Monday, May 14, 2007

EM DIREÇÃO AO CENTRO

Em direção ao centro

(a versão completa deste texto pode ser solicitada para vpomar@hotmail.com)



“Refundação”, “valores republicanos” e “revolução democrática”: estas são as mais destacadas contribuições da tese “Mensagem ao Partido”.

A “refundação” provocou tanta celeuma, que os signatários da “Mensagem” não a incluíram na versão inscrita oficialmente para os debates do 3º Congresso. Os “valores republicanos” não provocaram igual celeuma, mas tampouco viraram sucesso de crítica e público. Já a “revolução democrática” parece agradar quase todos os gostos: radical o suficiente (“revolução”), mas sem perder a ternura (“democrática”) jamais.

Por trás do que muitas vezes é tratado como mero slogan, existe uma visão acerca de qual deve ser a estratégia do PT. Visão que busca solucionar um problema anunciado, mas não resolvido, pela tese “Construindo um Novo Brasil”, a saber: como combinar um programa de desenvolvimento do capitalismo com uma estratégia socialista, sem cair na social-democracia?

A revolução brasileira

Segundo a “Mensagem ao Partido”, o segundo governo Lula teria o “potencial” de “começar a efetivar mais plenamente a revolução democrática no Brasil”. Ou seja: a revolução democrática seria um processo real, que já estaria em curso, cabendo ao governo Lula efetivá-lo “mais plenamente”.

Esta abordagem mostra que os autores da “Mensagem” adotam um padrão de análise muito comum na esquerda brasileira dos anos 1960, qual seja: o de considerar que estaria em curso um processo objetivo chamado de “revolução brasileira”, cabendo a esquerda dirigi-lo de maneira conseqüente e vitoriosa.

Ao denominar como “revolução” o processo histórico então em curso, aquela abordagem confundia as mudanças sociais profundas, causadas pelo processo de desenvolvimento capitalista ocorrido no Brasil, com um processo revolucionário.

Esta confusão era motivada, em alguns casos, pelo duplo sentido do termo “revolução”. Geralmente consideramos “revolução” um processo de curta duração e eminentemente político, no qual o poder passa de uma classe social para outra.

Mas o termo “revolução” pode designar, também, um processo de longa duração, no qual a sociedade se transforma profundamente, mas sem que as classes dominantes sejam substituídas abruptamente do (ou ameaçadas de perder o) poder político.

Os dois processos estão presentes e vinculados no processo histórico de cada país. Longos períodos de “revolução no sentido amplo” preparam curtos períodos de “revolução no sentido estrito” da palavra, que por sua vez abrem novos períodos de “revolução no sentido amplo”.

Para evitar a confusão, talvez fosse mais adequado utilizar os termos evolução e revolução. Afinal, se o processo “normal” de desenvolvimento é denominado de “revolução”, então a luta por reformas passa a ser enxergada como se tivesse, em si mesma, um conteúdo também revolucionário (no sentido estrito da palavra).

Noutras palavras, algumas pessoas começam a achar que a luta por reformas democráticas seria capaz de resolver o problema que, na história, só as revoluções no sentido estrito conseguiram resolver: transferir o poder de uma classe social para outra classe social.

Democracia política e revolução social

Como muitos conceitos, o de “revolução democrática” é polissêmico. Há dois sentidos mais usuais: o de revolução democrático-burguesa e o de democratização radical.

Os signatários da “Mensagem ao Partido” não levam em conta o primeiro sentido. O que a “Mensagem” chama de revolução democrática coincide, em larga medida, com a idéia da “democratização radical”.

O debate sobre as relações entre revolução democrático-burguesa, democracia radical e socialismo é tão antigo quanto o próprio movimento socialista. O mesmo pode ser dito sobre o grande debate sobre “reforma ou revolução”. Que no fundo diz respeito a como combinar a luta por reivindicações democráticas e sociais, que visam melhorar aqui e agora as condições de vida das classes trabalhadoras, com a luta por revolucionar o capitalismo e criar uma sociedade socialista.

Trata-se de um debate muito complexo, inclusive porque sua solução no terreno teórico não o soluciona do ponto de vista prático. Noutras palavras: as revoluções, as crises e situações revolucionárias, são fenômenos raros. O que cria uma situação muito difícil para todos os partidos que se pretendem revolucionários: como participar da vida política cotidiana (ou seja, da luta por reformas), sem cair no “reformismo”.

É nesses marcos que devemos apreciar a seguinte passagem da “Mensagem ao Partido”: “uma experiência de transição democrática ao socialismo é inédita na história da humanidade”. Podemos deduzir, portanto, que teria havido transições não-democráticas ao socialismo. E o que caracterizaria estas “transições não-democráticas”? Seria a violência revolucionária?

Se esta hipótese estiver correta, o conceito de “democracia” esposado pela “Mensagem” excluiria, por definição, a democracia revolucionária. E seu conceito de “revolução” excluiria a violência revolucionária.

Nesta questão, como em outras, a “Mensagem ao Partido” se aproxima bastante das preocupações da tese “Construindo um novo Brasil”, para quem “a superação do capitalismo não se dará pela via da ruptura violenta”.

Esfera pública e “revolução democrática”

A “Mensagem” considera que o sentido “nuclear e unificador” da revolução democrática estaria na “construção da esfera pública”, que supõe um ataque em três “frentes combinadas”: “o aprofundamento da democracia e da universalização das funções do Estado brasileiro”, “a construção de novas formas de controle e regulação da atividade econômica” e “a construção de áreas mistas de atuação entre o Estado e a sociedade civil organizada”.

Ninguém pode ser contra a adoção de medidas de democratização política, de políticas públicas universais ou de ações que limitem os danos causados pelo “livre mercado”. A questão é saber que lugar estas medidas ocupam numa estratégia de luta pelo socialismo.

Neste particular, a “Mensagem” não explica como, através destas medidas, será possível ampliar a esfera pública, até transformar o Estado hoje pró-burguês, num Estado que “aponte um rumo claramente anti-capitalista”. E, principalmente, a “Mensagem” não esclarece como seria possível fazer isso, sem algum tipo de ruptura, sem violência, sem revolução.

Será possível universalizar plenamente a cidadania, sem provocar uma “reação conservadora” por parte das classes dominantes? O processo de ampliação dos direitos econômicos e sociais exigirá ou não, em algum momento, para ter continuidade, um processo de ruptura?

Curiosamente, a “Mensagem” ao Partido não chama, em apoio a suas teses, o processo atualmente em curso na Venezuela, na Bolívia e no Equador. Tampouco faz referência ao que se passou no Chile, onde se tentou fazer uma transição ao socialismo nos marcos da democracia eleitoral.

A ausência de citação é compreensível (pois a realidade não valida várias das teses da “Mensagem”), mas não deixa de ser chocante, particularmente no caso do Chile. Afinal, há um evidente parentesco entre a “área de propriedade social” defendida pela Unidade Popular e a “economia do setor público [como] o caminho histórico da transição democrática para o socialismo”, tal como é defendido pela “Mensagem”.

O estudo das experiências citadas mostra, em primeiro lugar, que as medidas propostas pela “Mensagem” (subordinação do Banco Central ao presidente da República, sistema de financiamento de longo prazo da economia, ampliação do Conselho Monetário Nacional, o Estado como indutor do desenvolvimento, uma revolução na educação e a construção de um sistema nacional de inovações, entre outras) são absolutamente insuficientes para constituir um setor público capaz de enfrentar as grandes corporações privadas e os grandes Estados capitalistas.

Tal estudo mostra, em segundo lugar, que a mudança na estrutura de propriedade e de comando da economia é fundamental para o sucesso de médio e longo prazo de uma revolução. Mas, no curto prazo, problemas econômicos podem dar combustível para a reação, mas não são suficientes para viabilizar um golpe. Nesse particular, o fundamental é o controle dos meios de comunicação, das forças armadas, do legislativo, do judiciário, da burocracia estatal e, é claro, o apoio de grandes potências.

A “Mensagem” parece sustentar outro ponto de vista. A tese diz que devemos ter “a determinação de realizar as mudanças que forem objeto de claro apoio majoritário na sociedade, fruto de consensos amplos, respeitando sempre os direitos políticos das minorias”.

Posto nestes termos, qualquer mudança polêmica é inviabilizada de antemão. Se o “apoio majoritário” tem que ser combinado com “consensos amplos”, o ritmo da marcha será dado pelos setores mais atrasados, mais conservadores, mais reacionários.

Talvez por isto, a “Mensagem” adote um tom braudeliano, de longa duração, ao falar que a “imaginação da revolução democrática deve ser capaz de construir toda uma era de mudanças”. Um tempo “não linear”, incluindo até mesmo “governos de forças políticas externas à coalizão que sustenta a revolução democrática”.

Apesar dos recuos e descontinuidades que reconhece inevitáveis, a “Mensagem” parece achar que ao fim e ao cabo nossa vitória está garantida. Sem rupturas, é claro. Neste sentido, o problema central da “Mensagem”, quando fala da “dinâmica da revolução”, é teleológico. É como se acreditassem que, ocorra o que ocorrer, a revolução democrática seguirá seu curso, pois o Brasil caminha em direção ao progresso, à democracia e ao socialismo.

No final do século XIX, este fatalismo era típico da social-democracia alemã. Como o socialismo era inevitável, o reformismo era a política mais recomendável. Todos sabemos no que deu.

Revolução democrática e sociedade de classes

Alguns signatários da “Mensagem” acreditam que a “revolução democrática” seria nosso caminho para o socialismo.

Não é o que se deduz de várias passagens da tese, nem tampouco da esclarecedora entrevista que Tarso Genro concedeu ao jornalista Otávio Cabral (revista Veja, 28/3/2007), em que ele ataca a proposta de que o “presidente da República possa fazer consultas plebiscitárias diretas à população, sem passar pelo Congresso”, afirma que falar do caráter de classes do Estado é “ranço ideológico” e defende que “a democracia tem de admitir uma desigualdade social relativa, senão ela não será democracia”.

Nessa entrevista, Tarso Genro afirma que “a grande utopia da revolução democrática do Brasil é fazer com que as pessoas pertençam às classes sociais, e não que sejam destituídas de classes sociais. Temos de reestruturar a sociedade de classe. As pessoas têm de ter o sentimento de pertencer às classes sociais porque assim elas participam de um diálogo de coesão. Isso é que dá estabilidade e força à democracia”. O raciocínio de Tarso Genro é claramente social-democrata.

Opinião diferente é apresentada no texto “Por que revolução democrática?”, assinado por Juarez Guimarães e Carlos Henrique Árabe, dirigentes da tendência Democracia Socialista. Neste artigo, se afirma que “a noção de que estamos inseridos em uma revolução democrática no atual período histórico supera, pela base, uma visão etapista que limita os horizontes do PT ao imediatamente possível e adia para um futuro indeterminado as dimensões socialistas da experiência de governar o Brasil.”

É evidente que os signatários da “Mensagem” não acreditam que haja uma etapa “democrática” separada e anterior a uma etapa “socialista”. Acontece que a “Mensagem” pretende superar o etapismo, eliminando a revolução. Dito de outra forma, a “Mensagem” exagera as continuidades e subestima as descontinuidades que existem entre o que denomina de “revolução democrática” (e que nós chamamos de luta por reformas estruturais democrático-populares) e aquilo que se convencionou chamar de “revolução socialista”.

Para não limitar “os horizontes do PT ao imediatamente possível” e para não adiar “para um futuro indeterminado as dimensões socialistas da experiência de governar o Brasil”, os signatários da “Mensagem” dão “conteúdo socialista” a medidas de caráter democrático.

Assim, medidas como o OP ganham um potencial que a experiência prática já desmentiu. A “republicanização” do país torna-se uma batalha épica. E caso isto tudo não seja suficiente, trata-se de rebaixar programaticamente o socialismo, pois assim ele se torna mais próximo da dura realidade de um governo de centro-esquerda.

Neste sentido, o modelo estratégico da “Mensagem” não é etapista, nem tampouco revolucionário: é processual. Ou, como diriam os antigos, reformista. Dependendo do trecho da tese (e também do signatário), soa como um reformismo socialista ou um reformismo social-democrata. Neste sentido, a “revolução democrática” é inferior ao que o PT já produziu, em termos estratégicos, nos anos 1980.



Valter Pomar

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