divergências teóricas reais que temos: falhas lógicas na interpretação do texto.



Dizendo de maneira mais direta: eles não entenderam o que leram. Vou dar, a seguir, alguns exemplos disto.



Os três dizem assim: “ao que tudo indica o autor das criticas permanece encarando a democracia como um valor instrumental, tático, e não como um elemento fundante de um projeto socialista contemporâneo”.



Ao que tudo indica? Mas onde é que está o tudo que indicaria isto?



Segundo entendi, estaria no fato de eu acusar o “Manifesto” “de possuir dois genes: um, recessivo, é socialista; outro, dominante, é democrático”.



Para os três, eu dissociaria democracia de socialismo; e trataria de ambos "em tempos diferenciados".



Primeiro, quero lembrar aos três que, na história, a democracia precede o socialismo; e que há correntes e experiências socialistas, mas não democráticas.



É exatamente pelo fato de que as duas coisas não andam automaticamente juntas, é que devemos defender um socialismo democrático. Pois se toda democracia fosse socialista e todo socialismo fosse democrático, por qual motivo deveríamos nos preocupar com o tema?



O erro de interpretação dos companheiros é agravado por uma citação incompleta do meu texto “Alguns comentários sobre uma ‘Mensagem’".



Nesse texto eu afirmo o seguinte: “Podemos dizer que a “Mensagem” expressa e combina dois genes: um, recessivo, é socialista; outro, dominante, é democrático. Democrático, aqui, no sentido clássico da palavra, ou seja: democrático-burguês”.



Podemos traduzir assim o raciocínio: a Mensagem expressa e combina dois genes. Um, recessivo, é socialista democrático; outro, dominante, é democrático-liberal.



Defender o socialismo democrático não nos obriga a defender que a democracia seja um “valor universal”.



Para Wu, Caroline e Kopittke, isto parece soar como uma monstruosidade, uma “postura anacrônica, autoritária que está na base do colapso das experiências do chamado “socialismo real” no século XX”. Para eles, “minha opinião a respeito remonta às teses dos partidos comunistas da primeira metade do século passado”.



Não entendi se os companheiros ficaram incomodados com o fato de eu defender teses comunistas; ou com o fato de eu defender teses que já circulavam na primeira metade do século passado; ou se com ambas as coisas.



Seja como for, esclareço que minha opinião a esse respeito é, no fundamental e com pequenos reparos, a que eu já defendia em novembro de 1990, numa carta publicada pela Teoria & Debate número 12. Nesta carta eu dizia o seguinte:



“(...) a democracia que temos no Brasil não é universal, não é igual para todos. Nem na lei, que faz com que alguns sejam mais iguais que os outros, nem na prática, onde a falta de democracia social e econômica faz da democracia política algo relativo.

O fato de a democracia que temos não ser universal (para todos) não quer dizer que ela é inútil para os trabalhadores. Ao contrário. A luta dos trabalhadores é responsável por tudo o que há de verdadeiramente democrático, universal, para todos, na democracia brasileira. E estas conquistas (contra a burguesia e ameaçadas cotidianamente por ela) estão na base de muitas outras vitórias.

Apesar de tais conquistas, a democracia existente no Brasil persiste desigual, restritiva, particular, para poucos... burguesa.

Isso não nos permite ‘identificar a noção de democracia com democracia burguesa’. Afinal, se é verdade que o capitalismo impõe restrições de todos os tipos à democracia, é verdade também que a luta democrática dos trabalhadores busca dar à democracia um conteúdo universal.

Logo, não podemos identificar, igualar, confundir, estes dois ‘tipos’ de democracia, seja dizendo toda democracia é burguesa, seja dizendo que qualquer democracia é “universal”.

A democracia que os trabalhadores querem conquistar é universal, para todos, igualitária sócio-econômica e politicamente. E só os trabalhadores podem lutar de verdade por uma democracia universal, porque só eles não têm nada a perder com isto.

Por isso é que podemos dizer que só haverá real democracia no socialismo, e que não haverá socialismo sem democracia. Poderíamos acrescentar ainda que a luta pela democracia é permanente; e que enquanto a sociedade estiver dividida em classes sociais, mesmo a mais ampla democracia não será universal, ainda não será para todos”.



Relendo este texto, 16 anos e alguns meses depois, eu só faria um reparo: quando digo que só haverá "real democracia no socialismo, e que não haverá socialismo sem democracia", o mais correto seria utilizar o termo socialismo avançado ou comunismo. Pois na etapa inicial da construção do socialismo, continuarão existindo classes sociais, portanto desigualdades, inclusive políticas.



Outro exemplo de que Wu, Caroline e Kopittke não entenderam o que leram está na seguinte passagem: a "emergência de novos valores; profunda reforma moral e intelectual; superação das necessidades alienantes da sociedade de classes; eliminação das opressões de gênero, raça e orientação sexual, nada disto consta do “programa” socialista defendido por Valter. Pelo menos é isso que se pode concluir de uma opinião tão refratária à utilização do termo “valores” por parte do “texto Tarso/DS” ".



É isso que se pode concluir? Ocorre que de uma afirmação não decorre a outra.



Falando diretamente: não aceitar os "valores republicanos" que a "Mensagem" nos propõe, não implica em defender um socialismo das cavernas!!!



Defender que a "democracia, participação política, cidadania e controle social" fazem parte da agenda socialista, não nos obriga a aceitar a tese da “incorporação radical de valores republicanos na formulação do socialismo petista”.



Por trás da opção pelo termo “valores republicanos”, existe uma determinada chave de leitura acerca do que foi a luta pela democracia no século XIX e no século XX; e, portanto, acerca da relação entre liberalismo e socialismo, no século XXI.



Do meu ponto de vista, esta chave de leitura, adotada pelos autores da "Mensagem", não estabelece as distinções necessárias, do ponto de vista teórico e do ponto de vista histórico, entre democracia, socialismo e liberalismo.



Eu compartilho de outra chave de leitura, segundo a qual o movimento socialista é o herdeiro das grandes lutas democráticas que marcaram o século XVIII e a primeira metade do século XIX, lutas que foram travadas contra as correntes liberais.



Várias correntes, bem como várias tentativas de construir uma sociedade pós-capitalista no século XX, não deram o valor devido para os vínculos entre socialismo e democracia.



É por isso que o PT (e tantas outras correntes) precisam se apresentar como adeptas do socialismo democrático. Sendo assim, os signatários da "Mensagem" precisam explicar o que pretendem adicionar a este “socialismo democrático”, quando defendem uma “incorporação radical de valores republicanos na formulação do socialismo petista”?



Na minha opinião, sob o apelido de “valores republicanos”, o que alguns pretendem adicionar são valores liberais, no sentido mais profundo da palavra. Outros, é claro, podem estar comprando gato por lebre.



Um exemplo destes valores liberais “profundos”: a redução da democracia a um método de tomada de decisões. Outro exemplo: considerar a "liberdade" do proprietário dos meios de produção, liberdade no sentido de dispor livremente destes meios de produção, como uma das liberdades democráticas fundamentais.



Não acho, portanto, que tenha cometido uma "profunda derrapada teórica", não diferenciando "liberalismo econômico de liberalismo político", argumentando contra "liberalismo ético e o republicanismo como se Milton Friedman e Noberto Bobbio pertencessem a um mesmo campo!"



Claro que há diferenças no interior do liberalismo, como também há no interior do socialismo. Mas também há semelhanças. E, por isso, ao menos num plano de análise mais geral, as correntes que se identificam com o liberalismo pertencem sim a um mesmo campo. É por isso, aliás, que as tentativas de combinar liberalismo com socialismo padecem de contradições insanáveis.



Um terceiro exemplo de falha lógica na interpretação que os três fazem do meu texto está no seguinte trecho: “Para o Secretário de Relações Internacionais do partido, a origem da crise está no “abandono do ideário socialista e a adesão à estratégia de centro-esquerda”. A adoção de uma estratégia eleitoral explicaria, por si só, todas as dimensões da atual crise vivida pelo partido. Ou, em outras palavras, se nosso programa ainda fosse “socialista” e “revolucionário”, estaríamos imunes a toda pressão exercida pelo Estado burguês e pelo mercado sobre as organizações políticas dos trabalhadores. Se o programa é de esquerda, o debate sobre ética e compromisso republicano é inócuo, inválido, desnecessário.”



Neste ponto, terei que apelar para o método ta-ti-bi-ta-ti. Vejamos: meu texto aponta duas origens para a crise de 2005. Uma delas seria o abandono do ideário socialista e a outra seria a adesão à estratégia de centro-esquerda.



Apesar disso, Wu, Caroline e Kopittke me atribuem o seguinte raciocínio: “a adoção de uma estratégia eleitoral explicaria, por si só, todas as dimensões da atual crise vivida pelo partido”!!!



Como “por si só”, se no meu texto, que eles citam, eu aponto explicitamente duas questões????



Em seguida, os três dizem o seguinte: “Ou, em outras palavras, se nosso programa ainda fosse ‘socialista’ e “revolucionário”, estaríamos imunes a toda pressão exercia pelo Estado burguês e pelo mercado”.



Como, em outras palavras??? O que eu disse resulta permitiria aos três chegarem à conclusão exatamente oposta, ou seja, que ao rebaixamos o programa e adotarmos uma estratégia eleitoral, estaríamos criando as condições para ampliar as pressões do “Estado burguês e do mercado”.



Portanto, em outras palavras, não nos adiantaria ter “o programa certo”, com aquela estratégia; como não adiantaria ter “a estratégia certa”, com aquele programa. Registre-se que, no caso concreto, tivemos o programa “errado” e a estratégia “errada”.



Mais adiante, os companheiros e a companheira chegam a dizer que eu não compreendo que “os partidos de esquerda, as centrais sindicais, as entidades e movimentos representativos da classe trabalhadora reproduzem, em maior ou menor grau, em seu meio as contradições, os impasses e aspectos repressivos que existem do lado de fora, na sociedade, e sofrem, permanentemente, o risco de cooptação e adaptação à ordem burguesa. Não basta ter um programa socialista para que um partido se credencie como o repositário da ética e da moralidade publica”.



Este tipo de raciocínio me passa a impressão que os companheiros me tomam por estúpido. Por coincidência, meu doutorado na USP foi dedicado exatamente a discutir os mecanismos através dos quais a hegemonia burguesa se introduz e é interiorizada pelas organizações de esquerda.



É óbvio, para mim, que não basta ter um programa socialista para que um partido se credencie como o repositário da ética e da moralidade publica”. Mas é óbvio, também, que a perda de perspectiva socialista e o abandono de referências “éticas” são processos interligados.



Um quarto exemplo de incompreensão de texto é o seguinte trecho: “Naturalmente, nosso dirigente também não está de acordo com a leitura de que a certeza na inexorabilidade das “leis da historia” conduziu o marxismo soviético à crença na infalibilidade do partido da classe operária e que, de modo semelhante, alguns dos nossos, em meio à certeza absoluta de estarem fazendo o “melhor” para a vida do povo, esqueceram-se de moldar os parâmetros éticos e morais de sua prática política".



Naturalmente??? Com base no que os três chegaram a esta conclusão?



O que afirmo é que a prática política social-democrata também revelou parâmetros éticos e morais problemáticos. A corrupção, o mandonismo e outras características deste tipo não são privativas, portanto, de uma das “famílias” do movimento socialista. E a idéia segundo a qual “os fins justificam os meios” é bem anterior ao movimento socialista.



Quem quiser fazer profissão de fé anti-Lênin, que o faça. Mas a honestidade intelectual manda reconhecer que os principais responsáveis pela crise de 2005 nunca foram leninistas e/ou que romperam com as concepções leninistas há muito tempo. Insisto: não é preciso de Lênin para entender o que se passou no PT, desde 2005.



Por fim: agradeço aos companheiros Wu e Kopittke e à companheira Louise a atenção que deram ao meu texto. Só lamento que tenham gasto tanto tempo requentando um tipo de argumentação que era muito comum no início dos anos 1990, mas que hoje soa anacrônica. Afinal, a principal ameaça que paira sobre o PT não é o "socialismo dogmático", mas sim o pragmatismo de tipo social-democrata.



Valter Pomar

"ATRÁS DO TRIO ELÉTRICO SÓ VAI QUEM PODE PAGAR"

Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o professor Clímaco Dias explica como a hegemonia dos blocos particulares, com segregação e exclusão, acabou com a festa popular mais famosa do Brasil.
Carlos Gustavo Yoda – Carta Maior*
As horas passam. E corre o relógio em contagem regressiva no portal eletrônico do Carnaval de Salvador 2007 (visite aqui). “O coração do mundo bate aqui / Feliz de quem pode escutar / Minha cidade é sua / Pode vir”, canta Daniela Mercury o hino deste ano de um dos carnavais mais conhecidos do mundo.

Só que a história do “pode vir, pode chegar” não é bem assim. Desde os anos 90, com a explosão da Axé Music, os tradicionais trios elétricos que democratizaram e popularizaram a festa nos anos 60 e 70 acabaram tornando-se um negócio milionário que atraiu grandes tubarões da produção e do marketing cultural.

Para cair nessa folia, é preciso ter dinheiro. Um pacote de um camarote famoso para três dias de brincadeira chega a custar mais de R$ 2 mil, com direito a foliar com DJ Marky e Fat Boy Slim (ah.. assim, sim). Pular na rua também custa caro: o Camaleão, um dos mais conhecidos, não sai por menos de R$ 840 o abadá.

Este ano, a prefeitura chegou a organizar um pequeno ‘Camarote do Povo’ (os ingressos são trocados por quilos de alimentos), mas que deve atender apenas a 400 brincantes, e não está no roteiro dos grandes destaques da folia. Assim acontece a maior festa popular do Brasil: excluindo.

“Da segunda metade do século XX para cá, chegaram os trios elétricos que romperam com a festa elitizada dos clubes e mansões. Só que, hoje, o trio elétrico é quem atende à elite. A música do Caetano Veloso expressou muito bem em sua época: ‘Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu’ (1969). Com o passar do tempo, esse trio elétrico foi transformado em mercadoria e instrumento de ganho de capital. Então nasceu a corda para cercá-lo, e surgiram os blocos pagos, e os camarotes. Então, atrás do trio elétrico só vai quem pode pagar”, analisa o professor de Geografia da UFBA, Clímaco Dias.

Em sua dissertação de mestrado, Carnaval de Salvador – Produção do Espaço de Exclusão, Segregação e Conflito, o pesquisador ataca todos problemas trabalhistas e de conflitos classistas da festa. Em entrevista exclusiva à parceria Carta Maior e Cultura e Mercado, Clímaco Dias explicou como a hegemonia dos blocos particulares acabou com a festa popular mais famosa do Brasil.

Carta Maior - Existe segregação de classe no Carnaval de Salvador?
Clímaco Dias – Existe uma segregação violenta de classes e de grupos sociais. O Carnaval de Salvador segrega até mesmo no espaço físico, como na Barra. Lá é onde desfilam os principais nomes do Axé Music, é uma festa para basicamente a classe média. O povo vai, mas a hegemonia dos blocos e camarotes é classe média. O povo é um espectador de segunda categoria. O carnaval do centro da cidade é popular, mas é um popular que não tem uma organização e disposição de divulgação dos desfiles de blocos afros. Isso acaba deixando o espaço um tanto esvaziado. Isso só não acontece no horário em que o desfile está sendo transmitido pela tevê. Isso é só um exemplo do módulo hegemônico. Mas existem vários carnavais na Bahia. Agora, todos os carnavais são hegemonizados por um pequeno grupo de artistas. De meados dos anos 90 para cá, meia dúzia de artistas são responsáveis por organizar as principais atrações do carnaval. Aí o que acontece? Ivete Sangalo tem fila de patrocinadores, só ela este ano terá sete patrocínios. Enquanto isso, a prefeitura de Salvador não conseguiu fechar uma cota ínfima de patrocínio de R$ 8 milhões. O governo do estado de R$ 3 milhões, mas ainda faltam mais de R$ 2 milhões para completar a cota. Então, é fácil perceber que a prefeitura fica o tempo todo de pires na mão. E a iniciativa privada não se interessa, pois os blocos dos artistas consagrados dão mais visibilidade às marcas.

CM – E a questão do uso do espaço público? Esses camarotes e blocos não revertem benefícios à administração municipal?
CD – O fenômeno do camarote é apenas uma continuação do que acontecia com os blocos. Os blocos são algum tipo de entidade privada que usam o espaço público e nobre e fazem pagamentos ínfimos hoje em dia. Até pouco tempo atrás, eles não pagavam nada, pois eles vinham em nome de entidades sociais. Hoje as produtoras já pagam, mas é muito pouco. E nós somos o país da Lei Rouanet. Só Daniela Mercury conseguiu, há pouco, R$ 800 mil pela lei para montar seu bloco particular. É complicado, isso. E a discussão do espaço público em Salvador é primitiva. Até a esquerda fecha a praia para festa privada no reveillòn. Eu cheguei a escrever um artigo sobre isso e um colega de esquerda me enviou um e-mail reclamando, dizendo que ele pagava todas as taxas para usar o espaço. Como se pagar todas as taxas fosse o suficiente para cercar uma praia que é pública.

CM – Mas o Carnaval de Salvador nem sempre foi assim. Em que momento da história ele deixou de ser popular?
CD – O nosso carnaval é muito dinâmico. Se pegarmos do início do século XX até hoje, nós já passamos por quatro ou cinco formas de brincar o carnaval. Da segunda metade do século XX para cá, chegaram os trios elétricos que romperam com a festa elitizada dos clubes e mansões. Só que hoje, o trio elétrico é quem atende à elite. A música do Caetano Veloso expressou muito bem a sua época: “Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu” (1969). É porque o trio elétrico conduzia o povo democraticamente atrás de si. Com o passar do tempo, esse trio elétrico foi transformado em mercadoria e instrumento de ganho de capital. Então nasceu a corda para cercá-lo, e surgiram os blocos pagos. Então, atrás do trio elétrico só vai quem pode pagar. Hoje, mesmo esse modelo é um modelo em crise. Não tem mais como avançar. Ele continua excluindo cada vez mais, só que o mercado fonográfico do Axé entrou em crise. O Axé Music tocava nas rádios brasileiras o ano todo. Agora, mal toca no carnaval. E cada dia mais o número de artistas que surgem é bem menor do que no passado. Se formos verificar a década de 90, explodiu Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Tatau, Margareth e vários. Coisas boas e a maioria tudo ruim. E estavam toda semana na mídia. Hoje isso ficou mais restrito. E o pior é que eles vêm com um discurso de que fazem um ‘trio independente’. É um pouco da volta dos trios antigos. Mas isso é uma forma deles conseguirem os patrocínios. E aqueles que pagavam para entrar no bloco estão subindo para os camarotes. E os blocos e os camarotes vivem brigando pelo direito de arena. Isso é o maior sintoma da crise e como o carnaval está se transformando.

CM – Mas e as organizações sociais e agremiações não se mobilizam para melhorar isso?
CD – As organizações sociais precisam discutir isso, mas não há mobilização para rediscutir o papel do carnaval de Salvador. O jornal A Tarde publicou a pouco que muitas entidades e blocos afros estavam com problemas nas contas e não receberiam verba da prefeitura. Depois voltaram atrás e resolveram liberar o dinheiro para não prejudicar todas. E o carnaval popular tem esse tipo de problema. Tem também a questão do tamanho das entidades. O bloco Filhos de Ghandi tem cinco mil pessoas. Outros pequenos afoxés não têm nem setenta batuqueiros. Não dá para eles andarem juntos o tempo todo. Tem outra questão que é muito perversa. Nos folhetos de divulgação do carnaval, parece que há a maior democracia, pois eles colocam todos os blocos na divulgação do cardápio cultural. No entanto, muitos deles não chegam a sair para rua, pois não têm estrutura e nem patrocínio. Isso não é dito nunca. Fica tudo como se fosse uma grande alegria nessa proposta falsa de ‘magia e alegria na Bahia’.

CM – O poder público precisa ser mais atuante na regulação e organização da festa?
CD – Tem uma questão que transcende o próprio Estado. As organizações populares e o próprio Estado ficaram reféns desses seis ou sete nomes que controlam o carnaval. É uma situação extremamente difícil. Uma pessoa do povo vai à rua e se ela não vê um desses blocos ela não foi ao carnaval. É difícil gestar um modelo sem diminuir o poder dessas pessoas com elas tendo esse efeito bombástico no imaginário popular.

CM – Com a nova administração do Estado nas mãos do Jacques Wagner (PT), que vem com uma proposta progressista depois de anos do sufocamento coronelista dos Magalhães, não há uma abertura para rever políticas para a cultura?
CD – Não vejo agora, que o governo vá tomar uma postura decisiva na mudança desse quadro.

CM – E o senhor coloca nesse bolo o ministro Gilberto Gil. Não é um contra-senso o Gil músico que participa desses megablocos e o Gil ministro que trabalha diversidade cultural?
CD – Gil é o grande homenageado por esses módulos, ele nunca se estabeleceu no centro da cidade. Ele é dono de camarote na Barra. Então eu não vejo muita diferença entre ele e os outros, não. É claro que ele tem uma expressividade e importância muito grande, não serei injusto com ele. Ele tem uma força muito grande com as expressões populares. Mas o Gil músico é o do camarote da Barra, não é o do Gil preocupado em dar outra direção ao Carnaval da Bahia.

CM – Em outras regiões da Bahia ainda existe o carnaval popular?
CD – Existe, mas é pouco. Nos anos 90, esse modelo de carnaval se reproduziu como uma praga.

CM – Mas até aquela coisa de carnaval o ano inteiro no Brasil acabou, né?
CD – Sim, faz parte da crise. Netinho já chegou a ter 18 blocos em todo o país. O maior faturamento deles não era no carnaval. Era nas micaretas o ano todo pelo Brasil. Até em São Paulo tinha o ‘SP Folia’. Mas isso acabou. O modelo está em crise, volto a afirmar.

CM – Nos anos 90, a câmara de vereadores de Salvador chegou a abrir investigação por racismo nos blocos?
CD – Sim. Alguns blocos chegavam a pedir fotografias para quem quisesse comprar o abadá e selecionavam pela cor os convidados. É claro que hoje não existe mais. A segregação hoje é dos pobres que não podem pagar para brincar a nossa festa mais popular. O capital fala mais alto. E o negro é sinônimo de pobre.

CM – Em sua pesquisa de mestrado, o Sr. trata muito das questões trabalhistas. Quais são os principais problemas?
CD – O trabalho infantil é algo assustador, principalmente com os catadores de latas de alumínio. Isso eu já venho denunciando desde 2000 e ninguém toma uma providência. Outro problema eterno sem solução é a condição de trabalho dos cordeiros (as pessoas que carregam as cordas dos blocos particulares). Eles trabalham em condições extremamente precárias. Boa parte deles tem problemas auditivos por trabalharem sem protetores auriculares, não têm luvas e a alimentação é pouca. E no fim de tudo isso, a remuneração é miserável, cerca de R$ 10 por dia, isso quando recebiam. Eu falo essas coisas porque ninguém fala. Todos falam apenas das belezas. Eu não sou porta-voz da beleza. Eu sou o porta-voz dos problemas. Problemas que precisam de soluções urgentemente.

(*) Em parceria com Cultura & Mercado (visite aqui).

O PARTIDO COMO EDUCADOR-EDUCANDO

O PARTIDO COMO EDUCADOR-EDUCANDO
Paulo Freire*1981

É tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato político. Isto não significa, porém, que a natureza política do processo educativo e que o caráter educativo do ato político esgotem a compreensão daquele processo e deste ato. Isso significa ser impossível, de um lado, uma educação neutra, que se diga a serviço da humanidade, dos seres humanos em geral; de outro, uma prática política esvaziada de significado educativa. É neste sentido que todo partido político é sempre educador, e, como tal, sua proposta política vai ganhando carne ou não na relação entre os atos de denunciar e anunciar. Mas é este sentido também que, tanto no caso do processo educativo quanto no do ato político ou do partido, uma das questões fundamentais seja a clareza em torno do a favor de quem e do que, por tanto, contra quem e contra o que fazemos a educação, e do a favor de quem e do que, portanto, contra quem e contra o que desenvolvemos nossa atividade política. Quanto mais ganhamos esta clareza através da prática tanto mais percebemos a impossibilidade de separar o inseparável: a educação da política. O em favor do que e de quem que está na origem mesma do partido e de sua luta determina a maneira como sua prática educativa se dá na qual se incorporam a denuncia e o anuncio antes referidos, bem como o objeto da denúncia e do anúncio. Um partido de classes dominantes, por exemplo, em primeiro lugar, não pode denunciar as verdadeiras causas dos níveis de pobreza e de miséria das massas populares, mas, pelo contrário, o que ele pode é falar delas, quando fala, de tal maneira que aquelas causas se ocultem. No fundo, a grande denuncia que fazem os dominantes é a denúncia de quem os denuncia e à sua ordem, vistos sempre por eles como "subversivos" e desordeiros. Por outro lado, que anúncio podem os dominantes fazer a não ser, no Maximo, o da mudança na continuidade?" Por tudo isso não pode um partido dos dominantes estar jamais com as massaspopulares, mas contra elas, servindo-se delas. O em favor de que e de quem dos dominantes, que o seu partido procura viabilizar, através de um sem-número de filigranas e de engodos, explica a intenção de sua prática educativa no sentido de preservação do estabelecido. A relação do partido dos dominantes com as massas populares, através do discurso ou de ações assistenciais, é sempre manipuladora. O discurso ou as ações assistenciais procuram antes ocultar do que desvelar. Isso não significa, porém, que as massas populares se deixem sempre docilmente enganar por tais discursos e por tais formas de ação. Uma prática político-pedagógica a ser desenvolvida por militantes de um partido de massas, neste caso, seria, não a de tentar "levar" a população de uma favela a recusar a água e luz, por exemplo, que lhe chegam como engodo político, ou criticá-la por aceitar algo tão importante a ela, mas, pelo contrário, reconhecendo o direito que tem a população de ter água e luz, trabalhar, com ela para transformar o sentido falso da doação em reivindicação do povo.Em ultima análise, um partido de elite não pode realizar uma educação que, desenvolvendo-se na intimidade mesma dos movimentos populares, ajude as massas a fazer melhor o que já estão fazendo para assim fazer o que ainda não foi feito. Esta, sim, é uma das tarefas político-educativas de um partido de massas como o PT. O em favor de que e o favor de quem, o contra que e o contra quem em torno dos quais o PT se vem constituindo, ao nascer no corpo mesmo de movimentos sociais, lhe exigem uma compreensão e uma prática necessariamente diferentes, enquanto educador. O PT não pode ser o educador que já sabe tudo, que já tem uma verdade intocável, diante de uma massa popular incompetente a ser guiada e salva. Um educador para quem o futuro seja algo preestabelecido, uma espécie de fado,de sina ou de destino irremediável. Enquanto educador, se, de um lado, não pode aceitar que a educação seja a alavanca das transformações sociais, não pode, por outro, desconhecer o papel indiscutível nestas transformações. Papel que se realiza, entre outros momentos, fundamentalmente, no esforço mobilizador e organizador das massas populares, como também no da capacitação de seus quadros militantes. É preciso, contudo, chamar a atenção para o fato de que a questão não está apenas em proclamar verbalmente a opção pelas classes e setores dominados,mas ter uma prática político-pedagógica rigorosamente coerente com a proclamação verbal. Uma coisa é a expressão oral pelas classes oprimidas, pelas massas populares, a outra é uma prática elitista, quando sabemos que não é o discurso. É então a coerência entre a sua prática e as suas opções proclamadas que virá fazendo o PT, enquanto educador, reconhecer-se também como educando. Vale repetir: para que o PT assuma o seu papel de educador enquanto partido, coerentemente com as suas opções proclamadas, ele tem de assumir também o papel de educando das massas populares. A sua tarefa formadora, como partido de massas e não de quadros, se dá na interioridade das lutas populares, na intimidade dos movimentos sociais de onde ele veio, dos quais não pode afastar-se e com os quais deve aprender sempre. Só os educadores autoritários negam a solidariedade entre o ato de educar e o ato de ser educado pelos educandos, só eles separam o ato de ensinar do aprender, de tal modo que ensina quem se supões sabendo e aprende quem é tido como quem nada sabe.

Thursday, February 08, 2007

TRAGÉDIA NO METRO - POR QUE É PRECISO UMA CPI 2

Por que é preciso uma CPI (2)

Neste 2º artigo sobre o metrô de SP, nosso colunista sugere um roteiro de 4 passos para uma CPI: mudar o próprio conceito de CPI; analisar o contrato a preço fechado; analisar os subcontratos com prestadores de serviços; e analisar as causas materiais da tragédia.

Bernardo Kucinski

II - Um roteiro para a CPI da Linha 4

Primeiro passo: mudar o conceito de CPI
Esta é uma boa oportunidade para recuperar a credibilidade das CPIs, abaladas pelos excessos da Câmara Federal, que além de quase instituir o macartismo no Brasil, acabou por confundir ainda mais os assuntos que deveria elucidar.

Uma CPI precisa se ocupar das causas sistêmicas e institucionais dos problemas; tratar de procedimentos que, mesmo não sendo ilegais, contribuíram para o desastre. Seu papel principal é o de propor mudanças na lei e nos regulamentos, e não o indiciamento de indivíduos por eventuais crimes cometidos. Isso cabe aos inquéritos da Justiça, que correm independentes e recebem, de qualquer forma, os resultados da CPI.

Apesar de ser um tribunal político, uma CPI não pode ignorar os direitos básicos de defesa e da presunção da inocência, caso contrário estará exercendo papel antieducativo, assim como não pode sobrepor a retórica aos laudos dos especialistas.

Segundo passo: analisar o contrato a preço fechado
Esta é primeira vez que o poder público contrata uma obra de grande porte a preço fechado no Brasil. Só esse detalhe já justifica que a CPI examine as implicações de um contrato desse tipo, nas condições brasileiras, de jure e de facto, especialmente do ponto de vista da segurança.

É preciso examinar as eventuais relações entre o contrato de construção a preço fechado com o consórcio Linha Amarela, e a Parceria Público Privada formada pelo governo estadual com o consórcio CCR para operar a linha amarela, já que duas das principais empreiteiras fazem parte dos dois consórcios (a Camargo Correa e a Andrade Gutierrez). Em especial, qual foi o cronograma desses contratos e como se deu a autorização para que a Andrade Gutierrez e a Camargo Correa entrassem no consórcio Linha Amarela numa etapa posterior à da licitação vencida.

No contrato de construção a preço fechado, o tempo parece ser o principal fator de redução de custos. Cada dia antecipado na entrega das chaves traz um ganho substancial para as empreiteiras, principalmente nos pagamentos às dezenas de empresas subcontratadas. Não nos espanta a relutância da Companhia do Metrô em entregar a íntegra os contratos à Promotoria Pública, apesar de sua insistência.

O contrato a preço fechado também induz ao menor rigor nas normas de segurança. Primeiro, porque cada regra a mais é um aumento de custo. Segundo, porque uma das razões desse tipo de contrato é justamente o desejo do poder público de não ter dor de cabeça com os problemas que sempre vão aparecendo numa obra de porte. Paga o preço combinado e quer a chave na mão no fim da obra. Trata-se de um tipo de contrato muito usado no exterior. Mas, em outros países, os controles sociais e técnicos são mais rigorosos.

Tudo indica que o controle da Companhia do Metrô resumia-se a acompanhar o ritmo da obra para sustar o pagamento caso estivesse muito lento, ou seja, também estimulava indiretamente a pressa e não a segurança ou a qualidade da obra. Examinar se o contrato previa auditoria externa independente ou não, se foram obedecidos todos os ritos de aprovação nas agências de controle, e se foram realizadas as audiências públicas.

A CPI precisa analisar como o contrato define as responsabilidades do poder público pela fiscalização e segurança. Nas negociações de indenizações, até agora, o poder público está ausente. Tudo se dá entre o consórcio e as vítimas. Onde está a responsabilidade do poder público? O contrato isenta o poder público de responsabilidades? Se isenta, como parece, isso é constitucional? Essa é uma questão central.

Terceiro passo: analisar os subcontratos com prestadores de serviços
O excesso de terceirização dilui cadeias de responsabilidade. A CPI precisa examinar se o contrato a preço fechado, que já é em si uma espécie de ‘metaterceirização’, proibia ou não a concessão de ‘bônus de desempenho’ nos subcontratos entre o consórcio Linha Amarela e suas fornecedoras e prestadoras de serviços. Por essa prática, muito comuns em grandes obras, os fornecedores e prestadores de serviço recebem uma fatia da economia conseguida com ganhos de tempo ou de material.

Se o contrato a preço fechado não proibia os bônus e eles foram concedidos, é preciso investigar as implicações dessa prática na segurança. Ela pode ter contribuído para o relaxamento de regras ou nas margens de segurança no dimensionamento das obras. Para isso, é preciso examinar também as dezenas de subcontratos.

Quarto passo: analisar as causas materiais da tragédia
Houve um erro de engenharia: de construção ou de material, ou um pouco de tudo isso. Em engenharia, se há um desastre, há uma causa, mas o mais provável é que esse desabamento tenha sido provocado não por um único fato, e sim por uma sucessão deles, que foram sendo ignorados ou negligenciados devido ao clima que se criou nessa obra.

Generosa, a natureza foi avisando dias antes que estava incomodada. Mas foi ignorada. Não foram as chuvas e nem a qualidade do solo que levaram à tragédia. Particularmente, no caso da linha 4 do metrô, tanto a geologia do local do desastre quanto a hidrologia eram muito conhecidas (nota 1). Ali foram removidas extensas camadas de aluvião para a construção dar marginais nos anos 70. Pouco distante do local, dois túneis atravessam o rio Pinheiros.

Quem falar de chuva ou do solo está querendo engabelar. Além disso, quaisquer que sejam as dificuldades do solo, a engenharia existe justamente para enfrentá-las. Caso contrário, não era precisa a engenharia. O que deve ser investigado é a qualidade dessa engenharia, a começar pela matriz específica das sondagens feitas para essa obra; qual foi o seu planejamento e como ele foi executado; houve economia de sondagens para ganhar tempo?

O Brasil está na vanguarda de engenharia de concreto. A empresa encarregada desse pedaço do projeto já varou madrugadas revendo todos os seus cálculos e está segura de que não errou. As estruturas cilíndricas adotadas são indestrutíveis quando bem dimensionadas. E o trecho que começou a ruir é justamente o do teto da futura estação, de diâmetro maior, portanto com estrutura mais forte e mais trabalhado do ponto de vista de engenharia. Mas é preciso que uma empresa independente também reveja os cálculos.

Foi contratado o IPT. Mas o IPT não é rigorosamente independente. Primeiro, porque executou serviços de caracterização geológica exatamente no trecho da linha 4 em que se deu o desastre (nota 2). Não é impossível que um dos erros esteja justamente nos seus serviços? Segundo, porque, apesar da indiscutível qualidade de seus técnicos e da sua tradição de rigor técnico, o IPT está quase na mesma situação das empresas subcontratadas pelas empreiteiras, pois parte substancial de sua receita vem de serviços para terceiros.

As informações indicam que os equipamentos de sensoriamento eram de última geração, de boa qualidade. Níveis de água precisam ser continuamente monitorados, e água bombeada para fora; deslocamentos de terra acompanhados. Tudo isso exige sintonia fina. É preciso rever se as leituras eram feitas com a freqüência necessária, interpretadas por pessoas qualificadas e, principalmente, levadas a sério no gerenciamento da obra. Já se sabe que as rachadoras nas residências próximas às futuras estações Pinheiros e Três Poderes não eram levadas muito a sério. Sente-se um traço de prepotência na forma como o Consórcio trata esses moradores.

É improvável que tenha havido negligência na qualidade do material, porque nessa obra o concreto é projetado manualmente, formando-se camadas como numa cebola e, por isso, tem que sair da usina com o grau de aderência correto. Mas esse grau de aderência era monitorado com a freqüência necessária? E não é impossível que, mesmo com bom controle de qualidade da aderência, tenha havido imperícia na aplicação manual das camadas de concreto.

A Folha de S. Paulo diz que o Metrô ocultou laudos de um desmoronamento anterior na linha 4, no qual o teto rachou porque estava menos espesso do que o previsto no projeto (nota 3). Não é impossível que, dado o ambiente da obra, de ganhar tempo, não se esperava o necessário à secagem de uma camada, antes de aplicar a seguinte. Quando a prioridade é o tempo e não a segurança, nada é impossível.


Notas
1) Segundo o engenheiro Álvaro Rodrigues dos Santos, mimeo, 25/01/07;
2) Folha de S. Paulo, 17/01/07;
3) Folha de S. Paulo, 17/01/07.

TRAGÉDIA NO METRO - POR QUE É PRECISO UMA CPI 1

TRAGÉDIA DO METRÔ

Por que é preciso uma CPI

Se os paulistanos não tiverem força para impor a CPI, carregarão para sempre uma parte da culpa. A tragédia foi o resultado do modelo de gestão atropelada da coisa publica implantado na era tucana e que se repetirá em outras obras, se não for feita esta CPI.

Bernardo Kucinski

I- A tragédia e suas circunstâncias políticas

Nossa mídia, tão zelosa do interesse público quando emulou e realimentou três CPIs contra o governo Lula durante quase dois anos, não está fazendo nenhuma questão de uma CPI do Metrô. Não só não a está pedindo, como relega o noticiário sobre a resistência dos tucanos à CPI a pequenas notas nas páginas internas do caderno de cidade. Será para preservar o governador Serra, ajudando-o a manter o controle das investigações? Ou para evitar uma visão crítica das Parcerias Público-Privadas?

Se os paulistanos não tiverem força para impor a CPI, carregarão para sempre uma parte da culpa. A tragédia não aconteceu por acaso e nem foi provocada pelas chuvas ou pelo solo. Foi o resultado do modelo de gestão atropelada da coisa publica implantado na era tucana e que se repetirá em outras obras, se não for feita esta CPI.

O Estadão recuou depois de perceber, nas suas primeiras reportagens, a pesada responsabilidade do tucanato pela tragédia e seus nexos com terceirizações, privatizações e parcerias publico privadas, tudo isso crias do neo-liberalismo. Na Folha, felizmente, a palavra de ordem de minimizar o caso não resistiu à sua vocação cri-cri e a um furo de reportagem. O jornal voltou à carga, embora com um viés mais policial do que político, revelando relações de negócio entre Marco Antonio, gerente da construção da linha 4 do Metrô, e uma das empreiteiras. O gerente diz que eram relações anteriores à sua função atual no metrô. Mas foi afastado. O presidente do Metrô , apavorado, faltou ao encontro com os deputados na Assembléia Legislativa, prometido em troca deles não aprovarem uma CPI. Serra não quer falar do assunto. Alckmin fugiu para os Estados Unidos.

Juntando as informações isoladas até agora obtidas pela imprensa, especialmente pela Folha, e depois de conversar com engenheiros que entendem de obras públicas, um deles diretamente ligado ao controle de qualidades dessas obras, já é possível lançar a hipótese de que a principal causa da tragédia que matou sete pessoas foi um ambiente de trabalho no qual a palavra de ordem era “a obra não pode parar “.

Não parar em nenhuma hipótese e não chamar a atenção para os problemas parece ter sido a cultura dessa obra desde o seu início. Daí a falta de um plano de emergência e defesa civil em caso de desastre, que exigira mobilização pública, chamando muito a atenção. Dai o minimalismo na abordagem das rachaduras nas casas que vinham acontecendo há meses. Daí a falta de acompanhamento externo autônomo. Daí a tragédia que não precisava ter acontecido.

Mesmo que o desabamento fosse inevitável a partir de certo momento por causa de erros antecedentes, as mortes eram evitáveis. Está comprovado que decorreram quase dois dias entre as primeiras advertências da mãe terra, de que ela estava sendo agredida além da conta, e o desabamento principal. E pelo menos dez minutos entre o início do desmoronamento e o seu final, sem que nenhuma sirene fosse tocada e nenhuma rua bloqueada.

Na noite da quarta feira, quase dois dias antes do desabamento, foram medidos rebaixamentos nas paredes da futura estação Pinheiros da ordem de 2,5 milímetros, ainda não alarmantes, mas suficientes para a convocação de uma reunião dos engenheiros no dia seguinte para discutir o que fazer. A norma em toda a obra de engenharia frente a um quadro de instabilidade é parar tudo até a situação estabilizar-se. Os engenheiros decidiram reforçar o túnel com tirantes. Mas a obra não parou e nem foi dado nenhum alerta. “Caso não haja uma situação catastrófica, a recomendação é que se vá em frente mesmo” , disse o engenheiro da Themag, Tarcísio Barreto Celestino (Estado de S. Paulo, 19/01/07). Na manhã seguinte, o dia da tragédia, houve grande extravasamento de lama do rio Pinheiros em direção à estação e aumento nas trincas da abóbada e nem assim os trabalhos foram suspensos. “Enquanto os operários faziam os furos para aplicar os tirantes, os instrumentos já apontavam 12 a 15 milímetros de recalque” (Estado de S. Paulo, 19/01/07). Essas informações foram confirmadas pelo relatório da Comissão Interna da Prevenção de Acidentes, publicado pela Folha (Folha de S.Paulo, 30/01/07). Mesmo assim, “novas detonações foram realizadas”, diz a Folha. Detonaram uma explosão,’as 8h22 da sexta, a apenas 10 metros do local crítico (Folha de S. Paulo, 30/01/07). Na tarde desse dia, ruiu tudo, enquanto as paredes ainda estavam sendo furadas para colocação dos tirantes de reforço.

Em nenhum momento a obra parou. O consórcio havia se acostumado a assumir riscos e esse era apenas mais um. Chamou muito a atenção dos engenheiros o valor elevado do seguro da obra (R$ 1,3 bilhões). Como se o consórcio tivesse desde o começo adotado uma estratégia de pagar um risco maior para poder assumir um risco maior. Seja para ganhar no tempo, seja para ganhar nos custos da perfuração, adotando o método das explosões na região em que houve o desabamento, em vez do tatuzão. A apólice cobre todos os riscos de engenharia, inclusive falhas de execução e erros no projeto. Isso não significa que o consórcio tenha deliberadamente aumentado os riscos, e sim que tinha consciência dos riscos elevados inerentes à estratégia adotada. Tudo isso precisa ser checado por uma CPI. Assim como a informação de que apesar do seu alto valor, a apólice de seguro reservava apenas R$ 20 milhões a indenizações de famílias prejudicadas (Folha de S. Paulo, 19/01/07).

Mas a tarefa mais importante e mais sutil da CPI é a de reconstituir o cenário de gestão da obra, especialmente as gestões de segurança e da qualidade técnica dos trabalhos e a cadeia de responsabilidades dessas gestões. O inquérito oficial encontrará muitas dificuldades. Não se admirem se nem o IPT e nem o Instituto de Criminalística, as duas equipes técnicas que estão investigando, chegarem a resultados definitivos. Não se espantem se os inquéritos culparem as chuvas ou o solo, ou seja, a mãe natureza. E por quê? Porque todas as empresas subcontratadas para a obra, assim como seus engenheiros, fixos ou autônomos, dependem das empreiteiras não só nessa obra, mas em outras em todo o país. Quanto à cúpula do tucanato que tomou as decisões de governo, a maioria é muito dependente dos financiamentos de campanha das empreiteiras. As empreiteiras são as maiores financiadoras de campanhas políticas. No Brasil, e no mundo. Também por isso é preciso uma CPI. Para chegar às razões estruturais do desastre: os nexos entre empreiteiras e financiamento de campanhas políticas.



Bernardo Kucinski, jornalista e professor da Universidade de São Paulo, é editor-associado da Carta Maior. É autor, entre outros, de “A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro” (1996) e “As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998” (2000).

O SOCIALISMO PETISTA - TEXTO PARA A TRIBUNA DE DEBATES DO CONGRESSO DO PT

Durante o século XX, a catástrofe bateu várias vezes às nossas portas: nas guerras mundiais, na ameaça de extermínio atômico, nas catástrofes ambientais, nos genocídios racistas. Foi a luta ideológica, política e social desenvolvida pela esquerda socialista, democrática e nacionalista que conseguiu impor limites à força destrutiva do capitalismo e evitar o pior.

A partir dos anos 1980, o capitalismo infligiu duras derrotas aos países em desenvolvimento, ao Estado de bem-estar social e aos países do chamado socialismo real. Liberto dos freios impostos pela esquerda, o capitalismo inaugurou um novo período histórico.

Nestes 25 anos de esmagadora hegemonia capitalista, o mundo teve menos paz, menos desenvolvimento, menos prosperidade, menos solidariedade, menos qualidade de vida, menos respeito ao meio-ambiente.

É claro que há vários países, movimentos sociais e partidos que seguem travando uma batalha contra as três principais características deste capitalismo: a truculência do imperialismo norte-americano, a predominância do capital financeiro e a ideologia neoliberal. Esta batalha é particularmente forte na América Latina. Mas o que predomina ainda é uma luta defensiva.

Não temos como saber por quais caminhos e em quanto tempo o capitalismo será derrotado. Mas é preciso definir, com clareza, a partir de que trincheira e com qual objetivo final nós travamos a luta contra ele.

O PT deve reafirmar que trava sua luta a partir de uma trincheira socialista, ou seja, faz uma crítica ao conjunto do status quo capitalista; e oferece uma alternativa de conjunto a este modo de produção baseado na exploração, na opressão e na desigualdade.

Há no PT quem não considere possível derrotar o capitalismo. Quem não consegue mais defender o projeto socialista, após o desmanche da URSS. Quem confunde socialismo com social-democracia.

Não se trata, é verdade, de um debate novo. A respeito dele, nosso Partido aprovou muitas resoluções, entre as quais se destaca um documento intitulado “O socialismo petista”, aprovado pelo 7º Encontro Nacional do Partido, em 1990. Este documento constitui um ponto de partida para a necessária reafirmação do PT como partido socialista, que busca aprender com as diferentes tradições da esquerda mundial e brasileira, mas sempre com o propósito de reafirmar seu compromisso anticapitalista.

Segundo “O socialismo petista”, esta “convicção anticapitalista, fruto da amarga experiência social brasileira, nos fez também críticos das propostas social-democratas. As correntes social-democratas não apresentam, hoje, nenhuma perspectiva real de superação histórica do capitalismo. Elas já acreditaram, equivocadamente, que a partir dos governos e instituições do Estado, sobretudo o Parlamento, sem a mobilização das massas pela base, seria possível chegar ao socialismo. Confiaram na neutralidade da máquina do Estado e na compatibilidade da eficiência capitalista com uma transição tranqüila para outra lógica econômica e social. Com o tempo, deixaram de acreditar, inclusive, na possibilidade de uma transição parlamentar ao socialismo e abandonaram, não a via parlamentar, mas o próprio socialismo. O diálogo crítico com tais correntes de massa é, com certeza, útil à luta dos trabalhadores em escala mundial. Todavia o seu projeto ideológico não corresponde à convicção anticapitalista nem aos objetivos emancipatórios do PT”.

Esse é um bom ponto de partida, para a reflexão que faremos no III Congresso do PT.



Valter Pomar
Secretário de relações internacionais do PT

O PAC E OS SERVIDORES

O PAC E OS SERVIDORES



Por Ismael César – Executiva da CUT/DF e da CONDSEF


O Programa de Aceleração do Crescimento, lançado pelo governo, limitando em 1,5% ao ano (descontada a inflação) o gasto com os servidores, parte de alguns pressupostos: que as distorções salariais no serviço público estão corrigidas; que as perdas inflacionárias de anos anteriores foram repostas; que o Plano de Carreira da categoria foi definitivamente implementado; que não precisa de novas contratações e o atual quadro de pessoal é o ideal.


Depois de ter implantado a Mesa Nacional de Negociação, um importante avanço para a relação de trabalho (patrão x empregado), o Governo Lula não obteve êxito neste seu primeiro mandato, para arrumar a casa. Em geral, o que era acordado na mesa, não era implantado. Os técnicos do Ministério do Planejamento, invariavelmente, vetavam os acordos. As Diretrizes do Plano de Carreira, que deveria ser apresentada em junho de 2005, até hoje não foram divulgadas. E deve-se ainda lembrar que, se é verdade que os servidores não tiveram perda nos últimos quatro anos, também é verdade, que não foi cumprido o compromisso em repor as perdas históricas e implantar a isonomia salarial entre os poderes.


Ou seja, pouco foi feito para dignificar a categoria, e avançar para a melhoria do serviço público. Um serviço público que, no caso do Brasil, tem um importante papel social a ser cumprido.
Estudos demonstram que, em 1995, os gastos da União com o folha de pagamento representava 56% da receita corrente liquida, já em 2004, esses gastos caíram para 30%. Soma-se a isto, a tenebrosa reforma administrativa de FHC, que retirou importantes direitos consagrados pela Constituinte de 1988. Entre os principais podemos destacar: a chamada reforma administrativa, operada por meio da Emenda Constitucional 19, que retirou o instituto do Regime Jurídico Único da Constituição e, com isso, transformou a 8.112 em mais um dos regimentos, sem o princípio de unificação que havia em 1988. Acrescenta-se a esse fato as duas reformas previdenciárias realizadas nos últimos sete anos. Tudo para cumprir as metas acertadas com o Fundo Monetário Internacional e outras instituições do gênero.


Colocar em um "pacote" governamental um tema tão importante como este é um verdadeiro desrespeito aos mecanismos criados pelo próprio governo, no caso, a Mesa Nacional de Negociação: é lá que deve ser debatido e resolvido toda e qualquer política salarial da categoria. A aprovação do projeto da forma que esta, destruiria qualquer processo de negociação coletiva, jogaria no lixo um instrumento novo e avançado de interlocução entre o governo e a categoria, sepultando de vez qualquer traço de relação democrática que diferenciava este governo dos anteriores.

Outro fator que precisa ser levado em consideração, diz respeito ao crescimento vegetativo da folha de pagamento: as vantagens de caráter pessoal dos servidores; os ganhos na passagem de um nível para outro, existentes em algumas carreiras; e os anuênios e quinquênios incorporados. Dados do próprio governo sinalizam que este crescimento vegetativo na folha, aumenta os gastos com pessoal em torno de 1% a 1,5% por ano. Ou seja, aplicado o que esta previsto no PAC, congelaria o salário da categoria pelos próximo dez anos.


Destinar recursos para os serviços públicos significa investimentos e não gastos. Para que o país cresça e tenhamos uma melhor qualidade de vida para o nosso povo, é preciso mais investimento do Estado.


Isto significa qualificar e remunerar com decência os trabalhadores do setor. Significa abrir novos concursos públicos para substituir os mais de 600 mil aposentados, e outros milhares de terceirizados. Significa aumentar os recursos para investir em: ciência e tecnologia, educação, urbanização, transporte, habitação, agricultura, e vários outros setores. Significa acabar com os contingenciamentos orçamentários, que não permitem que a máquina pública funcione a contento. Significa constituir uma política de formação e qualificação permanente do servidor, com investimentos adequados, para profissionalizar o quadro de pessoal na estatura necessária para enfrentar e responder as demandas colocadas ao serviço público, tendo como base a realidade social brasileira.


Somos a favor de um Programa de Aceleração do Crescimento, que defina metas de aumento do emprego formal no país; que mantenha e amplie os direitos trabalhistas; que garanta aos milhões de excluídos deste país o acesso a um serviço público de qualidade, público e universal. Os recursos para impulsionar esta política, aí estão. Basta acabar com o superávit primário ou diminuir as despesas financeiras que, segundo o orçamento de 2007, representará 63,76% de um orçamento que custará, aos cofres públicos 1.511,70 bilhões de reais.


Ismael José César

Diretor da CUT/DF e da Confederação dos Trabalhadores

no Serviço Público Federal – CONDSEF

PT: REAFIRMAÇÃO OU REFUNDAÇÃO

PT: REAFIRMAÇÃO OU REFUNDAÇÃO

Flávio Loureiro e Marcel Frison

Uma das tarefas que nos propomos no III Congresso do PT é constituir uma
hegemonia de esquerda no partido. Para tanto, é preciso tempo e acúmulo
político e social. Isso faz parte da disputa política e nenhuma hegemonia
se instala de forma imediata.

A velha Articulação Unidade na Luta, metamorfoseada em "Campo Majoritário",
levou praticamente dez anos para alterar profundamente um conjunto de
valores que faziam parte do que se chamaria de "ideologia" petista,
construída, em especial, após o V Encontro Nacional, em parte, reafirmadas
no VII Encontro, no I Congresso e no VIII Encontro Nacional.

Mas será que alterou totalmente? Será que destruiu de forma definitiva os
pilares que edificaram o PT, seu caráter socialista, classista,
revolucionário e democrático?

Este é um dilema que permeia o debate sobre a "refundação" ou não do PT.
Neste tema, o movimento que fazem a tendência Democracia Socialista e o
ministro Tarso Genro, através do documento "Mensagem ao partido", guardam
no mínimo ambiguidades.

A primeira afirma a refundação, numa perspectiva de conduzir o partido à
esquerda, pressupondo a falência total dos paradigmas originais do partido
(ou quase isto).

Já Tarso Genro parte da mesma premissa e de outra muito perigosa, a de que
faliram os paradigmas que se formaram a partir da história da luta de
classes do século 19, até agora. E tenta construir outros paradigmas
modernos (ou pós-modernos) à luz das profundas mudanças (e reais) ocorridas
no mundo.

A refundação de Tarso, e ele muitas vezes é claro nesse debate, pressupõe a
negação do passado e a construção de um PT totalmente novo, alicerçado
naquilo que afirma ser uma visão realista do que seja o PT e as
possibilidades concretas de uma política de esquerda no mundo atual.


Avaliamos que, embora o serviço realizado ao longo dos quinze anos de
hegemonia do campo ex-majoritário, sob a batuta de José Dirceu, seja muito
profundo, e os desvios éticos e políticos são suas conseqüências mais
tangíveis, o PT, perante a classe trabalhadora e o povo brasileiro, não se
descaracterizou por completo, não perdeu suas raízes, não perdeu seu
sentido histórico.

A força e a esperança da sua recuperação, de forma dialética, está nos seus
pilares fundamentais. Pilares que permanecem, por que permanecem, mesmo
levando-se em consideração as mudanças globais, os elementos estruturais e
as contradições da sociedade brasileira que levaram à sua fundação.


E se há base concreta nessa reflexão, que pode ser simplista e limitada
perante as tarefas que se colocam para a realização dessa reafirmação dos
valores fundantes do PT, é possível constituir uma hegemonia de esquerda no
partido, que não será igual a do passado, tampouco será o nosso "programa
máximo".


Porém, é claro, no curto prazo, esta é uma hipótese, um cenário entre
tantos que se desenham para o III Congresso do PT, e por isto mesmo o
posicionamento à esquerda, e a apresentação clara do ideário geralmente
identificado com a "esquerda petista", mas na verdade compartilhado por
muito mais gente, é correto estrategicamente.

Do contrário, o resultado seria uma geléia geral que fatalmente conduziria
o partido e a sua militância, a um mero acordo de governabilidade interna.
O erro que muitas vezes foi cometido, de subverter os interesses
estratégicos aos táticos, não pode ser cometido neste momento de debate de
idéias.


Contudo, não se constrói uma tática sem levar em consideração que os outros
jogam, que implementam seus movimentos táticos, é neste terreno que, na
nossa modesta opinião, essa reflexão precisa ser aprofundada.

Como evitar a construção de um novo centro de direção política no partido,
calcado no pragmatismo e diluído política e ideologicamente, como foi o
campo ex-majoritário?

Na opinião da Articulação de Esquerda, o primeiro passo é disputar o
próprio caráter do III Congresso, não como instrumento mágico capaz de
"curar as feridas" ou "reafirmar os valores éticos do petismo", mas sim
como momento de reconquista do PT pela classe trabalhadora, de reafirmação
dos seus paradigmas fundantes, de recondução ao seu papel histórico e de
reafirmação de seu caráter socialista.

Disputar um III Congresso à quente, elevando ao máximo a sua politização e
polarizar política e teoricamente o PT. Afinal de contas, a esperança é
vermelha.

>Flávio Loureiro, membro suplente do Diretório Nacional
>Marcel Frison, do Diretório Nacional do PT