Monday, May 14, 2007

EM DIREÇÃO AO CENTRO

Em direção ao centro

(a versão completa deste texto pode ser solicitada para vpomar@hotmail.com)



“Refundação”, “valores republicanos” e “revolução democrática”: estas são as mais destacadas contribuições da tese “Mensagem ao Partido”.

A “refundação” provocou tanta celeuma, que os signatários da “Mensagem” não a incluíram na versão inscrita oficialmente para os debates do 3º Congresso. Os “valores republicanos” não provocaram igual celeuma, mas tampouco viraram sucesso de crítica e público. Já a “revolução democrática” parece agradar quase todos os gostos: radical o suficiente (“revolução”), mas sem perder a ternura (“democrática”) jamais.

Por trás do que muitas vezes é tratado como mero slogan, existe uma visão acerca de qual deve ser a estratégia do PT. Visão que busca solucionar um problema anunciado, mas não resolvido, pela tese “Construindo um Novo Brasil”, a saber: como combinar um programa de desenvolvimento do capitalismo com uma estratégia socialista, sem cair na social-democracia?

A revolução brasileira

Segundo a “Mensagem ao Partido”, o segundo governo Lula teria o “potencial” de “começar a efetivar mais plenamente a revolução democrática no Brasil”. Ou seja: a revolução democrática seria um processo real, que já estaria em curso, cabendo ao governo Lula efetivá-lo “mais plenamente”.

Esta abordagem mostra que os autores da “Mensagem” adotam um padrão de análise muito comum na esquerda brasileira dos anos 1960, qual seja: o de considerar que estaria em curso um processo objetivo chamado de “revolução brasileira”, cabendo a esquerda dirigi-lo de maneira conseqüente e vitoriosa.

Ao denominar como “revolução” o processo histórico então em curso, aquela abordagem confundia as mudanças sociais profundas, causadas pelo processo de desenvolvimento capitalista ocorrido no Brasil, com um processo revolucionário.

Esta confusão era motivada, em alguns casos, pelo duplo sentido do termo “revolução”. Geralmente consideramos “revolução” um processo de curta duração e eminentemente político, no qual o poder passa de uma classe social para outra.

Mas o termo “revolução” pode designar, também, um processo de longa duração, no qual a sociedade se transforma profundamente, mas sem que as classes dominantes sejam substituídas abruptamente do (ou ameaçadas de perder o) poder político.

Os dois processos estão presentes e vinculados no processo histórico de cada país. Longos períodos de “revolução no sentido amplo” preparam curtos períodos de “revolução no sentido estrito” da palavra, que por sua vez abrem novos períodos de “revolução no sentido amplo”.

Para evitar a confusão, talvez fosse mais adequado utilizar os termos evolução e revolução. Afinal, se o processo “normal” de desenvolvimento é denominado de “revolução”, então a luta por reformas passa a ser enxergada como se tivesse, em si mesma, um conteúdo também revolucionário (no sentido estrito da palavra).

Noutras palavras, algumas pessoas começam a achar que a luta por reformas democráticas seria capaz de resolver o problema que, na história, só as revoluções no sentido estrito conseguiram resolver: transferir o poder de uma classe social para outra classe social.

Democracia política e revolução social

Como muitos conceitos, o de “revolução democrática” é polissêmico. Há dois sentidos mais usuais: o de revolução democrático-burguesa e o de democratização radical.

Os signatários da “Mensagem ao Partido” não levam em conta o primeiro sentido. O que a “Mensagem” chama de revolução democrática coincide, em larga medida, com a idéia da “democratização radical”.

O debate sobre as relações entre revolução democrático-burguesa, democracia radical e socialismo é tão antigo quanto o próprio movimento socialista. O mesmo pode ser dito sobre o grande debate sobre “reforma ou revolução”. Que no fundo diz respeito a como combinar a luta por reivindicações democráticas e sociais, que visam melhorar aqui e agora as condições de vida das classes trabalhadoras, com a luta por revolucionar o capitalismo e criar uma sociedade socialista.

Trata-se de um debate muito complexo, inclusive porque sua solução no terreno teórico não o soluciona do ponto de vista prático. Noutras palavras: as revoluções, as crises e situações revolucionárias, são fenômenos raros. O que cria uma situação muito difícil para todos os partidos que se pretendem revolucionários: como participar da vida política cotidiana (ou seja, da luta por reformas), sem cair no “reformismo”.

É nesses marcos que devemos apreciar a seguinte passagem da “Mensagem ao Partido”: “uma experiência de transição democrática ao socialismo é inédita na história da humanidade”. Podemos deduzir, portanto, que teria havido transições não-democráticas ao socialismo. E o que caracterizaria estas “transições não-democráticas”? Seria a violência revolucionária?

Se esta hipótese estiver correta, o conceito de “democracia” esposado pela “Mensagem” excluiria, por definição, a democracia revolucionária. E seu conceito de “revolução” excluiria a violência revolucionária.

Nesta questão, como em outras, a “Mensagem ao Partido” se aproxima bastante das preocupações da tese “Construindo um novo Brasil”, para quem “a superação do capitalismo não se dará pela via da ruptura violenta”.

Esfera pública e “revolução democrática”

A “Mensagem” considera que o sentido “nuclear e unificador” da revolução democrática estaria na “construção da esfera pública”, que supõe um ataque em três “frentes combinadas”: “o aprofundamento da democracia e da universalização das funções do Estado brasileiro”, “a construção de novas formas de controle e regulação da atividade econômica” e “a construção de áreas mistas de atuação entre o Estado e a sociedade civil organizada”.

Ninguém pode ser contra a adoção de medidas de democratização política, de políticas públicas universais ou de ações que limitem os danos causados pelo “livre mercado”. A questão é saber que lugar estas medidas ocupam numa estratégia de luta pelo socialismo.

Neste particular, a “Mensagem” não explica como, através destas medidas, será possível ampliar a esfera pública, até transformar o Estado hoje pró-burguês, num Estado que “aponte um rumo claramente anti-capitalista”. E, principalmente, a “Mensagem” não esclarece como seria possível fazer isso, sem algum tipo de ruptura, sem violência, sem revolução.

Será possível universalizar plenamente a cidadania, sem provocar uma “reação conservadora” por parte das classes dominantes? O processo de ampliação dos direitos econômicos e sociais exigirá ou não, em algum momento, para ter continuidade, um processo de ruptura?

Curiosamente, a “Mensagem” ao Partido não chama, em apoio a suas teses, o processo atualmente em curso na Venezuela, na Bolívia e no Equador. Tampouco faz referência ao que se passou no Chile, onde se tentou fazer uma transição ao socialismo nos marcos da democracia eleitoral.

A ausência de citação é compreensível (pois a realidade não valida várias das teses da “Mensagem”), mas não deixa de ser chocante, particularmente no caso do Chile. Afinal, há um evidente parentesco entre a “área de propriedade social” defendida pela Unidade Popular e a “economia do setor público [como] o caminho histórico da transição democrática para o socialismo”, tal como é defendido pela “Mensagem”.

O estudo das experiências citadas mostra, em primeiro lugar, que as medidas propostas pela “Mensagem” (subordinação do Banco Central ao presidente da República, sistema de financiamento de longo prazo da economia, ampliação do Conselho Monetário Nacional, o Estado como indutor do desenvolvimento, uma revolução na educação e a construção de um sistema nacional de inovações, entre outras) são absolutamente insuficientes para constituir um setor público capaz de enfrentar as grandes corporações privadas e os grandes Estados capitalistas.

Tal estudo mostra, em segundo lugar, que a mudança na estrutura de propriedade e de comando da economia é fundamental para o sucesso de médio e longo prazo de uma revolução. Mas, no curto prazo, problemas econômicos podem dar combustível para a reação, mas não são suficientes para viabilizar um golpe. Nesse particular, o fundamental é o controle dos meios de comunicação, das forças armadas, do legislativo, do judiciário, da burocracia estatal e, é claro, o apoio de grandes potências.

A “Mensagem” parece sustentar outro ponto de vista. A tese diz que devemos ter “a determinação de realizar as mudanças que forem objeto de claro apoio majoritário na sociedade, fruto de consensos amplos, respeitando sempre os direitos políticos das minorias”.

Posto nestes termos, qualquer mudança polêmica é inviabilizada de antemão. Se o “apoio majoritário” tem que ser combinado com “consensos amplos”, o ritmo da marcha será dado pelos setores mais atrasados, mais conservadores, mais reacionários.

Talvez por isto, a “Mensagem” adote um tom braudeliano, de longa duração, ao falar que a “imaginação da revolução democrática deve ser capaz de construir toda uma era de mudanças”. Um tempo “não linear”, incluindo até mesmo “governos de forças políticas externas à coalizão que sustenta a revolução democrática”.

Apesar dos recuos e descontinuidades que reconhece inevitáveis, a “Mensagem” parece achar que ao fim e ao cabo nossa vitória está garantida. Sem rupturas, é claro. Neste sentido, o problema central da “Mensagem”, quando fala da “dinâmica da revolução”, é teleológico. É como se acreditassem que, ocorra o que ocorrer, a revolução democrática seguirá seu curso, pois o Brasil caminha em direção ao progresso, à democracia e ao socialismo.

No final do século XIX, este fatalismo era típico da social-democracia alemã. Como o socialismo era inevitável, o reformismo era a política mais recomendável. Todos sabemos no que deu.

Revolução democrática e sociedade de classes

Alguns signatários da “Mensagem” acreditam que a “revolução democrática” seria nosso caminho para o socialismo.

Não é o que se deduz de várias passagens da tese, nem tampouco da esclarecedora entrevista que Tarso Genro concedeu ao jornalista Otávio Cabral (revista Veja, 28/3/2007), em que ele ataca a proposta de que o “presidente da República possa fazer consultas plebiscitárias diretas à população, sem passar pelo Congresso”, afirma que falar do caráter de classes do Estado é “ranço ideológico” e defende que “a democracia tem de admitir uma desigualdade social relativa, senão ela não será democracia”.

Nessa entrevista, Tarso Genro afirma que “a grande utopia da revolução democrática do Brasil é fazer com que as pessoas pertençam às classes sociais, e não que sejam destituídas de classes sociais. Temos de reestruturar a sociedade de classe. As pessoas têm de ter o sentimento de pertencer às classes sociais porque assim elas participam de um diálogo de coesão. Isso é que dá estabilidade e força à democracia”. O raciocínio de Tarso Genro é claramente social-democrata.

Opinião diferente é apresentada no texto “Por que revolução democrática?”, assinado por Juarez Guimarães e Carlos Henrique Árabe, dirigentes da tendência Democracia Socialista. Neste artigo, se afirma que “a noção de que estamos inseridos em uma revolução democrática no atual período histórico supera, pela base, uma visão etapista que limita os horizontes do PT ao imediatamente possível e adia para um futuro indeterminado as dimensões socialistas da experiência de governar o Brasil.”

É evidente que os signatários da “Mensagem” não acreditam que haja uma etapa “democrática” separada e anterior a uma etapa “socialista”. Acontece que a “Mensagem” pretende superar o etapismo, eliminando a revolução. Dito de outra forma, a “Mensagem” exagera as continuidades e subestima as descontinuidades que existem entre o que denomina de “revolução democrática” (e que nós chamamos de luta por reformas estruturais democrático-populares) e aquilo que se convencionou chamar de “revolução socialista”.

Para não limitar “os horizontes do PT ao imediatamente possível” e para não adiar “para um futuro indeterminado as dimensões socialistas da experiência de governar o Brasil”, os signatários da “Mensagem” dão “conteúdo socialista” a medidas de caráter democrático.

Assim, medidas como o OP ganham um potencial que a experiência prática já desmentiu. A “republicanização” do país torna-se uma batalha épica. E caso isto tudo não seja suficiente, trata-se de rebaixar programaticamente o socialismo, pois assim ele se torna mais próximo da dura realidade de um governo de centro-esquerda.

Neste sentido, o modelo estratégico da “Mensagem” não é etapista, nem tampouco revolucionário: é processual. Ou, como diriam os antigos, reformista. Dependendo do trecho da tese (e também do signatário), soa como um reformismo socialista ou um reformismo social-democrata. Neste sentido, a “revolução democrática” é inferior ao que o PT já produziu, em termos estratégicos, nos anos 1980.



Valter Pomar

A ESPERANÇA É VERMELHA - TESE RESUMIDA

A esperança é vermelha


2007 e os próximos anos: abrir uma nova época na história do Brasil

Entre dezembro de 1998 e dezembro de 2006, foram eleitos e em alguns casos reeleitos Hugo Chávez, Lula, Tabaré Vazquez, Evo Morales, Daniel Ortega, Rafael Correa, Néstor Kirchner, Michele Bachelet e René Preval. Esta coincidência de vários governos de esquerda e progressistas na América Latina constitui a grande novidade da situação atual nesta região do mundo.

A construção do pós-neoliberalismo é um enorme desafio para a esquerda latino-americana. Trata-se de alterar o padrão/modelo de desenvolvimento vigente há décadas, construindo no seu lugar um novo padrão em que o crescimento econômico se articule com democracia, superação da dependência e da desigualdade. Muito além de “destravar o crescimento”, o PT quer abrir um novo ciclo histórico, que deixe para trás o neoliberalismo e o desenvolvimentismo conservador.

O segundo mandato de Lula

Em 2006, a reeleição de Lula e o resultado geral colhido nas urnas criaram uma conjuntura mais favorável. Vencemos por diversos motivos: a memória negativa deixada pelos governos neoliberais; os erros políticos cometidos por nossos adversários; as realizações do governo Lula; a força da militância petista e dos setores populares; a linha de campanha adotada no 2º turno. Obtivemos uma vitória eleitoral, uma vitória sobre a mídia, uma vitória partidária e uma vitória político-ideológica. Mas tais vitórias não anistiam nossos erros, nem eliminam as imensas dificuldades e riscos que seguem existindo.

Nosso principal objetivo para o período 2007-2010 é fazer do segundo mandato de Lula um momento de consolidação das bases de um ciclo longo de desenvolvimento democrático-popular para o Brasil.

O segundo mandato começa em condições melhores do que o primeiro: conjuntura internacional mais favorável; correlação de forças nacional melhor; situação econômica melhor; e a esquerda adquiriu experiência ao longo de quatro anos.

Cabe agora fazer com que a linha do 2º turno prevaleça no segundo mandato, com uma política econômica que combine crescimento com forte distribuição de renda; com medidas que democratizem a política e a comunicação; constituindo de fato o Ministério da Defesa; transitando da política compensatória para as políticas sociais permanentes, e destas para as grandes reformas estruturais; ampliando as políticas de governo que promovam a igualdade racial, de gênero e a livre orientação sexual; defendendo a soberania nacional com ênfase na integração continental.

A construção de um novo bloco social hegemônico

Nosso programa, para se tornar realidade, deve ser conscientemente abraçado pelos setores majoritários na sociedade brasileira. Um dos instrumentos para isto é a divulgação massiva e a luta constante por um programa de reformas democrático-populares, programa que sistematiza as reivindicações dos trabalhadores urbanos e rurais e dos setores médios aliados, organizando-as com o sentido de alterar as estruturas da sociedade brasileira, num rumo antimonopolista, antilatifundiário e antiimperialista.

Reforma urbana

Hoje, mais de 80% da população mora nas cidades. Cresce a segregação territorial. Cresce o número de favelas. 12 milhões de domicílios têm carência de ao menos um dos serviços básicos de infra-estrutura (iluminação pública, redes de abastecimento de água e coleta de esgoto, coleta de lixo). A escalada da violência urbana e a crise da segurança pública ajudam a compor o dramático quadro da vida nas cidades brasileiras.

A reforma urbana demanda investimentos estatais massivos em habitação popular e saneamento básico, grandes obras públicas de infra-estrutura e equipamentos sociais nas periferias das grandes e médias cidades.

A população é diretamente atingida pelas altas tarifas de água, energia elétrica e telefonia. É necessário colocar em debate a defesa da reestatização das empresas que fornecem estes serviços. Igual destaque deve ter a luta contra os monopólios privados do transporte urbano.

Reforma agrária

Reforma agrária pressupõe desconcentrar a propriedade da terra, alterando a estrutura fundiária que atualmente mantém 46,8% da área registrada nas mãos de 1,6% dos proprietários, e tornar produtivos os 133 milhões de hectares de terras improdutivas. Imóveis rurais que não cumprem a função social precisam ser destinados à reforma agrária. Temos que superar a hegemonia do agro-negócio e constituir um novo modelo, assentado na democratização do acesso a terra, na sustentabilidade ambiental, na produção para o mercado interno e no fortalecimento da agricultura familiar.

Reforma da educação

Defendemos a educação como um direito universal, garantido pelo Estado com recursos públicos. De 1995 a 2005 os investimentos na educação significaram menos de 5% do PIB. Uma verdadeira reforma da educação pública brasileira exige o crescimento gradativo dos investimentos em relação ao PIB, fixando em 7% o patamar mínimo inicial.

O PT defende uma reforma universitária que promova alterações profundas no modelo implantado no Brasil. Os trabalhadores, seus filhos e filhas, devem ter acesso à educação de excelência, que só pode ser oferecida pelas instituições que não estão submetidas à lógica do mercado. Assim, é necessário que o ProUni seja pensado como medida emergencial, de caráter transitório, a ser substituída por políticas de inclusão das camadas menos favorecidas da população nas universidades públicas.

Defender e ampliar o SUS

O PT defende o Sistema Único de Saúde como política pública universal, essencial para a promoção, proteção e recuperação da saúde e defesa da vida de todas as pessoas.

Democratizar a mídia

A comunicação no Brasil é caracterizada por extremo oligopólio, no qual apenas seis redes nacionais detêm 80% de todas as emissoras de Rádio e TV. Este quadro é sustentado por uma legislação da década de 60 e afronta os preceitos constitucionais que proíbem o monopólio, estabelecem como finalidades do conteúdo transmitido a informação e a cultura e prevêem a existência de sistemas público e estatal, para além do privado.

A democratização da mídia passa pela criação de um novo modelo institucional a partir da regulamentação destes artigos da Constituição e pela criação e fortalecimento dos sistemas público e estatal como contraponto aos veículos comerciais. Estas mudanças devem atender às exigências de um cenário marcado pela convergência digital e ser baseada na noção da comunicação como um direito.

Reforma política

É preciso debater e buscar aprovar medidas sobre temas como a convocação, pelo presidente da República, de plebiscitos para decidir questões de grande alcance nacional; Orçamento Participativo; fim da reeleição para todos os cargos majoritários a partir das próximas eleições. A reforma política deve ser feita por uma Constituinte livre, soberana e democrática.

De imediato, trabalhemos para fazer aprovar as questões aparentemente consensuais: fidelidade partidária, financiamento público, voto em lista, fim das coligações em eleições proporcionais; e impedir a introdução de voto distrital e voto facultativo, de sentido conservador.

O PAC e a mudança da política econômica

Ao PT cabe travar a disputa para que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) seja de fato um instrumento de retomada do crescimento e de combate às desigualdades, sociais e regionais.

O PAC causou um impacto político e ideológico importante, sendo atacado pela direita, que o criticou por não incluir o que eles consideram o nó górdio dos problemas brasileiros: a reforma trabalhista e a reforma da previdência.

Por outro lado, a resistência do BC e iniciativas como a mal-posta defesa da regulamentação da greve do funcionalismo público mostram como persistem núcleos conservadores no governo.

A concordância com a embocadura geral do plano não implica em concordância com todas e cada uma de suas medidas. É necessário debater temas como o endividamento dos estados, o superávit primário, a política de concessões ao capital privado, o impacto sobre o meio ambiente, especialmente na Amazônia, a política salarial do funcionalismo público.

Defendemos a redução substancial nas metas de superávit primário, liberando recursos hoje destinados ao pagamento da dívida pública para ampliar os investimentos públicos em infra-estrutura e sociais, inclusive um plano emergencial de obras públicas nas grandes cidades.

Defendemos a redução acelerada nas taxas de juros, a alteração nas instituições de política econômica, democratizando a composição do CMN, do Copom e do Banco Central, a instituição do controle de capitais.

Defendemos a extinção da Desvinculação dos Recursos da União (DRU), tornando possível a ampliação dos investimentos nas áreas sociais e garantindo os percentuais de aplicação de recursos orçamentários previstos na CF para saúde e educação, elevando o financiamento desta dos atuais 4% para 7% do PIB, retirando o veto de FHC a esta meta.

Defendemos a ampliação do valor real do salário mínimo e das aposentadorias. E, finalmente, a substituição da Lei de Responsabilidade Fiscal por uma Lei de Responsabilidade Social.

Eleições de 2008 e 2010

As eleições municipais de 2008 constituirão um momento de acúmulo de forças para a disputa presidencial. O PT deve construir um Grupo de Trabalho que produzirá e submeterá à deliberação da militância uma política nacional, visando vencer as eleições municipais, e criar condições para a construção de uma candidatura presidencial vitoriosa para 2010.

Relações entre governo e partido

Ao defender o governo, o Partido não se confunde com ele. O PT é o defensor de um projeto histórico de transformação, que não pode estar submetido às imposições momentâneas da correlação de forças, e deve resguardar a sua autonomia frente a todo e qualquer governo que conquista. Autonomia é solidariedade, pois, mesmo não se confundindo com o governo, dele o Partido faz parte. Mas tem posição própria e sempre que necessário virá a público externá-la, de maneira crítica e autocrítica.

Balanço do primeiro mandato

Em 2002, chegamos à Presidência numa conjuntura internacional adversa, numa correlação de forças interna difícil e em coligação com setores da burguesia, partidos de centro-esquerda e de direita.

Os conservadores seguiram hegemônicos nos governos estaduais e prefeituras, nos legislativos e no judiciário, além de manterem intacto seu poder econômico e o controle dos grandes meios de comunicação. Portanto, chegamos ao governo, mas não ao poder, num contexto em que o neoliberalismo sofria uma derrota eleitoral, mas seguia hegemônico no Brasil e no mundo.

Atuando em condições muito difíceis, o PT não teve êxito em articular adequadamente as alianças estratégicas, as alianças táticas e os acordos pontuais necessários. Entre os erros do Partido e do governo, destacamos:

a)uma estratégia geral de conciliação de classes e coexistência pacífica com a hegemonia neoliberal;

b)uma política de “governabilidade institucional”, baseada principalmente na construção de maiorias congressuais, subestimando o caráter estratégico da “governabilidade social”;

c)uma política econômica que não tocou na hegemonia do capital financeiro, mantendo altas taxas de juros e superávit primário, priorizando o serviço das dívidas públicas e contingenciando pesadamente o orçamento da União;

d)a continuidade da influência neoliberal em importantes setores do governo, provocando erros como o da reforma da previdência, que dividiu nossa base social, pondo a perder o momento em que poderíamos unificar esta base na execução de reformas populares;

e)a não realização de reformas estruturais que garantissem a universalização de direitos;

f)uma política de comunicação tradicional;

g)a transformação do Partido em correia de transmissão do governo;

h)a adoção de uma política de financiamento similar à vigente nos partidos tradicionais.

Este conjunto de erros resultou, em grande medida, da chamada “política de centro-esquerda”. E, também, da avaliação de que não havia condições políticas para a implementação imediata de nosso programa de governo. Este equívoco resultou na perda da “inércia positiva” da vitória eleitoral e do entusiasmo em torno das possíveis mudanças.

A “coexistência pacífica” na transição de FHC para Lula abriu caminho para o esgarçamento das relações do governo com setores de sua base popular, com as camadas médias e a intelectualidade progressista. Por outro lado, não se consumou nenhuma aliança estável com setores da burguesia que, em tese, “aceitariam” o governo Lula. A ilusão de que tal fato poderia vir a ocorrer desarmou política e ideologicamente o PT e o governo, contribuindo para a crise de 2005. O sucesso do 2º mandato supõe, por isto, reafirmar nosso projeto estratégico.


O SOCIALISMO PETISTA

O PT trava sua luta a partir de uma trincheira socialista, ou seja, fazemos uma crítica global e oferecemos uma alternativa de conjunto a este modo de produção baseado na exploração, na opressão e na desigualdade.

Nossa defesa do socialismo baseia-se na crítica ao capitalismo: a destruição ambiental, a barbárie social, as guerras, a incompatibilidade cada vez maior entre o capitalismo e as liberdades democráticas são alguns dos motivos que tornam urgente a luta e a construção do socialismo.

Defendemos o socialismo como alternativa tanto aos grandes problemas da humanidade quanto aos grandes dilemas do Brasil. O programa do PT enfrenta a desigualdade, a democracia restrita e a dependência externa, a partir de uma perspectiva socialista que incorpora a luta das mulheres, as questões da juventude, raciais e étnicas, feministas e de livre orientação sexual, do meio ambiente, dos indígenas, entre outras. O PT está comprometido com o combate à homofobia e com a promoção de políticas públicas que incentivem o respeito à diversidade sexual e às pessoas com deficiência.

A nova sociedade que lutamos para construir deverá ter entre seus traços distintivos:

— A mais profunda democratização, o que supõe democracia social; pluralidade ideológica, cultural e religiosa; igualdade de gênero, igualdade racial e liberdade de orientação sexual e identidade de gênero.

— Ampliar as liberdades democráticas duramente conquistadas pelos trabalhadores na sociedade capitalista. Liberdade de opinião, de manifestação, de organização civil e político-partidária e a criação de novos mecanismos institucionais que combinem democracia representativa e instrumentos de democracia direta, garantida a participação popular nos vários níveis de direção do processo político e da gestão econômica.

— Defesa da autodeterminação dos povos, valorizando a ação internacionalista no combate a todas as formas de exploração e opressão.

— Um planejamento democrático e ambientalmente orientado, que compreenda a economia como meio de atender as necessidades presentes e futuras do conjunto da humanidade;

— A propriedade pública dos grandes meios de produção, uma vez que as riquezas da humanidade são criação coletiva, histórica e social, de toda a humanidade. Não haverá democracia enquanto algumas centenas de grandes empresas controlarem a riqueza e o poder político no mundo. O socialismo que almejamos deverá organizar-se, portanto, a partir da propriedade social dos grandes meios de produção, que não confundimos com propriedade estatal.

Socialismo e estratégia democrático-popular

A partir desta definição do socialismo, o PT deve elaborar uma estratégia adequada ao atual período histórico.

A estratégia que adotamos na primeira década de vida do Partido foi sistematizada por dois encontros nacionais: o 5º (1987) e o 6º (1989). O programa democrático-popular detalha os objetivos da luta pela igualdade social, pela democratização política e pela soberania nacional, articulando as tarefas antilatifundiárias, antimonopolistas e antiimperialistas com a luta pelo socialismo.

A estratégia democrático-popular adotada nos anos 80 foi substituída nos anos 90 pela “política de centro-esquerda”, que orientou a ação do PT desde 1995 até a eleição de Lula, em 2002.

Nos anos 1990, setores do PT passaram a defender uma aliança com o setor “produtivo” do Capital, contra o setor neoliberal e financeiro, deixando para depois os objetivos democrático-populares e socialistas. Ocorre que a grande burguesia aderiu ao neoliberalismo, está imbricada com o capital financeiro e aceita a condição de sócia menor do capital internacional.

A política de centro-esquerda transformou concessões táticas, muitas vezes desnecessárias e inaceitáveis, em objetivos estratégicos que se demonstraram contraditórios com nosso programa. Um exemplo disso é o compromisso com o capital financeiro. Na “Carta aos Brasileiros”, o PT foi convocado a defender uma política de juros altos, superávit primário e prioridade para o pagamento das dívidas financeiras.

Hoje, atravessamos um novo momento, que exige do PT e de todas as forças socialistas e democráticas uma ação mais audaz e rigorosa. Trata-se de recuperar a elaboração construída nos anos 1980, adequando a estratégia do PT a um novo período histórico. Pois até mesmo para dirigir um governo de centro-esquerda, o PT precisa ter uma estratégia de esquerda.



CONSTRUIR UM PARTIDO SOCIALISTA DE MASSAS

A crise de 2005 e o resultado do PED abriram um período de transição na vida do Partido. Eleita num momento de transição, a direção escolhida no PED de 2005 é também uma direção de transição, responsável por defender o PT, conduzir o processo eleitoral, estabelecer uma relação de novo tipo com o segundo mandato de Lula e organizar o 3º Congresso.

A direção funcionou relativamente bem, até o momento em que as pesquisas começaram a sugerir que Lula poderia ser eleito no 1º turno. Deste momento em diante, algumas práticas da direção anterior voltaram a se fazer presentes, entre elas a centralização das decisões, criando o ambiente propício à ocorrência do episódio do “dossiê”.

O episódio do dossiê e os precedentes não constituem um problema estritamente “ético”. Os episódios que minaram a credibilidade do PT em parcelas importantes de nossa base social são a manifestação mais aparente das conseqüências nefastas de uma concepção política que abandona objetivos estratégicos em nome de objetivos imediatos, que confunde política de alianças com promiscuidade com setores da burguesia, que encara a luta político-social como disputa de aparelhos, que confunde acúmulo de forças com acúmulo de cargos.

Se o PT quiser sobreviver como organização política de esquerda e militante, precisa fazer um severo “ajuste de contas” com as concepções políticas e com as práticas deste grupo, que teve em José Dirceu e Antonio Palocci duas de suas principais, mas não únicas expressões.

O próximo PED

Defendemos que a atual direção nacional do PT proponha ao 3º Congresso o encurtamento do mandato das atuais direções, com novas eleições, em todos os níveis; e que o 3º Congresso convoque o PED para 15 de novembro de 2007, garantido o pleno cumprimento do estatuto, que estipula que o Partido deve garantir condições materiais para que todas as chapas e candidaturas a presidente possam fazer chegar ao conjunto dos filiados seus pontos de vista.

Fortalecer os laços com as classes trabalhadoras

Reconstituir a classe trabalhadora como sujeito histórico da luta pelo socialismo é um longo e difícil processo, que precisa envolver trabalho político-partidário, fortalecimento e reorientação dos sindicatos e demais organizações populares, bem como políticas de governo, tais como: geração de empregos, aumento real de salários, redução da jornada sem redução de salários, combate à precarização e ao trabalho escravo e degradante, imposição da legislação de proteção ao trabalho, luta contra o trabalho infantil e contra todas as formas de preconceito e discriminação das relações de trabalho.

Organizar as classes trabalhadoras

O PT deve retomar, como uma de suas prioridades, a luta de massas, organizando a classe trabalhadora no Partido e nos movimentos sociais.

Mulheres

O PT se propõe a aprimorar e qualificar a implementação da política de ação afirmativa e as cotas de 30%, por meio do reforço da auto-organização da mulher dentro do partido e do movimento social.

Juventude

O 3º Congresso do PT convoca o I Congresso da Juventude Petista para o segundo semestre de 2007.



CONCLUSÃO

O 3º Congresso reafirma o caráter militante e de massas do PT, partido capaz de governar o Brasil e lutar pelo socialismo.

Presente nas lutas dos oprimidos e dos explorados, nosso Partido seguirá trilhando o caminho que, mais cedo ou mais tarde, fará do Brasil um país socialista.

A versão integral e a relação completa dos signatários da tese podem ser obtidas no Portal do PT (www.pt.org.br).

Saturday, March 24, 2007

A TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO

A TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO
Senador Eduardo Matarazzo Suplicy
06 de março de 2007
Voltou a preocupar, neste início de 2007, a questão da transposição de águas do rio São Francisco. Derrubadas no Supremo Tribunal Federal as liminares que impediam o início das obras, o governo federal começa a tomar as providências para tirar o projeto do papel. Anunciou-se a imediata realização de licitações para os projetos executivos da obra. O ministro Pedro Britto, da Integração Nacional, está fortemente engajado na defesa e realização do projeto, que conta com apoio, empresarial e político, no seu Estado de origem, o Ceará.
O projeto de Integração do Rio São Francisco com outras bacias hidrográficas do Nordeste tem o objetivo de acabar com o problema da seca no semi-árido brasileiro, problema esse que aflige há mais de cem anos o governo e a sociedade brasileira. A proposta tem uma história tão antiga quanto a seca na região e o debate, que também é tão antigo quanto polêmico, é polarizado pelos argumentos contrários ou favoráveis ao projeto.
Nesse sentido, dois governadores de Estado do PT, Marcelo Déda e Jacques Wagner manifestaram dúvidas sobre a validade da transposição. Deram claras indicações, de público, de que não são entusiastas do projeto e desejam maior discussão. Também aqui nesta Casa diversos senadores expressam opiniões críticas ao projeto, alguns e de apoio, outros. O fato é que a transposição continua dividindo o Nordeste. No resto do país, a questão ainda não suscitou a merecida atenção.
O projeto inicialmente apresentado pelo governo federal foi aprimorado. Em 1985, o projeto de transposição do antigo e extinto DNOS - Departamento Nacional de Obras e Saneamento previa a captação, em um único canal, de 300 m³/s de água destinados à irrigação. Esse projeto não previa a revitalização do Rio São Francisco, mas apenas a sua integração com os açudes Castanhão, no Ceará, e Armando Ribeiro Gonçalves, no Rio Grande do Norte.
Em 1994, outra proposta, do então Ministério da Integração Regional, previa a captação de 150 m³/s de água, também para a irrigação e em um único canal, sem revitalização do Velho Chico, integrando os açudes Castanhão, Armando Ribeiro Gonçalves e Santa Cruz.

No ano de 2000, o Ministério da Integração Nacional apresentou uma proposta de captação de 48 m³/s em dois canais, para uso múltiplo, também sem prever a revitalização do Rio São Francisco e integrando os açudes Castanhão, Armando Ribeiro Gonçalves, Santa Cruz, Epitácio Pessoa, Engenheiro Ávidos, Poço da Cruz e Entremontes, e beneficiando uma população 50% maior do que a dos projetos anteriores. Outros 15 m³/s seriam destinados à irrigação no próprio vale do São Francisco.
Por sua vez, o Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal 2004/2007 priorizou inúmeras ações no setor hídrico para a Região Nordeste, que envolve a transposição do São Francisco, com extensão prevista até o ano 2015. O Plano é composto de quatro grandes ações: (1) a Integração de Bacias do Nordeste; (2) a Revitalização Ambiental da Bacia do São Francisco; (3) os Projetos de Irrigação na Região; e (4) o Proágua, que visa o suprimento urbano.
A integração far-se-á através de dois canais que serão construídos – um na direção Norte, que atenderá ao Ceará e o Rio Grande do Norte, outro na direção Leste, que levará água para Pernambuco e Paraíba, beneficiando as áreas mais carentes do agreste e dos sertões desses quatro estados. Essas áreas têm como característica geológica a predominância de terrenos cristalinos (70% da área), onde não é possível armazenar água subterrânea de forma permanente nem desenvolver a açudagem intensiva, uma vez que poucos novos açudes de porte significativo podem ser ainda construídos.
Nessas áreas, a potencialidade hídrica dos rios intermitentes já foi transformada em disponibilidade garantida, ao longo do último século, o que permitiu a vida, embora precária, de uma população de 14,6 milhões de habitantes no Polígono das Secas, segundo o censo de 2000. Significa também que o Nordeste Setentrional detém mais de 50% da população do Polígono. Em contrapartida, a soma das vazões regularizadas garantidas por todos os açudes significativos do Nordeste Setentrional representa apenas cerca 5% da vazão garantida no rio São Francisco pela barragem de Sobradinho.
O segundo ponto priorizado no PPA é a revitalização hidroambiental da bacia do São Francisco. Aliás, vale lembrar, que esse aspecto era apontado pelos críticos ao projeto. como a ex-Senadora Heloisa Helena, de Alagoas, como uma de suas lacunas. Essa é uma ação coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente, com a participação do Ministério da Integração Nacional e da sociedade sanfranciscana.
O programa de revitalização contempla ações voltadas para o reflorestamento de áreas críticas, a construção de barragens em rios afluentes, a melhoria da calha navegável do seu curso médio, o tratamento de esgotos das cidades e vilas localizadas nas suas margens, o controle da irrigação e a educação ambiental. Há também ações para a melhoria das condições de vida das comunidades ribeirinhas.
O Governo Federal investiu, em 2004, R$ 26 milhões nessas ações de revitalização do rio. Em 2005, esses investimentos do rio foram de R$ 100 milhões, só na área dos Ministérios da Integração Nacional e do Meio Ambiente.
Também há outros recursos destinados ao projeto. Desde 1988, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco - Chesf repassa, diretamente para os Estados e os municípios da Bacia do São Francisco, 6% do seu faturamento bruto, o equivalente a R$ 90 milhões por ano. É um dinheiro que, deve ser obrigatoriamente aplicado em ações de revitalização do rio. De 1988 até agora, a Chesf já repassou R$ 1,350 bilhão para os municípios sanfranciscanos.
O Ministério das Cidades, por sua vez, está aplicando R$ 620 milhões em projetos de saneamento básico e/ou de abastecimento d’água em 86 municípios da Bacia. A degradação do rio, que já dura mais de 100 anos, não é uma ação de curto prazo e nem é responsabilidade somente do Governo Federal, mas também dos governos estaduais e municipais, que devem trabalhar juntos para o enfrentamento do problema.
As perguntas mais freqüentes com relação a transposição do Rio São Francisco são: o que acontecerá após a transposição da bacia do São Francisco? As análises consideraram todas as possibilidades que a interferência na natureza provocaria na região? Está sendo analisada a complexidade sócio-espacial da região?
De acordo com vários pesquisadores as informações disponíveis fazem referência a sistema de engenharia, onde o espaço é pensado de forma geométrica e não geográfica, ou seja, é calculada a vazão para uma possível retirada – 3,5% da vazão total do Rio São Francisco, a capacidade das estações de bombeamento, a extensão dos aquedutos, o diâmetro dos túneis, mas pouco se analisa sobre a complexidade sócio-espacial da região e sobre os impactos sociais desse projeto.
Genericamente os estudos aparecem mais como um conjunto de justificativas para os empreendimentos que consistem em repor vegetação, implantar pequenos parques, etc do que analisar o efeito cumulativo do crescimento das atividades econômicas, da expansão das áreas ocupadas, do crescimento da população, da alteração de vazão dos rios em função da ocupação das várzeas, de um maior consumo de água, da evaporação, das alterações na infiltração das águas pluviais - considerando a impermeabilizaçã o -, da destruição das matas de galerias em especial nas áreas de nascentes, etc. Essas alterações bem como as mudanças climáticas e de micro-climas não estão mencionadas nos estudos disponíveis.
Também, não se tem notícia de análise de estudos prévios dos impactos de vizinhança ou do debate sobre os planos diretores de todos os municípios que serão atingidos como estabelece a Lei 10257/01, Estatuto das Cidades, para averiguar se uma obra dessa envergadura atende aos princípios da função social da propriedade.
Ao tratar da transposição do Rio São Francisco deve-se considerar que haverá uma alteração em toda a dinâmica territorial do país. Sendo assim, é necessário que a sociedade brasileira seja envolvida no debate dessa problemática e não apenas o que está definido como áreas dos comitês da Bacia do São Francisco. Afinal, como dito pela professora Arlete Moysés Rodrigues - professora livre docente em geografia do IFCH-Unicamp - a natureza não tem fronteira administrativa.
Por outro lado, João Urbano Cagnin, coordenador dos estudos de integração de bacias da região Nordeste do Ministério da Integração Nacional, acredita que a integração de bacias no Nordeste irá promover a igualdade de oportunidade para os brasileiros daquela região. Em suas palavras:“Uma pequena quantidade de pessoas serão removidas, como acontece em todas as grandes obras, porém elas têm a possibilidade de ‘ficar melhor’, pois serão indenizadas corretamente pelo governo”, Diz ele: “Eu defendo o projeto, pois é um dos melhores projetos que temos hoje”.
De acordo com dados do Ministério da Integração Nacional o projeto de transposição e revitalização do São Francisco vai levar desenvolvimento para a região do semi-árido. Ele é um projeto estruturante que visa a geração de desenvolvimento humano e econômico. Alternativas de combate à seca, como, por exemplo, projetos de implantação as cisternas, de dessalinização da água do mar e a utilização de águas subterrâneas, não resolveriam o problema de desenvolvimento da região Nordeste.
João Cagnin afirma ainda que o projeto não trata apenas de levar água para beber, mas para manter as atividades industriais, comerciais e agrícolas da região, e essas atividades exigem uma demanda grande de água. “Sem esse recurso hídrico as indústrias novas não se instalam e, pior, as que estão lá não conseguem manter suas atividades. Existem casos de indústrias que deixaram de ir para a região porque em época de seca o governo não garante a manutenção de suas atividades, devido à falta de água”.

Dada a magnitude dos recursos e interesses envolvidos, uma decisão cuidadosa é indispensável. Se for para executar o projeto, é preciso explicar a decisão à sociedade brasileira, em especial a Dom Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra. Seria uma atitude condizente com o respeito que Dom Luiz demonstra pelo Presidente e que o Presidente demonstra por ele.
Quero deixar aqui uma palavra sobre Dom Luiz, a quem tive a honra de conhecer depois da greve de fome que ele realizou contra a transposição, em Cabrobó. Trata-se de uma pessoa de grande seriedade, que se dedica desde o início dos anos 70 às pessoas pobres do vale do São Fransisco. Ele conhece os problemas sociais e ecológicos da região e é profundamente respeitado por todos. É uma temeridade ignorar as suas ponderações.
No dia 21 de fevereiro último, Dom Luiz enviou uma carta ao Presidente da República, que peço que seja registrada na íntegra nos Anais do Senado. A disposição dele é retomar o diálogo sobre o São Francisco e as soluções para o semi-árido, diálogo que ele considera apenas iniciado.
Na sua carta ao Presidente Lula, Dom Luiz menciona, entre outros aspectos, que o custo das obras iniciais do projeto de transposição de águas do São Francisco está estimado em R$ 6,6 bilhões, mais da metade de todo o orçamento destinado a recursos hídricos no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Recorda, também, que o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou relatório afirmando que o projeto não beneficia o número de municípios e de pessoas que o governo federal afirma que atingirá.
Em sua carta, Dom Luiz lembra que a Agência Nacional de Águas (ANA), organismo de Estado, criado para a gestão estratégica do uso da água no Brasil, “propõe 530 obras para solucionar os problemas de abastecimento hídrico em todos os núcleos urbanos acima de 5.000 (cinco mil) habitantes do semi-árido brasileiro até 2015. Essas obras beneficiariam as populações mais necessitadas, e custariam 3,6 bilhões de reais, portanto, mais baratas, mais abrangentes, mais eficientes que qualquer obra de transposição hídrica”.
O governo, em especial o Ministério de Integração Regional, certamente tem argumentos sólidos a apresentar nesse debate. Não há porque não realizá-lo, com a devida profundidade, antes do início das obras.
Aos críticos do projeto, cabe também apresentar de forma convincente, não só a crítica à transposição, mas um detalhamento das alternativas.
Dom Luiz, assim como muitos outros técnicos e especialistas, está convencido de que existem alternativas melhores, socialmente mais justas e mais baratas do que a imensa obra de transposição de águas do São Francisco para o Nordeste Setentrional.
Em sua carta ao presidente Lula, ele afirma:
“Em nosso encontro [em dezembro], o senhor me disse que ‘não seria louco de levar essa obra à frente se apresentássemos uma alternativa melhor’. Agora, somando as obras propostas pela ANA juntamente com as iniciativas de captação, armazenamento e manejo de água de chuva desenvolvidos pela Articulação do Semi-Árido (ASA), o senhor tem uma chance de escolha muito melhor, pela qual seu governo ficará marcado para sempre na história do nordeste brasileiro, sua terra natal. Não faltam alternativas. Falta uma decisão política mais lúcida. Nosso pedido, senhor presidente, é que se retome o diálogo e que se garanta que seja amplo, transparente, verdadeiro e participativo, incluindo toda a sociedade do São Francisco e do Semi-Árido, conforme foi pactuado em Cabrobó em outubro de 2005 e renovado através de pedido formal por carta protocolada em 6 de fevereiro último”.
Também o professor Aziz ab’Saber, que comigo acompanhou o presidente Lula em algumas de suas caravanas pela cidadania, dentre as quais a região do rio São Francisco, em entrevista ao Jornal da Ciência de dezembro de 2004 formulou um alerta sobre o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco:
“Essa história me deixa indignado porque eles, os governantes e os políticos, não têm noção de escala, e sabem que o povo também não tem. O semi-árido tem 750 mil quilômetros quadrados, no mínimo. A transposição não irá resolver o problema. É preciso também saber a quem irá servir a transposição das águas. Se servirá aos capitalistas, que têm fazendas e moram em apartamentos chiques em Fortaleza ou Recife? Ou aos pobres da região, pessoas que passaram a vida resistindo à seca? Fiz um trabalho pequeno sobre esse assunto, quando era professor de Planejamento, na USP. Estudando a região do Jaguaribe, no Ceará, que pretensamente será a mais beneficiada pela transposição das águas, parei em uma pensão para descansar. Fazia um calor tremendo e fui ao rio. Um senhor olhava suas culturas de mandioca, milho e feijão. Estava vendo se não havia nascido erva daninha. Perguntei se era econômico o que ele estava fazendo. Disse que não sabia, mas que era a base de sua sobrevivência, já
que não tinha terras e estava ameaçado por todos os lados. Disse, também, que os fazendeiros das terras altas na época da seca iam ao Recife e a Fortaleza, e lá conseguiam que fosse liberada a água dos açudes, no Depto. de obras. Com isso, a água alagava e destruía as culturas de gente como aquele senhor, que perdiam a sua última forma de resistência. Veja, não sou contra a idéia da transposição das águas, quero apenas fazer uma previsão de impactos positivos e negativos. O problema essencial é que, para um país do tamanho do Brasil, não basta pegar um pequeno ponto e fazer dele uma demagogia sobre planejamento. Com os R$ 2 bilhões necessários para iniciar a transposição do São Francisco, seria possível resolver vários outros problemas do Nordeste. Mas, aí, quando o resultado não for o esperado, quem começou a transposição vai dizer que iniciou o projeto e a responsabilidade é de quem não deu continuidade”

É um apelo que o presidente Lula precisa atender. Trata-se de cumprir o que foi combinado quando o então ministro Jacques Wagner, em nome do presidente Lula, negociou o fim da greve de fome de Dom Luiz em Cabrobó. A luta de Dom Luiz não é política ou partidária no sentido estreito dessas palavras. Ele não faz oposição ao governo Lula. Ao contrário, na carta mencionada ele declara que sempre vestiu a camisa do presidente Lula. “Ainda estamos vestidos nela”, escreveu. E acrescentou: “Nossa contribuição de fiel militante da causa do povo é para que o senhor seja verdadeiramente aquilo a que se propôs, o de ser o presidente de todo o povo brasileiro, especialmente dos pobres deste país, por serem os que mais necessitam de sua atenção”.
Em verdade o rio São Francisco precisa ser visto não como um problema, mas como uma extraordinária dádiva de Deus, com grandes potencialidades e que precisa ser bem utilizado em beneficio de todos os brasileiros. O Congresso Nacional é justamente o ponto de encontro de todos aqueles que queiram contribuir para que consigamos chegar a mais sábia decisão sobre o rio historicamente conhecido como da unidade nacional.

BIOENERGIA, PARA QUEM?

Bioenergia, para quem?
Soberania alimentar, agricultura camponesa e impactos ambientais são temas ainda pouco discutidos quando se fala em biocombustíveis

Por Daniel Cassol

A discussão em torno da produção de energia de forma limpa e renovável não é nova, mas ganhou caráter de urgência nos últimos tempos, principalmente após a divulgação, no início de fevereiro, do relatório sobre aquecimento global do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Diante do alarme provocado, o mundo parece se dar conta de que precisa mudar sua matriz energética, passando a adotar formas alternativas de produzir a energia que consome.

Reunido na França, um grupo de cientistas anunciou que a temperatura na Terra poderá aumentar em até quatro graus neste século, devido ao aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, principalmente por causa do uso de combustíveis fósseis*. Atualmente, a matriz energética mundial tem participação total de 80% de fontes de carbono fóssil, sendo 36% de petróleo, 23% de carvão e 21% de gás natural.

Nestes tempos, um nome tem ganhado destaque: biocombustível. A produção de energia para o uso no transporte, a partir de cana-de-açúcar ou de sementes oleaginosas, como a soja, aparece, literalmente, como a salvação da lavoura. E o herói provável é o Brasil, com cerca de 200 milhões de hectares de área agricultável, de acordo com o Plano Nacional de Agronergia, lançado em 2006 pelo governo federal.

O principal argumento usado para apostar nos biocombustíveis é que eles são fontes renováveis de energia, ou seja, não se esgotam no planeta como o petróleo, por exemplo. Mas neste cenário, representam, de fato, uma saída para o colapso ambiental do planeta e uma alternativa para a agricultura camponesa, ou se constituem numa sobrevida ao agronegócio, que vai gerar impactos ambientais tão graves quanto os combustíveis fósseis? É um debate para o qual há pouco espaço – e poucas vozes.

"Empresas e governos estão fazendo uma intensa campanha para apresentar os biocombustíveis como alternativas para combater as mudanças climáticas, ao substituir parte do consumo de petróleo. Mas a lógica de fundo não é abandonar o petróleo nem mudar os padrões de consumo que produzem o aquecimento global, mas aproveitar a conjuntura para criar novas fontes de negócios, promovendo e subsidiando a produção de industrial de cultivos para estes fins", escreve Silvia Ribeiro, pesquisadora do Grupo ETC**, em artigo para o diário mexicano La Jornada. Ela lembra que todas as empresas que produzem sementes transgênicas, como Syngenta, Monsanto, Dupont, Dow, Bayer e Basf, possuem investimentos na produção de biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel.

Lógica capitalista

Os sinais de que o capitalismo mundial tem um projeto estratégico para vencer a disputa pela agroenergia são cada vez mais claros. No dia 31 de janeiro, no discurso sobre o "Estado da Nação" ao Congresso dos Estados Unidos, o presidente George W. Bush anunciou a meta de reduzir o consumo de gasolina em 20% até o ano de 2017, produzindo 132,4 bilhões de litros de combustíveis alternativos, principalmente o etanol, a partir do milho. O tema dos biocombustíveis também foi um dos principais assuntos discutidos no Fórum Econômico Mundial, ocorrido em janeiro, na cidade de Davos (Suíça).

As movimentações de países ricos e de grandes multinacionais em torno do tema levam analistas e movimentos sociais camponeses a enxergarem com relutância a entrada de países em desenvolvimento na produção de biocombustíveis. Os impactos ambientais gerados com o aumento das monoculturas, a exploração sobre camponeses e trabalhadores rurais e a ameaça à produção de alimentos estão no rol de preocupações. No Brasil, a aposta do agronegócio é na cana-de-açúcar e na soja – transgênicas, é claro.

"Não há um programa de governo com linhas, critérios e diretrizes estabelecidas no aspecto produtivo que apontem para um novo modelo agrícola. Além disso, o programa do biodiesel está sendo entregue para um grupo de empresas privadas que querem comprar grão do agricultor, sem nenhuma agregação de valor nas comunidades rurais. E estão estimulando as monoculturas de novo", critica Frei Sérgio Görgen, dirigente da Via Campesina no Brasil, entidade que agrega movimentos sociais de todo o mundo, como o MST e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

De acordo com o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, do governo federal, o Brasil vai tornar obrigatória - a partir de 2008 - a adição de 2% de óleo diesel vegetal no óleo diesel de petróleo, percentagem que passará a 5% em 2013. Se o mercado de biodiesel com 2% é de 1 bilhão de litros por ano, com 5% essa demanda cresce para até 2,7 bilhões de litros por ano. As vedetes do governo brasileiro são a soja, vista como mais uma tábua de salvação para os grandes produtores de sementes transgênicas, e a mamona, que teoricamente beneficiaria a agricultura familiar.

Em relação ao etanol, o Brasil vai priorizar mais uma vez a produção de cana-de-açúcar. A estimativa é que a produção aumente em 50% em relação às atuais 460 toneladas de cana, de acordo com a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica).

Um novo Pró-Álcool?

Em resumo, diante de uma possibilidade real de mudar o modelo de produção agrícola, o Brasil entra na produção de biocombustíveis reforçando práticas insustentáveis do ponto de vista ambiental e social, beneficiando grandes empresas e jogando os pequenos agricultores em armadilhas já conhecidas, além de prejudicar a produção de alimentos para o consumo interno.

"Há um risco de repetir o Pró-Álcool do Brasil. Você tem um combustível limpo, produzido de maneira suja, além de ambientalmente insustentável no processo de produção e socialmente perverso na maneira como aloca mão-de-obra e trata os trabalhadores", avalia Frei Sérgio. Criado na década de 1970, o Programa Nacional do Álcool incentivava pequenos e médios produtores a instalarem destilarias de álcool. Por razões políticas, como a proibição do auto-consumo do álcool como combustível, o Pró-Alcool beneficiou apenas os grandes usineiros, com suas práticas de trabalho escravo nas lavouras de cana e consideráveis impactos ambientais.

Cerca de 30 anos depois, os mesmos riscos estão postos. A indústria canavieira se anima com a possibilidade de abertura de mercado para o etanol brasileiro nos Estados Unidos. Por sua parte, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva anuncia que "soja boa a gente come, e soja transgênica a gente faz biodiesel", sinalizando a prioridade que está sendo dada aos grandes produtores e multinacionais do grão. Mesmo a criação do H-Bio, um derivado de óleo vegetal e petróleo desenvolvido pela Petrobras, é visto como uma forma de favorecer o agronegócio mundial e a indústria petrolífera.

Na avaliação do governo federal, porém, a criação do Selo do Combustível Social será uma espécie de salvaguarda para a agricultura familiar. O programa prevê incentivos às indústrias que adquirirem sementes oleaginosas produzidas por pequenos agricultores. "Nós percebemos os agricultores interessados em retomar o cultivo de algodão, girassol, amendoim, gergelim e outras oleaginosas. Assim, os agricultores não cairão na arapuca da monocultura. Se o governo tivesse lançado um programa de biodiesel sem esse incentivo à agricultura familiar, por certo que ele seria produzido unicamente da soja, que é a grande oleaginosa brasileira", avalia o gerente executivo de Desenvolvimento Energético da Petrobras, Mozart Schmitt de Queiroz. No entanto, mesmo projetos alinhados ao Combustível Social apresentam problemas, principalmente por apostarem na monocultura da mamona nas Regiões Sul e Nordeste do país, e na compra direta de grãos dos agricultores, colocando-os em um sistema de integração com grandes empresas, como acontece nas cadeias do fumo e do leite, em que são freqüentes os casos de exploração econômica a que são submetidos os pequenos agricultores.

Diversificar a produção

Enquanto isso, as organizações de agricultores camponeses vêem a entrada nos biocombustíveis com um alto grau de desconfiança, mas também com a certeza de que é neste campo que se travará uma disputa estratégica entre dois modelos de produção antagônicos. Para organizações como a Via Campesina, existem alguns requisitos básicos para que os camponeses entrem na produção de biocombustíveis sem cair em armadilhas: priorizar a produção de alimentos, consorciar a produção de energia com outras culturas e evitar sistemas de integração com grandes empresas, participando do maior número possível de etapas na cadeia de produção.

"A pequena propriedade de economia familiar não tem como viabilizar sua sustentação no modelo de monocultura. A grande viabilidade das pequenas propriedades é o sistema de produção diversificada, passando para um modelo agroecológico. É fundamental construir sistemas que possam produzir biocombustível e alimentos. Aí entra a importância do bom aproveitamento dos resíduos da extração de óleos. Com isso, as pequenas propriedades poderão aumentar a produção de ovos, leite, carne, viabilizando ainda mais os sistemas de produção nas economias familiares", explica o engenheiro agrônomo Alexandre Borscheid, que atua na Cooperbio***, uma cooperativa de biodiesel formada por agricultores ligados à Via Campesina do Rio Grande do Sul.

É neste sentido que caminham alguns dos projetos constituídos pelas organizações da Via Campesina no Brasil. O biodiesel poderá ser produzido a partir de múltiplas sementes, como girassol, amendoim e canola, cujos resíduos serão utilizados na alimentação animal ou na adubação orgânica. Cooperativas de pequenos agricultores poderão construir suas próprias unidades de esmagamento, para vender o óleo para as empresas, ficando com os resíduos das oleaginosas. "A conclusão a que estamos chegando é que o carro-chefe tem que ser as oleaginosas perenes, para o agricultor camponês. Numa pequena área, ele terá uma grande produção", explica Frei Sérgio, citando o uso de árvores como o pinhão-manso e o tungue, na Região Sul, e o dendê, na Região Norte. No caso do álcool combustível, a cana-de-açúcar pode ser acompanhada da mandioca e da batata-doce, por exemplo. Da mesma forma como a produção de biodiesel, a intenção é consorciar com produção de alimentos e vender produto com valor agregado para as indústrias.

Transnacionais X camponeses

"Os sistemas camponeses de produção são os mais adequados, porque conseguiriam garantir uma combinação muito boa entre produção de alimento e energia, além de garantir sistemas de policultivos, com produtos de valor agregado que dariam sustentabilidade para as unidades de produção camponesas. As grandes monoculturas não vão ser eficientes com girassol, mamona, amendoim, pinhão-manso, ou seja, não conseguirão ser eficientes com as oleaginosas que têm maior percentual de óleo. Elas se adaptam melhor aos sistemas de camponeses. E a agricultura camponesa tem melhores condições de resolver a equação entre a produção de energia e a produção de alimentos", analisa Frei Sérgio. Na opinião do dirigente da Via Campesina, a Petrobras é um dos poucos canais dentro do governo federal que abre caminho para a inserção soberana da agricultura camponesa na produção de biodiesel.

Mozart Queiroz, da Petrobras, explica que a empresa definiu por adquirir o óleo dos agricultores e não as sementes. "Assim, ela está incentivando as cooperativas a montarem as suas esmagadoras. Com isso, a agricultura familiar poderá ficar com um produto a mais e agregar mais valor à sua organização, ao gerenciar esse produto que poderá ser transformado em leite, ovos, carne. Estamos trabalhando para compartilhar o benefício da industrialização, para que o agricultor participe da cadeia produtiva, na etapa da industrialização, pelo menos na fase do esmagamento. Ao mesmo tempo, estamos incentivando o cultivo de várias oleaginosas, trabalhando para evitar a monocultura", diz.

Para o agrônomo Alexandre Borscheid, a disputa pelo mercado e pelo modelo de produção dos biocombustíveis já começou e, do jeito que está, o campo está limpo para o avanço das transnacionais do agronegócio. "Se não houver uma intervenção do Estado para priorizar as políticas para a agricultura camponesa, a tendência é as transnacionais ocuparem esse mercado, que é extremamente promissor economicamente. Elas vão avançar para cima das áreas agrícolas e isso coloca a agricultura familiar em risco. Os agricultores têm que ter produção com autonomia, com projetos próprios, em que se possa garantir a produção de energia líquida preservando os sistemas de produção de alimento", avalia.

O gerente executivo da Petrobras reconhece os riscos da corrida desenfreada pela produção de biocombustíveis, seja nos impactos ambientais gerados pelas monoculturas, no prejuízo à soberania alimentar e no aumento da exploração econômica sobre os pequenos agricultores. Para ele, antes de discutir essas questões, porém, a humanidade precisa repensar o seu padrão de consumo energético. "Ainda que toda a superfície da Terra fosse utilizada para produzir biocombustíveis, não conseguiria manter o consumo no patamar que hoje o Planeta consome de combustíveis fósseis. Fica claro que é urgente repensar a matriz energética mundial", conclui.

Bio(agro)combustíveis

No Fórum de Soberania Alimentar, ocorrido no final de fevereiro em Mali, na África, a Via Campesina Internacional decidiu que o termo "biocombustível" deve ser substituído por "agrocombustível". Isso porque a organização social avalia que o incentivo a esse tipo de combustível tem levado a políticas de crescimento das monoculturas (e não da pequena produção diversificada), ameaçando os camponeses e a soberania alimentar. Como "bio" significa "vida" – o contrário do que na prática se verifica hoje, a entidade passou a adotar o termo "agrocombustível". A Via Campesina Internacional, da qual o MST faz parte, reúne movimentos sociais rurais de todo o mundo.

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*Combustíveis fósseis:
Existem três grandes tipos de combustíveis fósseis: o carvão, o petróleo e o gás natural. Eles foram formados há milhões de anos e são resultado de um processo de decomposição de plantas e animais.

**Grupo ETC
Grupo internacional que trabalha com organizações sociais fornecendo análises e informações sobre tecnologias de desenvolvimento sustentável.

***Cooperbio
A cooperativa envolve cerca de 25 mil famílias em 62 municípios da região noroeste do estado, produzindo 400 mil litros de biocombustível por dia.

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TEMPOS MODERNOS: A INTERVENÇÃO À MODA DO SERRA

Tempos Modernos:
a intervenção à moda do Serra

Maria Laura T. Mayrink-Sabinson


Sou antiga mesmo. Ainda do tempo em que o hoje governador Serra era um
simples docente do Instituto de Economia da Unicamp, recém-chegado de
exílio no Chile. Sou do tempo em que Serra, diante de assembléias da
Adunicamp (naquela época concorridíssimas), mostrava por a mais bê, num
quadro negro cheio de números e contas, que o então governador Paulo
Maluf (ele mesmo, o da intervenção de novembro de 1981) tinha dinheiro,
sim, para nos dar o aumento de salário que pleiteávamos. Sou do tempo
em que o mesmo Serra lutava, com os colegas docentes, contra a
intervenção malufista nas universidades públicas paulistas. Para quem
não viveu esse momento, é bom saber que Maluf destituiu diretores de
unidades e nomeou interventores em seu lugar. Antes ele havia
substituído os representantes do governo no Conselho Diretor (ainda não
havia o Conselho Universitário-Consu) por paus-mandados seus.
Sou do tempo em que Pinotti virou reitor da Unicamp, apesar de ser o
11º em lista montada a partir de consulta feita à comunidade. Na época,
apesar de grávida, passei a tarde da sexta-feira pré-Carnaval no pátio
diante da Reitoria. Junto a algumas dezenas de docentes e funcionários,
tentávamos sensibilizar o conselho a respeitar o desejo da comunidade
de ter Paulo Freire como reitor. Não funcionou. Em jogo de cartas
marcadas não se mexe. O governador Maluf escolheu o seu favorito alçado
a primeiro da lista pelo Conselho Diretor.
O governador eleito que o sucedeu, Franco Montoro, teve a assessoria de
Serra para provar por bê mais a que o dinheiro que antes dava o aumento
já não dava mais... O que mostra que, dependendo do lado pelo qual se
olha, vê-se o que se quer ver... e que os mesmos números servem a
quaisquer propósitos.
Sou do tempo em que nas manifestações por aumento salarial, em São
Paulo, se corria dos cavalos do Quércia, sucessor de Montoro no governo
estadual... Sou do tempo do SOS Unicamp, que acabou por derrotar a
intransigência quercista de repassar às universidades o gatilho
salarial imprescindível diante da inflação galopante e de manter as
universidades à mingua. O amplo movimento de intelectuais conquistou a
sociedade para a causa da Universidade Pública, gratuita, laica, de
qualidade, e em que a pesquisa, o ensino e a extensão eram um tripé
indissociável.
Foi a época da conquista da “autonomia”. Qual “autonomia”? As opiniões
são variadas... Naqueles tempos a Fapesp financiava pesquisas e não
empresas. Aliás, sou de uma época em que a Fapesp só financiava
pesquisadores do próprio Estado de São Paulo. Ainda não financiava a
fabricação de máquinas de passar roupa de tanta utilidade para os
pobres deste país a um módico custo de 3.500 reais...
Pois é, o mundo dá suas voltas, personagens antes opostas se unem, e
agora Serra, governador eleito, nomeia Pinotti como Secretário do
Ensino Superior de uma secretaria que antes era de Turismo. (Se acham
que é brincadeira, vejam o artigo 1º do decreto 51.460). As
universidades estaduais passam a ser entidades vinculadas a esta antiga
Secretaria de Turismo agora renomeada (artigo 4º do decreto 51.460 e
também o parágrafo único do artigo 3º do decreto 51.461). O Cruesp
passa a integrar a mesma secretaria (item V do decreto 51.460 e artigos
3º e Seção I do capítulo VIII do decreto 51.461). O secretário de
Ensino Superior é presidente do Cruesp, mas logo não é mais, já que
outro decreto volta a colocar um reitor neste posto.
Quanto à Fapesp, que antes, como as universidades públicas paulistas
era ligada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento
Econômico (renomeada pelo Decreto 51.460, artigo 1º, como Secretaria de
Desenvolvimento), continua agora ligada ao Desenvolvimento, como uma
das entidades a ela vinculadas, em companhia do Centro Estadual de
Educação Tecnológica Paula Souza (Ceeteps), do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), e Instituto de Pesquisas
Energéticas e Nucleares (Ipen), vejam o item XII do artigo 7º do
decreto 51.460.
Como ficarão as pesquisas nas universidades que são agora entidades da
Secretaria de Ensino Superior? O Ensino Superior não terá mais
pesquisas porque nada tem que ver com desenvolvimento? (Artigo 2º do
decreto 51.461, principalmente o item III.) Em resumo: Ensino é
Turismo; Ciência é Desenvolvimento. O tripé ensino, pesquisa, extensão
foi passear no bosque... Seu lobo já veio e fez uma intervenção muito
mais hábil, sutil e nociva do que aquela agora “ingênua” intervenção
malufista da década de 80!
E o que está aqui é só uma pontinha já detectada do iceberg serrista.
No emaranhado de decretos, publicados no dia 1º de janeiro de 2007 em
edição especial do Diário Oficial do Estado de São Paulo, que demorou
para aparecer, muitas outras surpresas se escondem. Nesse meio tempo o
ex-professor do Instituto de Economia da Unicamp já segurou verbas da
universidade (muito pouco, disse Pinotti). Proibiu concursos e
contratações. Que mais? Sou antiga mesmo! Do tempo em que as
intervenções na universidade eram feitas por “gente de fora”. Não
gestadas por ex e atuais docentes, diretores, reitores... Quantos e
quais docentes das três universidades públicas paulistas auxiliaram na
feitura destes decretos ou auxiliarão na sua execução? Alguns nomes são
conhecidos...

UM HERÓI DO CAPITALISMO

Um herói do capitalismo

O relatório sobre meio ambiente permitiu interpretações que a grande mídia adora: "o homem é responsável pela deterioração do meio ambiente". Isto é, você, eu, nossa avó, nosso sobrinho, o pobre da esquina, o menino que pede dinheiro no sinal, o trabalhador sem terra, a enfermeira do hospital público –enfim, os 6 bilhões da população do mundo.

Nada melhor do que diluir as responsabilidades específicas e concentradas, diluindo tudo na natureza humana. Todos somos responsáveis, dos que jogam papéis na lagoa, aos que contribuem para que tapem os bueiros até os que contaminam pesado com fábricas e ônibus. Tudo por igual? Nada disso. Nem por pessoas, nem por países. Os EUA são quem mais contamina o mundo, muito acima da proporção da sua população e em grande medida por responsabilidade de suas grandes empresas, tanto assim que Bush alega que não assina o Protocolo de Kyoto para não prejudicar a competitividade das empresas estadunidenses – confissão clara que são elas as que sobretudo contaminam.

Peguemos um caso típico. O capitalismo não tem mais heróis. Então, inventa. Bill Gates talvez seja a maior invenção deles. O maior doador mundial e a maior fortuna mundial. Alguma coincidência nisso?

O Los Angeles Times se pergunta: por que a instituição caritativa mais rica do mundo é, ao mesmo tempo, acionista de empresas que estão na origem das contaminações sanitárias e ecológicas que ela diz combater? E cita a Fundação Gates, que doou 218 milhões de dólares para uma campanha de vacinação contra a poliomielite e a rubeóla no mundo inteiro, incluído o delta do rio Niger. Mas, ao mesmo tempo, ela investiu 423 milhões de dolares nas empresa ENI, a Royal Dutch Shell, a Exxon Mobil e a Total, companhias responsáveis pela maior parte das emissões de gases que contaminam os céus daquela região do rio Niger, a níveis ainda mais altos do que os tolerados nos Estados Unidos e na Europa.

Como acontece com todas as entidades filantrópicas, a Fundação Gates dedica anualmente pelo menos 5% de seus lucos a doações para beneficiar-se da exoneração fiscal. Ela subvenciona principalmente ações de saneamento, projetos de melhoria da educação pública nos Estados Unidos e programas de ajuda social na região do noroeste do Pacífico.

Os 95% restantes são investidos. Buscam rentabilidade não importando as conseqüências, ambientas e sociais, dessa busca de lucros. A Fundação é acionista de numerosas empresas que não respeitam os direitos ambientais, praticam a discriminação, violam o direito dos tabalhadores ou estão envolvidas em acusações de corrupção. Os ramos caritativo e financeiro da empresa são totalmente compartimentados, um não tem nada a ver com o outro.

A Fundação dá com uma mão e retira com todas as outras inúmeras mãos que possui pelo mundo afora. Se doa dinheiro supostamente para um mundo melhor, ao mesmo tempo que 95% dos recursos multiplicam esse mesmo mundo, ajudando a deteriorar as condições ecológicas e sociais.


Postado por Emir Sader às 10:06

ENTREVISTA COM OSCAR NIEMEYER

> Por Ricardo Miranda (Correio Braziliense)
> Um mito vivo - embora ele ache o título uma grande besteira - que se mostra humano, frágil, perplexo com o mundo em que vivemos e conformado com a finitude, inclusive de sua obra. Esse é um paradoxo só aparente. Na manhã da última terça-feira, o arquiteto Oscar Niemeyer, 99 anos, abriu sua casa-escritório na cobertura do velho Edifício Ypiranga, na Avenida Atlântica, em Copacabana, para fazer um inventário da estupidez humana.
>
>
> Niemeyer: ''O ser humano não representa nada''
>
> Do alto de seu quase século, que completa em dezembro, narrou um pouco da vida de um comunista convicto em um mundo egoísta e predador. ''O ser humano não tem sentido'', vocifera. Pode parecer amargo, mas na voz rouca de Niemeyer soa dramaticamente lógico. Para o grande arquiteto, nem sua obra tem de fato importância.
> Uma de suas angústias é a violência brasileira, fruto, segundo ele, das enormes desigualdades sociais do país. Por isso, quando fala em futuro, não pensa em novas obras. ''Gostaria de olhar para a cidade e não ver favelas, não ver pobre na rua, olhar o povo satisfeito correndo na praia'', revela o crítico do modelo de self made man, importado da cultura americana. ''O sujeito quer ser o vencedor. Isso é uma merda!'', desanca.
> Niemeyer conversou com o Correio no lugar onde passa mais tempo, com incursões até o cavalete no corredor onde, sempre de pé, rabisca seus traços tão simples quanto geniais. Um dos projetos mais recentes é o monumento a Simon Bolívar com 100 metros de altura, que foi entregue ao presidente venezuelano Hugo Chávez. ''Ele é um sujeito simpático, competente, patriota...'', aponta Niemeyer, que vê novos ventos soprando sobre a América Latina em oposição ao poder do presidente americano George W. Bush, que ele chama de ''terrorista número um'' do mundo.
> ''Os países estão se transformando em repúblicas populares, de mãos dadas contra os americanos. Essa onda do Bush acabou'', decreta. Niemeyer acha que Lula poderia, inclusive, aproveitar o novo encontro com o presidente americano, no final do mês, para marcar posição. ''Ele devia dizer que é brasileiro e que vai continuar defendendo o Brasil da pressão norte-americana'', sugere.
> O apartamento na Atlântica é grande, mas não tem nada que possa ser caracterizado como luxuoso. É branco do piso às paredes, com espaços vazios, preenchidos por mesas, cadeiras e estantes empilhadas de projetos, maquetes e muitos livros, de autores como Jorge Amado, Dias Gomes, Hélio Silva e Fernando Morais.
> Na entrada, uma foto antiga da igrejinha da Pampulha, projeto seu em Belo Horizonte, e, numa parede próxima, um retrato de Luiz Carlos Prestes, ainda jovem. Niemeyer, que não quer ouvir falar em homenagem no ano de seu centenário, diz que sua vida passou voando. ''É um minuto...A gente nasce e morre. Cada um dá sua historinha e vai embora. Eu deixo a minha historinha também'', diz. E que história!
> O senhor diz que a arquitetura não é importante, o importante é o homem. Que é preciso um homem mais humilde e solidário. O senhor acha que a arquitetura de hoje é o reflexo do homem moderno, egoísta e vaidoso?
> Existem projetos que tenho prazer em elaborar. Outros, eu recuso. O lado humano da arquitetura sofre a influência do mundo capitalista e do poder imobiliário, que a corrompem e desmerecem. Tem certos princípios de que a gente não abre mão. Eu tive sorte, tive oportunidade de começar fazendo a Pampulha, depois veio Brasília...E aproveitei. Às vezes, temos uma chance boa e não sabemos dela tirar partido, aí não adianta nada.
> Incomoda ao senhor a reverência exagerada, a veneração, ou, no bom português, o puxa-saquismo?
> Me ocupa tempo demais, o que infelizmente não posso evitar. Mas compreendo, é natural, se eu ficar me escondendo fica meio esquisito, meio misterioso, tenho que me abrir.
> O senhor já escreveu que tudo na vida é precário e ilusório e que, diante do tempo, tudo vai ser esquecido. Até as suas obras?
> É tudo tão precário, como as nossas pobres vidas. É uma vaidade tola, isso não existe. O sujeito tem que ser simples, trabalhar, ser cordial, ter prazer em ajudar os outros. Um dos problemas hoje do arquiteto, aliás, de qualquer profissional, é que ele não quer ler. Não se interessa pela leitura. O mundo dele é só a vida dele. O horizonte dele é muito pequeno. Ele entra para a vida sem saber como se portar neste mundo tão difícil de lidar, cheio de preconceitos e privilégios.
> Uma vez eu estava aqui no escritório com alguns estudantes, uma delas perguntou para outra: ''Você já leu Eça de Queiroz?'. A outra respondeu: ''É filho da Raquel de Queiroz?''. É uma merda, né. Estamos criando agora um Instituto de Arquitetura e Humanidades em Niterói e a finalidade é melhorar o nível das pessoas. Além de arquitetura, o curso abrange conferências sobre filosofia, história... Depois de dois meses, o aluno sairá diferente.
> O senhor acha importante que o arquiteto conheça os problemas sociais da cidade onde atua?
> Arquitetos e todo mundo. Para que se saiba o que está passando, que o planeta não é nosso, que está envelhecendo como a gente. Aqui no escritório tenho palestras sobre filosofia toda terça-feira, há cinco anos, e nenhum de nós quer ser intelectual, a gente quer ter uma idéia mais clara dos problemas da vida. Falamos do planeta Terra, dos problemas de água, de frio, de calor, desse planeta no fim da galáxia, longe de tudo... E saber que o mundo é mal dividido, que todos devem ter as mesmas oportunidades.
> Aqui, como nos Estados Unidos, o sujeito quer ser o vencedor, quer dinheiro. É pensar pequeno demais. Temos que crescer, viver com simplicidade, com os filhos, ter amizade pelas pessoas. O importante não é o sujeito ver as pessoas procurando adivinhar os defeitos, mas admitindo que todo mundo tem um lado bom. O Lênin dizia que 10% de qualidades já eram o suficiente.
> Citando Lênin, ele certa vez disse que ''nossa estética é nossa ética''. O senhor acha que as desigualdades sociais provocam a violência?
> É lógico. A pobreza, a revolta, o sujeito que nasce na favela e enfrenta preconceito pelas ruas, a polícia atrás. Ele age como um revoltado. A grã-finagem já olha a garotada nas favelas como futuros inimigos. E a questão de cor vai tomando um sentido assim de racismo. É horrível!
> O Brasil é um país racista?
> Sempre foi. O pai do Chico Buarque (Sérgio Buarque de Holanda) escreveu um livro muito bom (Raízes do Brasil) em que contava que os portugueses davam mais atenção aos índios. E que os pretos foram sempre olhados como escravos. De tal forma que, quando um índio casava com uma negra, perdia o emprego. E isso existe.
> A gente tem que saber que o ser humano não representa nada, é desprezível, não tem tarefa nenhuma aqui, não tem perspectiva, mas tem que viver. E a maneira de viver é de mãos dadas, num clima de boa vontade, ter prazer em ser útil.
> (O arquiteto João Batista Vilanova) Artigas dizia que a felicidade de um povo se mede pela beleza de suas cidades. Como o senhor vê a arquitetura no Brasil hoje?
> Acho que a felicidade do povo é ter uma casa para morar, e ter o suficiente para comer e levar a vida decentemente. Não tem nada a ver com arquitetura. A arquitetura não muda a vida, mas a vida pode mudar a arquitetura.
> Com o desenvolvimento das cidades, a arquitetura perdeu poder para as construtoras, para a especulação imobiliária?
> Ah, é lógico. Se você for examinar Brasília, o Plano (Piloto) tinha muitos espaços vazios. Arquitetura e urbanismo são o jogo de volumes e espaços livres. E muitos dos vazios foram ocupados, não levaram em conta que o vazio é importante. Quando se faz um prédio, o terreno que o cerca faz parte da arquitetura. As cidades se degradam porque crescem demais. Uma cidade feita para 500 mil (habitantes), que tem um milhão, dois milhões, não pode funcionar bem.
> O urbanismo moderno já adota algumas diretrizes: a cidade não deve crescer descontroladamente, deve se multiplicar. Quando chega numa densidade tal, faz-se outra afastada. E em volta das cidades, ficam os terrenos livres, arborizados. Isso é urbanismo. Nós não seguimos isso, naturalmente. O Rio daqui a pouco estará ligado a São Paulo.
> Em Brasília, as pessoas com mais poder aquisitivo, ficam no Plano Piloto. As demais, mesmo trabalhando em Brasília, acabam morando mais longe...
> É claro que as cidades-satélites não deveriam existir. E, como a pobreza é maior, sua densidade demográfica é hoje superior à do Plano Piloto. Uma cidade dividida entre pobres e ricos.
> Brasília ainda é uma obra inacabada?
> Toda cidade exige de repente que se examine se ela está em ordem. Depois da construção da cidade, as qualidades e os defeitos se tornam mais evidentes. Mas o desenho do Lucio (Costa, urbanista) para Brasília tem muita qualidade.
> Qual foi sua última viagem a Brasília?
> Não vou há muito tempo. Quando cheguei lá a primeira vez, parecia que estava no fim do mundo. Não tinha automóvel, não tinha telefone, não tinha nada...
> Hoje quando o senhor vai a Brasília, como se sente? Em casa?
> Eu gosto é do Rio. Eu gosto de olhar o mar. De poder ir à praia. Não vou mais, mas gostava de ir...
> O carioca tem muitas restrições em relação a Brasília...
> Brasília foi um momento de otimismo, de coragem...uma aventura. O objetivo era bom, levar o progresso para o interior. Foi um momento de otimismo do povo brasileiro.
> O senhor diria que as curvas da mulher são sua principal fonte de inspiração?
> Quando me perguntam sobre formas, na arquitetura, eu lembro de André Malraux (primeiro-ministro de Cultura na França, nomeado por De Gaulle), que disse que tinha internamente um museu dentro dele, de tudo o que gostou e amou na vida. Eu também sou assim quando faço um projeto, tenho reminiscências do passado.
> Às vezes faço um projeto sem pegar no lápis e, quando sento na prancheta, já tenho uma idéia. Outras vezes não, é desenhando que a solução aparece. Minha preocupação na arquitetura é reduzir os apoios, as colunas, e quando isso ocorre a arquitetura parece mais audaciosa. Eu procuro que ela crie espantos, crie surpresas, que a pessoa, ao ver um prédio meu, tenha a sensação de que não viu nada parecido.
> Sua convicção comunista nunca foi abalada, levando em conta os rumos do mundo contemporâneo?
> Eu era de família católica, com retrato do Papa na parede. Mas a vida é injusta demais. Eu sou um comunista que acha que é preciso mudar o mundo, que nada vai se resolver com paliativos, o capitalismo é ruim, divide os homens, cria poder, cria a violência. Para melhorar, tem que mudar. E vai mudar, porque a miséria é a maioria. É o proletariado no poder.
> O comunismo não é uma utopia?
> Utopia é querer consertar o capitalismo, achar que ele poder ser melhorado. Está tudo errado, é uma doutrina de miséria, de egoísmo. O Brasil é feito os Estados Unidos: o sujeito começa a vida e quer ter poder, ser rico, ganhar dinheiro, dominar. Uma merda! As pessoas não entendem que não valem nada, não tem importância, ninguém tem importância.
> Queria falar sobre o presidente cubano Fidel Castro...
> Ele aproveitou a oportunidade e tirou Cuba do poder dos americanos, que faziam do país o seu quintal.
> Cuba deve continuar sob o domínio da família Castro?
> Se você diz família Castro se referindo ao povo cubano, está bom. O povo cubano é que levou Fidel Castro ao poder e está lutando para que ele resista. Como o (Hugo) Chávez (presidente da Venezuela), que quer mudar o destino do povo venezuelano.
> Quando fica difícil a revolução, aparece não raro um militar, porque eles foram criados com a pátria dentro do peito - com exceções, é lógico. Chávez é um sujeito simpático, competente, patriota...
> Ele pode ser o sucessor de Fidel como líder de esquerda na América Latina?
> Não sei. Se você olhar para trás, a coisa está mudando, os países estão se transformando em repúblicas populares, a maioria dos países da América Latina está de mãos dadas contra os americanos. Essa onda do Bush, o terrorista número um, acabou, ele está sem saber o que vai fazer. Mas como ele tem a força, ele pode fazer muita coisa. O que muda tudo é o inesperado, ele pode jogar com isso ainda.
> O que o senhor acha da posição do presidente Lula?
> Ele é esperto e não está combatendo o Chávez. Para o meu gosto, eu queria que ele fosse mais freqüente no contato com o pessoal que está defendendo a América Latina. Nosso país está ameaçado. Os americanos foram inimigos até hoje dos mais pobres, porque agora eles vão mudar?
> O presidente americano esteve agora em São Paulo...
> Eu protestei (em cerimônia na Academia Brasileira de Letras).
> ...e volta a se encontrar com o Lula no final do mês. O que o senhor gostaria que ele dissesse a Bush?
> Dizer que ele é brasileiro e que vai continuar defendendo o Brasil da pressão norte-americana, que ele está com toda a América Latina, que é uma briga comum e que não abre mão disso.
> O senhor gosta do governo do Lula?
> É um operário no poder. Imagine se não fosse o Lula, se tivesse vindo um outro... A vitória do Lula foi muito importante para o Brasil. E para a América Latina também.
> O senhor acha que o Lula é de esquerda?
> Não é comunista, é operário. Mas a formação dele não é de quem nasceu rico e quer ficar mais rico.
> O senhor viverá esse ano um certo dilema. Assumidamente não gosta de homenagens, comendas, mas muita gente no país quer lembrar o seu centenário. Como vai conviver com isso?
> Vou procurar ficar quieto no meu canto. Não posso impedir que venham falar comigo, seria pior. Mas nada disso tem importância, eu sou um sujeito como outro qualquer. É um equívoco, não há razão para homenagens...
> Não é todo mundo que faz 100 anos. Falta de assunto... O senhor disse recentemente: ''A vida é muito curta. Não dá tempo de fazer tudo''. É tão rápido assim?
> É um minuto... A história dos homens é a mesma, as mesmas esperanças, os mesmos devaneios, as mesmas desilusões, as mesmas angústias, sem saber nem por que, nem para que passam por aqui e desaparecem. E ver a morte dos parentes e amigos, uma coisa permanente e inevitável, é muito duro. Nós éramos seis irmãos, agora estou sozinho. O desaparecimento de cada um deles foi uma tristeza...
> O ser humano não tem sentido. Por isso eu digo: o sujeito tem que se informar. Não é para ficar mais iluminado não, mas poder sentir os mistérios do universo e de sua própria vida, discutir de onde tudo isso apareceu, procurar discutir as hipóteses.
> O senhor tem algum grande projeto que queira realizar?
> Eu gostaria de olhar para a cidade e não ver favelas, não ver pobre na rua, olhar o povo satisfeito correndo na praia, ninguém querendo ser importante. Essa idéia de importância é tão ridícula, esse negócio de achar que venceu na vida... Isso é uma merda!
> Se daqui a 100 anos, alguém falar em Oscar Niemeyer, como o senhor gostaria de ser lembrado?
> Uma pessoa normal, como qualquer outra. Cada um na vida vem, conta sua historinha e vai embora. Eu deixo a minha historinha também.

Thursday, March 08, 2007

TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO, INICIANDO O DEBATE

Leonardo Boff
Teólogo
A transposição da maldição?

O Governo através do Ministério da Integração Nacional declarou que "vai sair do campo da retórica" e já vai proceder a licitação das obras, orçadas nesta etapa, em R$ 100 milhões em vista da transposição do rio São Francisco. Derrubadas as liminares na Justiça, dissuadido o bispo que fez greve de fome, Dom Luiz Flávio Cappio e com o discutível aval do Instituto Brasileiro de Agricultura e Meio Ambiente(IBAMA), pretende o Governo realizar agora a transposição. O argumento de base é emocional:"não se pode negar uma caneca de água a 12 milhões de vítimas da seca".

É exatamente no afã de dar água ao triplo de vítimas da seca que se deve questionar o projeto. Baseio meus dados num artigo publicado no dia 23 de fevereiro em O Estado de São Paulo do respeitável jornalista Washington Novaes "Um novo desfile e a mesma fantasia" e em outras fontes.

O apoio principal do projeto foi dado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, onde o governo federal, sozinho, tem a maioria dos votos. Ao contrário, grandes especialistas na área como os professores Aziz Ab’Saber e Aldo Rebouças da Universidade de São Paulo, Abner Curado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, João Suassuna da Fundação Joaquim Nabuco mostraram que o problema no Semi-Árido é mais de gestão do que de escassez.

A Agência Nacional de Aguas (ANA) mostrou que é possível abastecer os municípios sem precisar da transposição do rio. O IBAMA que deu o aval, forneceu, sem querer, argumentos contra o projeto. Reconhece que 70% da água seriam para irrigação e 26% para o abastecimento de cidades; que a maior parte da água transposta iria para açudes onde se perde até 75% por evaporação; que 20% dos solos que se pretendia irrigar "têm limitações para uso agrícola"e "62% dos solos precisam de controle, por causa da forte tendência à erosão".

O Tribunal de Contas da União diz que o projeto não beneficiará o número de pessoas pretendido. Efetivamente, as comparações entre os projetos do Governo e da ANA, feitas por Roberto Malvezzi, bom conhecedor da bacia do São Franscisco, mostrou que o do Governo custaria R$ 6,6 bilhões, atenderia apenas a quatro Estados (Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará) beneficiando 12 milhões de pessoas de 391 municípios, enquanto o projeto da ANA custaria 3,3 bilhões, atingindo nove estados (Bahia, Sergipe, Piauí, Alagoas, Pernambuco, Rio do Norte, Paraíba, Ceará e Norte de Minas), beneficiando 34 milhões de pessoas de 1356 municípios.

O próprio Comitê de Gestão da Bacia que conhece bem as questões do rio, foi por 44 votos a 2 contra a transposição; diz ainda que esta atende a menos de 20% do Semi-Árido e que 44% da população do meio rural continuaria sem água. São razões de grande peso.

Se o Governo quiser efetivamente levar água aos sedentos do Nordeste deve reabrir a discussão pública ou então encampar o projeto da ANA. Caso não ocorrer, podemos contar com nova greve de fome do bispo. Entre o povo que não quer a transposição e as pressões de autoridades civis e eclesiásticas, ele ficará do lado do povo. E irá até o fim. Então a transposição será aquela da maldição, feita à custa da vida de um bispo santo e evangélico. Estará o Governo disposto a carregar esta pecha pelo futuro afora?


PUBLICAMOS INICIALMENTE ESTE ARTIGO DE LEONARDO BOFF, CONTRA A TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO. SE ALGUÉM QUISER DEFENDER A POSIÇÃO CONTRÁRIA, ENTRE EM CONTATO COM OS EDITORES DESTE BLOG.
GRATO

DIA INTERNACIONAL DAS MULHERES

"A vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos"
John Lennon







Ah vida,

Ah a vida me traz me traz o dom de viver e de ser,

De ser menina, de ser moça, de ser mulher.

De ser geradora dela própria.



Ah vida,

Ah a vida me traz a beleza do parir,

Do criar, do crescer e do viver,

Mas também do morrer.



Ah vida,

Ah vida que me faz acontecer,

Acontecer no riso, na lagrima, na dor,

Das Margaridas que brotam no seio,

Da dança, da reza, da realeza,

De ser mulher.



Ah vida,

Ah vida que me ocupa,

Ocupa no berço, na probidade,

Na mocidade, na magnitude,

De ser mãe, de ser trabalhadora,

Enfim uma lutadora.



Ah vida,

Ah vida que me faz,

Faz-me sentir, faz-me propor,

Faz-me despojar, para me fazer lutar,

Lutar por eu, por tu, por nós.



Ah vida,

Ah vida que me dá planos,

Planos de construir, de planejar,

De convencer, de perder,

Mas de celebrar para vencer.



Ah vida,

Celebra eu,

Para que possamos celebrar nós,

Pois só tua meiguice terna pode me fazer celebrar,

Celebrar a conquista do protagonismo de tua história.



Ah vida,

Celebra e gratifica,

Acelera teus tambores,

Pois eles são de esperança e gratidão,



Parabéns por mais um oito de março na luta



José Claudenor Vermohlen

DIA INTERNACIONAL DAS MULHERES

O Dia da Mulher nasceu das mulheres socialistas
Por Vito Giannotti (Núcleo Piratininga de Comunicação)
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Leia também: Datas básicas sobre a origem do 8 de Março

Quando começou a ser comemorado o Dia Internacional da Mulher? Quando começou a luta das mulheres por sua libertação? Qual é a influência do movimento socialista na luta das mulheres? E o 8 de Março, como nasceu? A data teve origem a partir do quê? Onde? Estas e outras questões mereceram uma atenção especial em 2003, quando nos jornais e na Internet apareceram repetidamente versões diferentes. Todas, no entanto, esqueceram a palavra-chave, que está na luta da mulher por sua libertação: mulher “socialista”. Em 2003, nas vésperas do 8 de Março, o jornal cearense O Povo publicou um longo artigo de uma professora da Universidade Federal do Ceará (UFCE) que deixou muita gente assustada. O mesmo aconteceu com vários artigos que circularam pela Internet.
Para encarecer a dose, logo após a comemoração do Dia Internacional da Mulher, em 2003, o novo jornal que acabara de sair, Brasil de Fato, no seu número 1, também trazia um artigo da mesma professora da UFCE, Dolores Farias, que reafirmava o que ela havia escrito no jornal O Povo, dias antes.
Houve pessoas que ficaram furiosas com a contestação da origem da data do Dia Internacional da Mulher. Procurando entender o porquê desta confusão.
Na verdade, a questão da origem do 8 de Março já é discutida há uns 40 anos. Em 1996, o Jornal do Brasil trazia um artigo da professora da UFRJ, Naumi Vasconcelos, no qual ela dizia que a tal greve de Nova Iorque, em 1857, quando teriam morrido 129 operárias queimadas vivas, nunca existiu. E ela afirma que a origem desta data é bem outra.
No mesmo ano, em março, Conselho de Classe jornal do SEPE, Sindicato dos Profissionais de Educação da rede pública do Estado do Rio de Janeiro, trazia um artigo da mesma professora Naumi, com o título sugestivo de: Quem tem medo do 8 de Março? Este mesmo texto da Naumi já tinha sido publicado no mensário Em Tempo, pouco antes.
Uma pesquisa de 12 anos
Neste artigo, a autora citava, como fonte fundamental para a discussão, um livro de uma pesquisadora canadense intitulado: O Dia Internacional da Mulher – Os verdadeiros fatos e datas das misteriosas origens do 8 de março, até hoje confusas, maquiadas e esquecidas.
Este livro, da autora canadense Renée Côté, saiu em 1984, mas estranhamente ficou esquecido por várias razões. O livro da Renée é totalmente antiacadêmico, anticonvencional. Mas, mais do que a forma, o que fez o livro cair em esquecimento é o que ela afirma, que incomoda muita gente. Ela prova por a+b, ao longo de 240 páginas, que as certezas criadas nos anos de 1960, 70 e 80 pelos movimentos feministas, a respeito do surgimento do 8 de Março, são pura ficção.
Ela derruba um mito caro às mulheres feministas, que tanto penaram para afirmar esta data. Além disso, o livro acabou caindo no esquecimento porque é mais fácil aceitar versões já consolidadas de histórias, caras às nossas vidas, do que questionar mitos estabelecidos. Assim como, para muitos, é mais fácil aceitar a historinha de Adão e Eva, criados do barro, uns seis mil anos atrás, do que questionar as origens do homem, bem mais complexas, centenas de milhares de anos atrás.
Há um outro fator determinante que fez o livro da autora canadense cair no limbo: ela deixa transparecer, o tempo todo, sua visão favorável à autonomia dos movimentos sociais frente aos partidos e mostra uma prevenção à própria idéia de partido político.
O livro se insere no grande leito de luta autonomista, típica dos movimentos de esquerda dos anos 70. Isto cria uma animosidade com muitos setores da esquerda mais influente, que poderiam divulgar sua obra. Mas, deixando de lado simpatias, ou alergias, vamos entrar no cipoal deste mito.
A explicação da origem do mito da greve de Nova Iorque de 1857, nos EUA, e do esquecimento de outra greve real, concreta e julgada inoportuna pelo Partido e pelo Sindicato, de 1917 na Rússia, vamos ver só no final do artigo. A questão-chave é ver por quê, no mundo bipolar da Guerra Fria dos anos 60 do século passado, os dois blocos em disputa aceitaram a versão de uma greve de mulheres, em 1857, nos EUA, e esqueceram uma outra greve de mulheres, em 1917, na Rússia. Os motivos são mais políticos que psicológicos.
Há vários estudos, cada um acompanhado de uma vasta bibliografia, que vão no mesmo sentido das pesquisas da Renée Côté. Entre eles destacamos os artigos “8 de Março: Conquistas e Controvérsias” de Eva A. Blay, de 1999. Outro estudo é de Liliane Kandel, de 1982, “O Mito das Origens: sobre o Dia Internacional da Mulher”. Outro texto muito rico é da Sempreviva Organização Feminista (SOF), de 2000, “8 de Março, Dia Internacional da Mulher: em busca da memória perdida”. Vamos apresentar a síntese destas recuperações históricas.
O clima mundial quando nasceu o mito de 1857
Na década de 60 o mundo vivia uma grande convulsão político-ideoló gica. Somente no começo dos anos 70, o jogo se define e o bloco ocidental americano, isto é, capitalista, leva a melhor sobre o bloco soviético, socialista. A chegada do homem à lua, por parte dos americanos, em 69, definiu o destino da humanidade por várias décadas e, quem sabe, séculos. A URSS, a partir dessa data, entra em rápida decadência e o bloco americano caminha rumo ao império neoliberal mundial.
Esta década foi um vendaval nos costumes e ideologias do mundo. Mexeu com todo o equilíbrio político-cultural do planeta. Os anos 60 começam com a vitória do povo da Argélia contra o colonizador francês que foi o estopim das guerras de libertação no Congo, Senegal, Nigéria, Ghana e em toda a África.
A China vivia sua Revolução Cultural, com o famoso Livro Vermelho de Mao Tse Tung, que influenciava milhões de jovens no mundo inteiro. O Vietnã, após ter derrotado a França em 54, enfrentava e preparava a derrota do maior exército do mundo. Os países ex-coloniais tinham criado o movimento dos Não-alinhados. O mundo árabe, sob a liderança de Nasser, começava a se mexer.
Enquanto isso, a Revolução Cubana, com os barbudos Fidel e Che, era um modelo para os revolucionários da América Latina e do mundo.
No bloco soviético, aumentava a contestação interna com a Primavera de Praga, em 68, na República Tcheca. Enquanto isso, a Igreja Católica vivia as dores do parto do nascimento da Teologia da Libertação, pós-Concílio Vaticano II, que negava o apoio a exploradores, opressores, colonizadores e senhores da guerra, com suas cruzadas, e começava a falar em libertação dos oprimidos.
No mundo ocidental, os costumes tradicionais eram contestados pela entrada em cena do mundo jovem: Beatles, Woodstock, Black Power, movimento hippie e Panteras Negras. Na América Latina, faziam-se guerrilhas contra ditadores representantes do capital local e capachos do imperialismo americano.
As mulheres americanas e européias haviam descoberto a pílula e as dos países do Terceiro Mundo, a metralhadora, nas guerrilhas lado a lado com os homens.
No Ocidente, os estudantes passaram dos livros de Marcuse a Alexandra Kollontai e Wilhem Reich com sua Revolução Sexual e A Função do Orgasmo. As mulheres americanas se manifestavam contra a Guerra do Vietnã e falavam em Women's Lib, libertação das mulheres.
Os estudantes erguiam barricadas em Paris, tomavam as ruas em Praga, Berkley e Rio de Janeiro e falavam de revolução e de amor: revolução social e sexual. E as feministas nas suas manifestações falavam de “mística feminina” e queimavam sutiãs nas praças públicas.
Nesse caldeirão cultural mundial, em Chicago, em 1968 e em Berkley, em 69, se retoma, através de boletins e jornais feministas, a idéia do Dia Internacional da Mulher. Só que se esquece de que no começo do século, quando nasceu o Dia da Mulher, se acrescentava a qualificação de socialista. Este dia tinha caído no esquecimento, enterrado por sucessivas avalanches históricas.
As duas guerras mundiais, a burocratização stalinista da União Soviética e o avanço do capitalismo ocidental na sua versão clássica americana, ou na sua versão socialdemocrata européia, cada vez menos socialista, não tinham interesse em comemorar o 8 de Março.
Nos países comunistas, após a 2ª Guerra Mundial, voltaram as comemorações do 8 de Março. Mas estas eram mais para louvar a política dos seus respectivos governos do que para encaminhar a luta pela total libertação da mulher.
É nesse clima político-ideoló gico que será retomada a idéia de se comemorar uma data internacional para a luta de libertação das mulheres.
A origem do mito da greve de 1857

O que estamos acostumados a ler nos boletins de convocação do Dia da Mulher é a história de uma greve, que aconteceu em Nova Iorque, em 1857, na qual 129 operárias morreram depois de os patrões terem incendiado a fábrica ocupada.
A primeira menção a essa greve, sem nenhum dos detalhes que serão acrescentados posteriormente, aparece no jornal do Partido Comunista Francês, na véspera do 8 de Março de 1955. Mas onde se dá a fixação da data do 8 de março, devido a esta greve, é numa publicação, que apareceu em Berlim, na então República Democrática Alemã, da Federação Internacional Democrática das Mulheres. O boletim é de 1966.
O artigo fala rapidamente, em três linhas, do incêndio que teria ocorrido em 8 de março de 1857 e depois diz que em 1910, durante a 2ª Conferência da Mulher Socialista, a dirigente do Partido Socialdemocrata Alemão, Clara Zetkin, em lembrança à data da greve das tecelãs americanas, 53 anos antes, teria proposto o 8 de Março como data do Dia Internacional da Mulher.
A confusão feita pelo jornal L ´Humanité não fala das 129 mulheres queimadas. Aonde se começa a falar desta mulheres queimadas é na publicação da Federação das Mulheres Alemã, alguns anos depois. Esta historinha fictícia teve origem, provavelmente, em duas outras greves ocorridas na mesma cidade de Nova Iorque, mas em outra época. A primeira foi uma longa greve real, de costureiras, que durou de 22 de novembro de 1909 a 15 de fevereiro de 1910.
A segunda foi uma outra greve, uma das tantas lutas da classe operária, no começo do século XX, nos EUA. Esta aconteceu na mesma cidade em 1911. Nessa greve, em 29 de março, foi registrada a morte, durante um incêndio, causado pela falta de segurança nas péssimas instalações de uma fábrica têxtil, de 146 pessoas, na maioria mulheres imigrantes judias e italianas.
Esse incêndio foi, evidentemente, descrito pelos jornais socialistas, numerosos nos EUA naqueles anos, como um crime cometido pelos patrões, pelo capitalismo.
Essa fábrica pegando fogo, com dezenas de operárias se jogando do oitavo andar, em chamas, nos dá a pista do nascimento do mito daquela greve de 1857, na qual teriam morrido 129 operárias num incêndio provocado propositadamente pelos patrões.
E como se chegou a criar toda a história de 1857? Por que aquele ano? Por que nos EUA? A explicação, provavelmente, é a combinação de casualidades, sem plano diabólico pré-estabelecido. Assim como nascem todos os mitos.
A canadense Renée Côté pesquisou, durante dez anos, em todos os arquivos da Europa, EUA e Canadá e não encontrou nenhuma traça da greve de 1857. Nem nos jornais da grande imprensa da época, nem em qualquer outra fonte de memórias das lutas operárias.
Ela afirma e reafirma que essa greve nunca existiu. É um mito criado por causa da confusão com as greves de 1910; de 1911, nos EUA; e 1917, na Rússia.
Essa confusão se deu por motivos históricos políticos, ideológicos e psicológicos que ficarão claros no fim do artigo.
Pouco a pouco, o mito dessa greve das 129 operárias queimadas vivas se firmou e apagou da memória histórica das mulheres e dos homens outras datas reais de greves e congressos socialistas que determinaram o Dia das Mulheres, sua data de comemoração e seu caráter político.
Já em 1970, o mito das mulheres queimadas vivas estava firmado. Rapidamente foi feita a síntese de uma greve que nunca existiu, a de 1857, com as outras duas, de costureiras, que ocorreram em 1910 e 1911, em Nova Iorque.
Nesse ano de 1970, com centenas de milhares de mulheres americanas participando de enormes manifestações contra a guerra do Vietnã e com um forte movimento feminista, em Baltimore, EUA, é publicado o boletim Mulheres-Jornal da Libertação. Neste já se reafirmava e se consolidava a versão do mito de 1857.
Mas, na França, essa confusão não foi aceita tranqüilamente por todas e todos. O jornal nº 0, de 8 de março de 1977, História d´Elas, publicado em Paris, alerta para esta mistura de datas e diz que, em longas pesquisas, nada se encontrou sobre a famosa greve de Nova Iorque, em 1857. Mas o alerta não teve eco.
Dolores Farias, no seu artigo no Brasil de Fato, nº 2, nos lembra que, em 1975, a ONU declarou a década de 75 a 85 como a década da mulher e reconheceu o 8 de março como o seu dia. Logo após, em 1977, a Unesco reconhece oficialmente este dia como o Dia da Mulher, em homenagem às 129 operárias queimadas vivas.
No ano de 1978, o prefeito de Nova Iorque, na resolução nº 14, de 24/1, reafirma o 8 de março como Dia Internacional da Mulher, a ser comemorado oficialmente na cidade de Nova Iorque.
Na resolução, cita expressamente a greve das operárias de 1857, por aumento de salário e por 12 horas de trabalho diário, e mistura esta greve fictícia com uma greve real que começou em 20 de novembro de 1909. O mito estava fixado, firmado e consolidado. Agora era só repeti-lo.
Por que a cor lilás?
A partir de 1980, o mundo todo contará esta história acreditando ser verdadeira. Aparecerá até um pano de cor lilás, que as mulheres estariam tecendo antes da greve. Daquela greve que não existiu. A mitologia nasce assim. Cada contador acrescenta um pouquinho. “Quem conta um conto aumenta um ponto”, diz nosso ditado.
Por que não vermelho? Porque vermelhas eram as bandeiras das mulheres da Internacional. Vermelhas eram as bandeiras de Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai, delegadas dos seus partidos, à 1ª Conferência das Mulheres Socialistas, em 1907; e da 2ª, na Dinamarca, em 1910. Nesta última foi decidido que as delegadas, nos seus países, deveriam comemorar o Dia da Mulher Socialista.
A cor lilás na luta das mulheres tem uma origem engraçada. A feminista Sylvia Pankrust nos conta que esta foi adotada pelas sufragistas inglesas, em 1908, junto com outras duas cores, como símbolo de sua luta. Estas lutadoras pelo direito de voto escolheram o lilás, o verde e o branco. O lilás se inspirava na cor da nobreza inglesa, o branco simbolizava a pureza da luta feminina e o verde a esperança da vitória.
Historicamente, vamos reencontrar a cor lilás na retomada do feminismo, nos anos 60. O vermelho estava muito ligado aos Partidos Comunistas do Bloco Soviético que, na verdade, já tinham muito pouco de socialismo, ou de comunismo. Além disso, historicamente, vários destes partidos pouco apoio haviam dado às lutas específicas das mulheres.
A expressão "Libertação da Mulher" não era própria destes partidos. Neles, a luta da mulher era vista quase só com o objetivo de integrá-la à luta de classe. A luta feminista, para muitos comunistas, só atrapalhava a luta geral do proletariado. Tirava forças da luta principal.
Foi nesse clima que, nas décadas de 60 e 70 do século passado, a luta feminista foi retomada, num processo de auto-organizaçã o das mulheres. No movimento feminista havia uma forte crítica à prática da maioria dos partidos e sindicatos. Muitos movimentos se organizaram de forma autônoma, lutando para garantir sua independência.
Assim, várias feministas adotadaram a cor lilás, como uma nova síntese entre as cores azul e rosa. O vermelho das bandeiras das mulheres da Internacional foi esquecido. Na década de 70, as mulheres socialistas reafirmavam a origem socialista do 8 de Março, ao mesmo tempo em que várias delas assumiam a cor lilás como cor específica da luta feminista.
A libertação da mulher tem origem na luta socialista
A idéia da libertação da mulher nasceu na terra fértil do movimento socialista mundial, no final do século XIX e começo do século XX.
As raízes desta batalha podem ser encontradas nos escritos de Marx e Engels. A visão da família, da mulher proletária e da burguesa que permeiam A Origem da Família, da Propriedade e do Estado, de Engels, é a base da visão dos socialistas sobre a necessidade da libertação da mulher proletária. A frase de Marx, “A opressão do homem pelo homem iniciou-se com a opressão da mulher pelo homem”, demorou para dar seus frutos, mas deu.
Contemporâneos de Marx, Paul Lafargue e Laura Marx foram batalhadores da igualdade e da libertação feminina, em seus vários escritos, sobretudo em seu livro mais conhecido, Direito à Preguiça.
Clara Zetkin, desde 1890, logo após a fundação da Internacional Socialista, começou a falar, escrever e organizar a luta das mulheres visando a integrá-las à luta socialista. Visando a que elas tomassem seu lugar na luta de classes, na revolução socialista que estava próxima.
Fora da 2ª Internacional, a tradição anarquista de uma parte do movimento operário também exigia a igualdade de homens e mulheres. A realidade, naquele começo do movimento da classe trabalhadora ainda era dura: partido e sindicato eram coisas de homem. Mas, mesmo nesse ambiente desfavorável, grandes mulheres passaram a discutir com as maiores lideranças da época e deixaram suas marcas em livros e artigos e na organização das forças revolucionárias.
Foi neste embate de idéias que um dos teóricos da Internacional, August Bebel, em 1885, escreveu seu livro A Mulher e o Socialismo. E é nesse grande rio que deságua o célebre A Nova Mulher e a Moral Sexual, de Alexandra Kollontai, mais de 20 anos depois.
Nesse ambiente de lutas operárias e de discussões teóricas, no campo socialista, é que nasceu a luta pela participação política e, pouco a pouco, pela libertação da mulher.
A partir do começo do século XX, essa batalha das socialistas se cruzou com a do movimento das mulheres independentes, em sua maioria pertencentes às classes média e alta, que estavam em campanha pelo direito de voto. Essas mulheres, nos Estados Unidos e na Inglaterra, ao reivindicar o sufrágio para as mulheres, ficaram conhecidas como as sufragistas e suas relações com as socialistas eram de conflito, devido às visões e a posição de classe diferentes.
As mulheres socialistas criam o Dia da Mulher
Desde 1901, nos EUA, logo após a criação do Partido Socialista, surge a União Socialista das Mulheres, com a finalidade de reivindicar o direito de voto feminino. Entre os anos 1900 e 1908, sempre nos Estados Unidos, nascem vários clubes de mulheres, uns intimamente ligados ao Partido Socialista, outros mais autônomos, anarquistas ou não. Todos exigiam o direito de voto para as mulheres.
Em 1908, a Federação dos Clubes de Mulheres Socialistas de Chicago toma a iniciativa, autônoma, não ligada oficialmente ao Partido Socialista, de chamar para um Dia da Mulher, num teatro da cidade. Era o domingo, 3 de maio. Os debates do dia tinham dois temas de pauta: 1. A educação da classe trabalhadora. 2. A mulher e o Partido Socialista.
Nessa conferência, o palestrante Ben Hanford repetiu uma das idéias-chaves de Engels no seu A Origem da Família da Propriedade e do Estado. Nas palavras do orador, de acordo com Engels, “As mais exploradas são as mães do nosso povo. Elas estão de mãos e pés amarrados pela dependência econômica. São forçadas a vender-se no mercado do casamento, como suas irmãs prostitutas no mercado público.”
Mas não foi esse encontro independente, no teatro The Garrick, de Chicago, que foi reconhecido pelo Partido Socialista como começo da comemoração do Dia da Mulher. A iniciativa desse dia tinha nascido fora da estrutura oficial do Partido.
O primeiro dia da Mulher, nacional, assumido pelo Partido, foi no ano seguinte, em Nova Iorque, em 28 de fevereiro de 1909. Em outras cidades do País, como Chicago, o dia foi celebrado em outras datas.
O objetivo desse dia, convocado pelo Comitê Nacional da Mulher do Partido Socialista americano, “era obter o direito de voto e abolir a escravidão sexual.” O panfleto de convocação dizia: “A realização da revolução das mulheres é um dos meios mais eficazes para a revolução de toda a sociedade.”
Desde o começo do século, nos EUA havia um importante movimento pelo voto feminino, fora da órbita dos socialistas. A maioria das mulheres do Partido consideravam esse movimento como um movimento de mulheres brancas e de classe média.
Dentro do Partido Socialista havia um constante vai-e-vem sobre esse tema. Por seu lado, as mulheres anarquistas não viam nenhum sentido na luta pelo voto, nem das mulheres e nem dos homens. O meio para construir uma nova sociedade, e a igualdade entre homens e mulheres, na visão anarquista, não seria certamente o voto, e sim a ação direta revolucionária. A principal porta-voz desta visão era a revolucionária anarquista Emma Goldman.
O ambiente americano favorecia esta reivindicação do direito de voto. Até o ano de 1909, somente em quatro estados era reconhecido o direito ao voto feminino. A extensão do voto para toda mulher americana só viria em 1920.
Na Europa, o movimento das mulheres socialistas, liderado por Clara Zetkin, também era cheio de zige-zagues.
No começo, dentro da Internacional, se levava uma guerra sistemática contra a luta pelo direito de voto feminino, visto como uma forma de desviar as forças revolucionárias das mulheres e considerado como uma reivindicação burguesa. Era assim que eram tachadas as sufragistas, seja da Europa que da América, pelos socialistas.
Essa visão européia será adotada pelo Partido Socialista americano, em meio a grandes debates e com vozes discordantes. No meio do calor e das contradições desse debate, na 1ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, em 1907, em Stuttgart, 58 delegadas de 14 países elaboraram uma proposição que comprometia os vários Partidos Socialistas a entrar na luta pelo voto feminino. A resolução foi elaborada, na véspera, na casa de Clara Zetkin, por ela e duas camaradas, suas hóspedes: Rosa Luxemburgo e a única russa da Conferência, Alexandra Kollontai.
É nesse clima de embates que, em 1910, o Partido Socialista americano organiza, pela segunda vez, o Dia da Mulher no último domingo de fevereiro, em Nova Iorque. O objetivo do dia é declarado sem rodeios no convite: “Arrolar as mulheres no exército dos camaradas da revolução social.”
Esta comemoração, de 1910 foi marcada por uma grande participação de operárias. Eram as costureiras da cidade que haviam terminado uma longa greve pelo direito de ter o seu sindicato reconhecido. A greve durou de 22 de novembro de 1909 até 15 de fevereiro de 1910, quase na véspera do Dia da Mulher. Foi uma greve longa, dura, com fortes piquetes reprimidos com violência pela polícia, que prendeu mais de 600 pessoas. Encerrada a greve, as costureiras participaram ativamente da preparação e da realização do Dia da Mulher chamado pelo Partido Socialista.
Dois meses depois, em maio, no congresso do partido, realizado em Chicago, foi deliberado que o partido americano enviaria delegados ao Congresso da Internacional, a ser realizado em agosto, com a tarefa, entre outras, de propor ao plenário que o Dia da Mulher fosse assumido pela Internacional. Esse dia deveria tornar-se o Dia Internacional da Mulher, a ser celebrado pelos socialistas, no último domingo de fevereiro de cada ano.
Em agosto desse ano, antes do Congresso da Internacional, se realizou em Copenhague, na Dinamarca, a 2ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas. Foi então que as delegadas americanas levaram a proposta aprovada no Congresso do seu partido. Assim, aceitando a proposta das delegadas dos Estados Unidos, Clara Zetkin e outras camaradas propõem a realização anual do Dia Internacional da Mulher.
O dia ficou indefinido. Ficou a cargo de cada país escolher a data melhor para comemorar este dia. A resolução aprovada será publicada logo em seguida, no jornal dirigido por Clara, A Igualdade, em 29 de agosto.
“As mulheres socialistas de todas as nações organizarão um Dia das Mulheres específico, cujo primeiro objetivo será promover o direito de voto das mulheres. É preciso discutir esta proposta, ligando-a à questão mais ampla das mulheres, numa perspectiva socialista.” A outra proposta, de comemorar o Dia da Mulher junto com a data já clássica da luta operária, o 1º de Maio, defendida por Clara e várias outras delegadas, foi derrotada. O dia da Mulher deveria ser comemorado num dia próprio, específico.
O Dia da Mulher se fixa em 8 de Março
Na Europa, a primeira celebração do Dia Socialista das Mulheres aconteceu em 19 de março de 1911, por decisão da Secretaria da Mulher Socialista, órgão da Internacional. Alexandra Kollontai, que propôs a data, diz que foi para lembrar um levante de mulheres proletárias, na Prússia, em 19 de março de 1848. Nesse dia, escreveu Kollontai, as mulheres conseguiram do rei da Prússia a promessa, depois não cumprida, de obter direito de voto.
Nos EUA, a tradição de realizar o Dia da Mulher no último domingo de fevereiro se repetiu em 1911, 1912 e 1913. Em 1914, será comemorado em 19 de março, seguindo a indicação da Kollontai.
Nos vários países da Europa, após a decisão da 2ª Conferência, onde havia um partido socialista, se começou a comemorar o Dia da Mulher.
Na Suécia, a primeira comemoração foi em 1º de março de 1911. O mesmo aconteceu na Itália.
Na França, o começo do Dia da Mulher foi em 1914, comemorado dia 9 de março, próximo ao Dia da Mulher na Alemanha.
Em 1914, pela primeira vez, na Alemanha, Clara Zetkin e as mulheres socialistas marcam data do Dia da Mulher para 8 de março. Não se explicou o porquê dessa data, pois não precisava. Era um detalhe sem interesse. A data era totalmente indiferente. Tinha que ser qualquer dia. Importante era a realização do dia.
Na Rússia, sob da opressão do czar, o primeiro Dia da Mulher só foi comemorado em 3 de março de 1913.
Em 1914 todas as organizadoras do Dia da Mulher foram presas e com isso não houve comemoração.
Em plena Guerra Mundial, em 1917, na Rússia, as mulheres socialistas realizaram seu Dia da Mulher no dia 23 de fevereiro, pelo calendário russo. No calendário ocidental, a data correspondia ao dia 8 de Março. Era o mesmo dia que, na Alemanha, tinha sido escolhido em 1914. Foi nesse dia que explodiu a greve espontânea das tecelãs e costureiras de Petrogrado.

Nesse dia, um grande número de mulheres operárias, na maioria tecelãs e costureiras, contrariando a decisão do Partido, que achava que aquele não era o momento para qualquer greve, saíram às ruas em manifestação por pão e paz. Declararam-se em greve. Essa manifestação foi o estopim do começo da primeira fase da Revolução Russa, conhecida depois como a Revolução de Fevereiro.
Em outubro o Partido Bolchevique lidera a grande Revolução Russa, nos “dez dias que abalaram o mundo”.
Essa greve foi documentada nos escritos de Trotsky e de Alexandra Kollontai, ambos membros do Comitê Central do Partido Operário Socialdemocrata Russo e ambos, depois, proscritos pelo stalinismo vencedor. Kollontai escreve: "O dia das operárias, 8 de Março, foi uma data memorável na história. Nesse dia as mulheres russas levantaram a tocha da revolução."
Mas o texto que melhor nos conta os fatos da greve das operárias da Petrogrado é um longo trecho de Leon Trotsky, no primeiro volume de seu livro História da Revolução Russa. Vale a pena acompanhá-lo:
“O 23 de fevereiro era o Dia Nacional das Mulheres. Programava-se, nos círculos da socialdemocracia, de mostrar o seu significado com os meios tradicionais: reuniões, discursos, boletins. Na véspera, ninguém teria imaginado que este Dia das Mulheres pudesse ter inaugurado a revolução.
Nenhuma organização planejava alguma greve para aquele dia. Ainda por cima, uma das combativas organizações bolcheviques, o Comitê dos Tecelões de Rayon, formado essencialmente por operários, desaconselhava qualquer greve. O estado de espírito da massa, segundo Kaiurov, um dos chefes operários deste setor, era muito tenso e cada greve ameaçava tornar-se um confronto aberto.
O Comitê julgava que o momento de começar hostilidades ainda não tinha chegado e que o Partido ainda não tinha forças suficientes e, ao mesmo tempo, a união entre soldados e operários ainda era insuficiente. Por isso tinha decidido não chamar para greve, mas para se preparar para a ação revolucionária, num futuro ainda não definido.
Esta era a linha de conduta preconizada pelo Comitê, na véspera do dia 23, e parecia que todos a tivessem aceitado. Mas, na manhã seguinte, contra todas as orientações, as operárias têxteis abandonaram o trabalho em várias fábricas e enviaram delegadas aos metalúrgicos para pedir-lhes que apoiassem a greve.
Foi a contra-gosto, escreve Kaiurov, que os bolcheviques, seguidos pelos operários mencheviques e pelossocialistas de esquerda se juntaram à marcha.
Como se tratava de uma greve de massa, era necessário comprometer todo mundo para sair às ruas e estar à frente do movimento. Esta foi a resolução proposta por Kaiurov e o Comitê de Vyborov se sentiu forçado a aprová-la.
Pelos fatos, é então certo que a Revolução de Fevereiro foi iniciada por elementos da base que passaram por cima da oposição das suas organizações revolucionárias, e que a iniciativa foi tomada espontaneamente por um contingente do proletariado explorado e oprimido mais que todos os outros, as operárias têxteis. (...) O empurrão final veio das enormes filas de espera em frente às padarias.”



Em 1921, realizou-se, em Moscou, na URSS, a Conferência das Mulheres Comunistas que adota o dia 8 de Março como data unificada do Dia Internacional das Operárias. A partir dessa Conferência, a 3ª Internacional, recém-criada, espalhará a data 8 de Março como data das comemorações da luta das mulheres. Um dia esquecido e depois reinventado
Na Rússia comunista, após a vitória da Revolução de Outubro, nos primeiros anos do novo regime, o dia 8 de Março era comemorado todo ano, como o Dia Internacional da Mulher Comunista.
O dia, pouco a pouco, perdeu seu interesse e o adjetivo comunista foi caindo à medida que o ímpeto revolucionário da União Soviética começou a se arrefecer.
Nos últimos anos da década de 20 e, sobretudo, nos anos 30, o Dia Internacional da Mulher, seja comunista ou socialista, se perderá na tormenta que se abateu sobre o mundo. A ascensão do nazismo na Alemanha, o triunfo do stalinismo na URSS e o declínio da socialdemocracia na Europa e o vendaval da 2ª Guerra Mundial enterram as manifestações do Dia das Mulheres.
Fora dos países comunistas, no Ocidente, a humanidade só voltará a falar do Dia da Mulher, no final dos anos 60. Nesse lapso de tempo, o marco do 8 de Março, data da greve das operárias de Petrogrado, de 1917, foi esquecido.
A data da vitória das revolucionárias rebeldes russas, que impôs a derrota do absolutismo do Czar e deslanchou a Revolução Russa, não interessava aos comunistas do mundo todo. Estes, quase todos, viviam anestesiados pelos encantos ou pelo terror stalinista.
Retornar a lembrança daquele 8 de Março das operárias revolucionárias de Petrogrado também não interessava à Socialdemocracia, rejuvenescida após a destruição da Segunda Guerra Mundial e em conflito aberto com o comunismo dos países do bloco soviético.
8 de Março: uma data a celebrar
Menos que menos, a data do 8 de Março de 1917, na nascente URSS, interessava o bloco capitalista ocidental, inimigo mortal da Rússia comunista. É neste clima, propício ao esquecimento da verdadeira história do Dia da Mulher, já na década de 1950, nas publicações do Partido Comunista, na França, se começou a falar de uma forte luta das operárias americanas, em 8 de março de 1857. Talvez, a famosíssima greve do 1º de Maio, na Chicago de 1886 e as numerosas greves nas tecelagens americanas estimularam as fantasias e levaram a enfatizar a participação dos Estados Unidos na luta da mulher, o que favoreceu esta confusão de datas. Pouco a pouco se deslocou a data para 1857, em Nova Iorque. E aí, em ondas sucessivas de contadores, se chegou a historinha completa.
No dia 1º de Março de 1964, o jornal da CGT francesa, Antoinette, fala que “foram as americanas que começaram. Era 8 de março de 1857. Para exigir as 10 horas elas ocuparam as ruas de Nova Iorque”. É a continuação do que já tinha aparecido no jornal do PCF, nos anos anteriores.
E finalmente, foi assim, sem precisar de uma conspiração organizada por um suposto império do mal, que na Alemanha Oriental, em 1966, a Federação das Mulheres Comunistas noticiou a história do Dia da Mulher, enriquecida com o martírio das 129 queimadas vivas.
Tudo isto foi feito de forma confusa, misturando fatos com fantasias, com cada contador, escrevendo e inventando datas e detalhes.
E foi assim, sem nenhuma deliberação conspiratória, que o mito que acabava de ser criado, em 1966, no Leste Europeu, começou a ser divulgado e foi depois enriquecido fartamente, nos EUA do final dos anos 60 e em todo o mundo ocidental.
Depois disso, era só enriquecer o mito. O que foi feito, até sua cristalização em 1975, com a ONU e logo depois com a Unesco, em 1977.

Uma data muito rica que não precisa de mitos
Derrubar o mito de origem da data 8 de Março não implica desvalorizar o significado histórico que este adquiriu.
Muito ao contrário. Significa retomar a verdade dos fatos que são suficientemente ricos de significado e que carregam toda a luta da mulher no caminho da sua libertação. Significa enriquecer a comemoração desse dia com a retomada de seu sentido original.
Significa voltar às origens do ideal socialista da maioria das mulheres que lutavam por um mundo novo sem exploração e opressão do homem pelo homem e especificamente da mulher pelo homem.
Um dia que quer retomar a comemoração e a luta de um 8 de Março sem medos. Avançar sem medos e sem vergonha pelas derrotas sofridas pelas revoluções perdidas no século XX, rumo à conquista da libertação total das mulheres.
Significa integrar todos os novos e importantíssimos aspectos da luta da libertação da mulher, descobertos com a evolução histórica da humanidade no século XX, com a retomada de suas raízes socialistas.
Integrar à clássica luta libertária, socialista e comunista do começo do século XX, as contribuições de diferentes linhas de pensamento e países, que vão de Wilhem Reich a Simone de Beauvoir, de Herbert Marcuse a Samora Machel, de Betty Friedann a Rose Marie Muraro. Integrar toda a luta do feminismo para construir uma sociedade onde a mulher seja reconhecida como gente.
Integrar estas elaborações teóricas com as lutas e as experiências de vida de milhares de ativistas, militantes e organizadoras da luta das mulheres, no mundo inteiro: das guerrilheiras latino-americanas, às mulheres vietnamitas, das trabalhadoras das fábricas às plantadoras de arroz da Índia, das Mães dos desaparecidos argentinos às lutadoras pela reforma agrária do MST.
Uma longa luta sem medo da felicidade, sem medo do prazer. Sem medo de lutar por uma revolução, que deverá ser social, sexual, e profundamente cultural. Sem medo de levantar as bandeiras vermelhas da luta pela libertação da humanidade. A libertação de homens e mulheres.
Anexo
Datas básicas sobre a origem do 8 de Março
1900-1907
— Movimento das Sufragistas pelo voto feminino nos EUA e Inglaterra.
1907
— Em Stuttgart, é realizada a 1ª Conferência da Internacional Socialista com a presença de Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai. Uma das principais resoluções: "Todos os partidos socialistas do mundo devem lutar pelo sufrágio feminino."
1908
— Em Chicago (EUA), no dia 3 de maio, é celebrado, pela primeira vez, o Woman´s Day. A convocação é feita pela Federação Autônoma de Mulheres.
1909
— Novamente em Chicago, mas com nova data, último domingo de fevereiro, é realizado o Woman's Day. O Partido Socialista Americano toma a frente.
1910
— A terceira edição do Woman's Day é realizada em Chicago e Nova Iorque, chamada pelo Partido Socialista, no último domingo de fevereiro.
— Em Nova Iorque, é grande a participação de operárias devido a uma greve que paralisava as fábricas de tecido da cidade. Dos trinta mil grevistas, 80% eram mulheres. Essa greve durou três meses e acabou no dia 15/02, véspera do Woman's Day.
— Em maio, o Congresso do Partido Socialista Americano delibera que as delegadas ao Congresso da Internacional, que seria realizado em Copenhague, na Dinamarca, em agosto, defendam que a Internacional assuma o Dia Internacional da Mulher.
"Este deve ser comemorado no mundo inteiro, no último domingo de fevereiro, a exemplo do que já acontecia nos EUA".
— Em agosto, a 2ª Conferência Internacional da Mulher Socialista, realizada dois dias antes do Congresso, delibera que: "As mulheres socialistas de todas as nacionalidades organizarão (...) um dia das mulheres específico, cujo principal objetivo será a promoção do direito a voto para as mulheres". Não é definida uma data específica.
1911
— Durante uma nova greve de tecelãs e tecelões, em Nova Iorque, morrem 134 grevistas, a causa de um incêndio devido a péssimas condições de segurança.
— Na Alemanha, Clara Zetkin lidera as comemorações do Dia da Mulher, em 19 de março. (Alexandra Kollontai diz que foi para comemorar um levante, na Prússia, em 1848, quando o rei prometeu às mulheres o direito de voto).
— Nos Estados Unidos, o Dia da Mulher é comemorado em 26/02 e na Suécia, em 1º de Maio.
1912
— Nos Estados Unidos, o Dia da Mulher é comemorado em 25/02.
1912 e 1913
— Na Alemanha, o Dia da Mulher é comemorado em 19/3.
1913
— Na Rússia é comemorado, pela primeira vez, o Dia da Mulher, em 3/3.
1914
— Pela primeira vez, a Secretaria Internacional da Mulher Socialista, dirigida por Clara Zetkin, indica uma data única para a comemoração do Dia da Mulher: 8 de Março. Não há explicação sobre o porquê da data.
— A orientação foi seguida na Alemanha, Suécia e Dinamarca.
— Nos Estados Unidos, o Dia da Mulher foi comemorado em 19/03
1917
— No dia 8 de Março de 1917 (27 de fevereiro no calendário russo) estoura uma greve das tecelãs de São Petersburgo. Esta greve gera uma grande manifestação e dá início à Revolução Russa.
1918
— Alexandra Kollontai lidera, em 8/3, as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher, em Moscou, e consagra o 8/3 em lembrança à greve do ano anterior, em São Petersburgo.
1921
— A Conferência das Mulheres Comunistas aprova, na 3ª Internacional, a comemoração do Dia Internacional Comunista das Mulheres e decreta que, a partir de 1922, será celebrado oficialmente em 8 de Março.
1955
— Dia 5/3, L´Humanité, jornal do PCF, fala pela primeira vez da greve de 1857, em Nova Iorque. Não fala da morte das 129 queimadas vivas.
1966
— A Federação das Mulheres Comunistas da Alemanha Oriental retoma o Dia Internacional das Mulheres e, pela primeira vez, conta a versão das 129 mulheres queimadas vivas.
1969
— Nos Estados Unidos, o movimento feminista ganha força. Em Berkley, é retomada a comemoração do Dia Internacional da Mulher.
1970
— O jornal feminista Jornal da Libertação, em Baltimore, nos EUA consolida a versão do mito de 1857.
1975
— A ONU decreta, 75-85, a Década da Mulher.
1977
— A Unesco encampa a data 8/3 como Dia da Mulher e repete a versão das 129 mulheres queimadas vivas.
1978
— O prefeito de Nova Iorque decreta dia de festa, no município, o dia 8 de Março, em homenagem às 129 mulheres queimadas vivas.

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